Filme ' A vida de Chuck', em cartaz em BH, vai do pieguismo ao esplendor
Diretor Mark Flanagan oscila entre acertos e o desperdício de boas ideias na adaptação do conto de Stephen King para as telas. Escritor aprovou
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Siga noEm “A vida de Chuck”, novo longa de Mark Flanagan baseado em conto de Stephen King, a pergunta que todos fazem é: “Quem é Chuck?”. Enquanto o mundo está em colapso, mensagens de agradecimento a essa figura aparecem por todos os lados, em outdoors e na TV, sem que se saiba de quem se trata.
No meio do que parece ser o apocalipse, acompanhamos o professor Marty Anderson, interpretado por Chiwetel Ejiofor, e sua ex-esposa Felicia Gordon, papel de Karen Gillan, num processo de reconciliação em meio ao caos. Já que o mundo vai acabar, melhor ficar bem acompanhado.
Mas que mundo é esse? O mundo da ficção? O mundo segundo Charles Krantz, vulgo Chuck? É certo que se trata de um mundo deliciosamente imaginário que vemos ruindo nesse começo animador.
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Com pouco mais de meia hora de filme, a surpresa: vemos um homem na cama de hospital, aparentemente perto da morte. Logo sabemos ser ele o tal de Chuck (Tom Hiddleston).
O filme parece então fazer uma relação entre as estrelas que desaparecem do céu e as vidas que se vão. Ou a vida que se vai. A vida de Chuck. O mundo de Chuck se apaga gradualmente: a falência dos órgãos, o coração parando de bater, o último bip do aparelho. E temos o fim desse mundo: silêncio e escuridão.
Acontece que o filme começa no terceiro ato. Veremos, então, o segundo e o primeiro ato, nessa ordem. E aí teremos as explicações. Serão bem-vindas? Muitas vezes é nessa etapa que as tramas se enfraquecem.
O segundo ato, contudo, traz mais coisas inesperadas, mostrando que o filme continuaria firme na trilha do imprevisível. Conhecemos Chuck ainda saudável, “sem saber que terá apenas nove meses de vida”, segundo a insistente narração. Uma bela e breve atuação de Tom Hiddleston.
Chuck é o agente do mercado financeiro que num belo dia começa a dançar no meio do cruzamento, na batida de uma baterista de rua. A moça que acaba de levar o fora do namorado o acompanha.
A cidade é claramente cenográfica. A cena toda parece recriar o musical que Marty via na TV no terceiro ato do filme. Nas ruas não há sujeira. Tudo é artifício e magia, como num filme da MGM dos anos 1950. Só faltou o leão.
Whitman e Dylan
Após esse segundo ato de fábrica dos sonhos, surge o primeiro ato, intitulado a partir do famoso verso do poema “Song of myself”, de Walt Whitman. O verso é “I contain multitudes”, também o nome de uma canção de Bob Dylan.
Melhor não falar desse primeiro ato sob o risco de desvendar muito do filme para o leitor. Basta dizer que nele reencontramos Mia Sara, atriz que interpretou a namorada de Matthew Broderick no sucesso juvenil de John Hughes, “Curtindo a vida adoidado”, de 1986. E que esse reencontro é o melhor que o ato nos oferece.
Aliás, é possível entender que o filme não se beneficia da ordem cronológica inversa, que é a mesma do conto original. A mensagem pode ficar mais forte no final, com o desfecho do ato um, e o desfecho do ato três poderia induzir os espectadores à depressão se encerrasse o filme.
O maior problema é que a mensagem do ato um tem algo de piegas, com as ligações que a trama explica e a explicação para o quarto misterioso. O final do ato três é mais forte, e poderia ser atenuado por tudo que viria antes. Do jeito que ficou, é quase uma mentira, como se dissesse que há um sentido para tudo de ruim que tem acontecido no mundo. Chega a ser acrítico.
Horror
Flanagan ganhou notoriedade com longas e séries que orbitam de algum modo o horror. As convenções do gênero, por vezes, são dribladas com algum talento, criando um filme que tem tudo de horror, mas não é horror, nem pós-horror, ou coisa que o valha. Ou é horror, mas de um jeito estranho, enviesado. Como “O sono da morte”, seu melhor filme.
Em “A vida de Chuck”, chega a momentos de esplendor, joias em perfeita adequação com o que era arquitetado até então. Mas ele desperdiça as boas ideias na segunda metade mais problemática, por insegurança ou medo de afastar o público.
Bem... o escritor Stephen King adorou. Talvez porque este filme, que não é desprezível, tenha problemas bem semelhantes aos de seu conto. (Sérgio Alpendre/Folhapress)
“A VIDA DE CHUCK”
EUA, 2024, 111 min. Filme de Mike Flanagan. Com Chiwetel Ejiofor, Tom Hiddleston e Jacob Tremblay. Em cartaz em salas das redes Cinemark, Cineart e Cinesercla, além do Cine UNA Belas Artes.