Em “Hier arrive bientôt” (Ontem chega cedo, em tradução livre), da companhia francesa Atònita, uma personagem sonhadora aguarda, angustiada, por um chamado que nunca vem. Já “A fabulosa travessia”, dos argentinos da Fanfarria Ambulante, narra as aventuras de imigrantes que chegam a uma terra desconhecida, cuja cultura se expressa por meio da cumbia e do tango. O palhaço e acrobata argentino Maku Fanchulini criou o solo “Metro e meio”.
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“Fragmentos em cena”, dos brasileiros do Artinerant’s, transforma os corpos em movimento dos artistas em pedaços de afeto, humor e poesia. Em “Casal 20 – União instável”, da Cia Barnabô, as alegrias e tristezas de um casamento de 20 anos são colocadas em cena.
“Concerto em ri maior”, por sua vez, da Cia dos Palhaços, é uma comédia musical inspirada na origem russa de um dos integrantes da trupe, que, com dificuldades para falar português, torna-se o centro do humor. E “Picadeiro Minas”, do Grupo Trampulim com Fanfarria Ambulante, reúne uma trupe mambembe procurando um lugar para se apresentar.
Todos esses espetáculos estão na 23ª edição do Festival Mundial de Circo, que ocupa diversos espaços da capital mineira, deste sábado (9/8) até o próximo dia 17.
Características do circo contemporâneo
“O circo contemporâneo se destaca por tratar de questões sociais, políticas e existenciais com uma dramaturgia mais elaborada. É diferente do circo tradicional, que é uma sequência de números com apresentador”, afirma Fernanda Vidigal, idealizadora e coordenadora do festival.
“Procuramos incorporar à programação espetáculos muito variados em estética, temática e técnica, com o objetivo de apresentar um pequeno panorama do que está sendo produzido no circo hoje”, diz ela.
Um exemplo disso é “99 cm”, solo da paulistana Iara Gueller, que já passou por Bélgica, França, Espanha e Holanda. No espetáculo, Iara usa movimentos acrobáticos para contar a história de uma pequena artista de circo – o “pequena” aqui não é gratuito: ela mede 1,58 metro – que cria o espetáculo sozinha e divide com o público suas ideias, pesadelos, alegrias e os desafios de ser artista.
Significado do título "99cm"
Batizada com base no cálculo do quanto cresceu desde que nasceu – “Não cheguei nem a um metro”, brinca a artista –, a obra também aborda frustrações e limites. “Noventa e nove centímetros é quase um metro, mas não é um metro. Gosto de trabalhar com essa perspectiva das coisas que quase alcançamos, mas não conseguimos”, ela ressalta.
A personagem que Iara representa é uma espécie de alter ego da artista, mas também representa diferentes configurações femininas. Elas se alternam conforme os números se sucedem. “Tem uma mais frágil, outra mais emotiva. Também tem aquela que é independente e faz tudo sozinha. Tanto é que, em cada número, eu me referia a essa personagem com um nome diferente”, conta.
Participação da Guiné
A companhia franco-guineense Circus Baobab traz ao festival o espetáculo “Yongoyely”, que utiliza a linguagem circense para abordar histórias de mulheres libertas de casamentos forçados e da prática da mutilação genital.
“Nosso objetivo não é dar uma lição de moral, mas questionar o que essa prática ancestral representa em 2025”, afirma Yann Ecauvre, diretor cênico de “Yongoyely”. “Queremos abrir espaço para reflexão, diálogo e escuta. Tivemos encontros marcantes com mulheres, principalmente com ex-exciseuses (mulheres que praticavam a excisão e decidiram abandoná-la). Hoje, elas se organizam em associações e desempenham um papel fundamental na conscientização, convencendo outras mulheres a não submeterem mais meninas à mutilação”, afirma.
A prática da mutilação genital feminina (MGF) é proibida na Guiné desde 1965. No entanto, em muitas comunidades, o peso da tradição ainda fala mais alto do que a lei. Para parte da população guineense, a MGF não é vista como uma violação dos direitos humanos, mas como uma forma de preservar a honra feminina.
“Yongoyely”, segundo Yann Ecauvre, é, antes de tudo, um veículo para transmitir uma mensagem universal sobre igualdade de gênero. Para alcançar o público de forma mais direta, o espetáculo aposta na força do circo, linguagem que, segundo Ecauvre, “permite expressar a potência do corpo como ferramenta de comunicação, sem impor um discurso”.
Neste ano, o Festival Mundial de Circo ampliou o número de espaços que recebem as apresentações para descentralizar o evento, com a intenção de alcançar um público maior e mais diversificado. Outra novidade é o Passaporte Experimenta Circo, iniciativa que oferece à população oficinas gratuitas de circo, ministradas por professores de 12 escolas circenses de Belo Horizonte. São aulas de perna de pau, trapézio, acrobacia e parada de mão. Interessados devem se inscrever gratuitamente no site do festival.
Na Funarte será montada a Cidade do Circo, um espaço para aproximar artistas e público.
PROGRAME-SE
Sábado (9/8):
. “Metro e meio”, de Maku Fanchulini, às 15h, no Parque Marcos Mazzoni, na Cidade Nova. Entrada franca.
. “Yongoyely”, de Circus Baobab, às 20h, no Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia).
Domingo (10/8):
. “Metro e meio”, de Maku Fanchulini, às 15h, no Parque Municipal. Entrada franca.
. “Yongoyely”, de Circus Baobab, às 19h30, no Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia).
23º FESTIVAL MUNDIAL DE CIRCO
Deste sábado (9/8) a 17/8, em diferentes espaços de Belo Horizonte (Galpão Cine Horto, Teatro Marília, Sesc Palladium, Sesc Tupinambás, Funarte, Praça da Liberdade, Parque Municipal, Parque da Cidade Nova e Teatro Sesiminas). Entrada franca ou ingresso a R$ 40, a depender do espetáculo. Programação completa no site do festival.