A fotógrafa cujas lentes nos ensinam a ver o mundo
Exposição ‘Claudia Andujar e seu universo’, em cartaz no Museu do Amanhã, no Rio, é merecido tributo a uma artista que é referência de vida e inspiração
compartilhe
Siga no
Rio de Janeiro - Homenagear é, antes de tudo, um gesto: ato de gratidão, reconhecimento e abertura de espaço. Para colocar em evidência a trajetória de Claudia Andujar, sua filosofia, seu propósito de vida, seu percurso de luta pela justiça, pela vida e, sobretudo, pela causa Yanomami, Paulo Herkenhoff, Fabio Scarano e o Museu do Amanhã organizaram a exposição “Claudia Andujar e seu universo”, em cartaz até 4 de novembro.
Leia Mais
A fotografia de Claudia Andujar é lente que amplia, que nos ensina a ler o mundo. Uma artista que é referência de vida e inspiração. A curadoria é floresta. Abre alamedas reflexivas que convidam a levantar os olhos, a olhar para os lados, a andar se perdendo e se encontrando nas trilhas da exposição.
Cada escolha nasce da biografia de Claudia e dos problemas e temas que atravessam sua obra. É um convite, uma convocatória, uma anunciação. Abertura de possibilidades para expandir a potência de sua obra em diálogo com a diversidade de artistas convidados.
Participam: Claudia Andujar, Desenhos Yanomami (projeto com Carlo Zacquini), Lew Parrella, Carlo Zacquini, Olney Krüse, Martijn van Nieuwenhuyzen, Johann Feindt, Robert M. Davies, Fiona Watson, Victor Moriyama, Jan Fjeld, João Farkas, Walter Firmo, Hélio Melo, Guilherme Vaz, Cildo Meireles, Chico da Silva, Paulo Sampaio, Denilson Baniwa, Thiago Martins de Melo.
E ainda: Maspã Huni Kuin, Xadalu Tupã Jekupé, Sebastião Salgado, Flávio de Carvalho, Kaio Lakaio, Miguel Rio Branco, Mario Cravo Neto, Mário de Andrade, Bené Fonteles, Paula Sampaio, Maureen Bisilliat, Siron Franco, Jair Gabriel, Hal Wildson, João Trevisan, Armando Queiroz, Edu Simões.
Também fazem parte da mostra: Christus Nóbrega, Tirry Pataxó, Jorge Bodanzky, Albert Frisch, Milton Guran, Alexandre Rodrigues Ferreira, Paulo Lobo, George Love, Maria Sibylla Merian, Margaret Mee, Valdir Cruz, Frans Krajcberg, Ricardo Ribenboim, Solon Ribeiro, Siri, Seba Calfuqueo, Guy Veloso, José Patrício, Maria Martins, Xauãna Pataxó, Agostinho Ika Muru, Alexandre Quinet.
Aqui tudo é terra indígena. A exposição é território demarcado, desde a obra de Xadalu Tupã Jekupé, que acolhe a artista radicada Yanomami. Sua obra é floresta, é proposta de convivência com todas as vidas e seus mistérios, nas matas e também nas não cidades como São Paulo. A narrativa expográfica arboriza conexões entre espiritualidades, místicas e saberes não hegemônicos, propondo diálogos com ciências silenciadas pela modernidade. Desse entrecruzamento surgem questões para os dilemas contemporâneos, iluminando caminhos de sustentabilidade e práticas reintegrativas.
Lutas pela dignidade
A exposição enraíza percursos críticos do presente, tensionando as relações entre passado e agora: racismos e anti-racismos, colonizações e retomadas. Mostra como as lutas pela dignidade humana e florestal, para as matas, os bichos e as pessoas, são forças vitais de cuidado com a Terra. Assim, a curadoria tece vínculos entre diferentes centros de consciência, acionando o perspectivismo ameríndio.
Esses centros, delineados pela pesquisa curatorial, nos guiam pelas imagens de Andujar. Sua fotografia é oferenda. Autorretratos sombra que se aprofundam nas espiritualidades Yanomami e nas memórias de lutas pela saúde e pela terra. Também atravessa corpos urbanos: pessoas nas ruas, grandes e pequenas cidades, suas formas de caminhar, se apresentar, performar. Sobretudo, de serem vistas e elevadas, entre arranha-céus e desigualdades.
A mostra integra a programação do Museu do Amanhã voltada à COP20, no ciclo Esquenta COP. Trata-se de um projeto curatorial amplo que articula ações de musealização, da documentação às práticas educativas, em diálogo com a Escola de Ciência e o programa Inspira Ciência. Essa programação ativa promove debates preparatórios para um evento crucial que acontecerá no Brasil.
A exposição nos convoca a refletir sobre os problemas contemporâneos, em especial os efeitos da crise climática. Questiona a rigidez hermética da ciência moderna, que historicamente ignorou as epistemologias indígenas tão bem registradas por Andujar. Assim, convida a repensar a própria ideia de ciência, integrando saberes e promovendo justiça epistêmica.
* Doutora em História da Arte pela Paris 1 Panthéon-Sorbonne e professora de Teoria, Crítica e História da Arte da Escola de Belas Artes da UFMG. Viajou ao Rio de Janeiro a convite do Museu do Amanhã.