Às vésperas dos 10 anos da tragédia do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a editora Nemo lança “Doce amargo”, relato em quadrinhos sobre o maior desastre ambiental do Brasil. A HQ é escrita por João Marcos Mendonça, mestre em Artes Visuais pela UFMG e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vale do Rio Doce (Univale).
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Desde 5 de novembro de 2015, palavras como “lama”, “rejeitos” e “contaminação” passaram a fazer parte da rotina de João Marcos e de sua família, que vivem em Governador Valadares. Com cerca de 280 mil habitantes na época, a cidade foi o primeiro grande município a ser atingido pela lama que vinha do Rio Doce. A água, antes cristalina, assumiu uma cor alaranjada, “com brilho forte e quase fluorescente”, como descreve o autor.
Com o desenrolar dos acontecimentos, João Marcos percebeu que estava vivendo um momento de magnitude histórica. Começou, então, a registrar a experiência em forma de quadrinhos, como um diário. Durante um ano, anotou mudanças na rotina da família após a chegada dos rejeitos, quatro dias após o rompimento.
Detalhes ignorados
“Era como estar dentro de um filme de catástrofe norte-americano. Pensei que daria um livro, porque eram acontecimentos muito impactantes”, lembra. Além das anotações, o professor guardava links de reportagens sobre o assunto e exemplares de jornais impressos. “Parece pouco tempo, mas aconteceu muita coisa. Foi mais difícil selecionar as informações que ficariam do que escrever”, conta.
“Doce amargo” oferece um olhar sobre o cotidiano de uma família afetada pela tragédia. “Quis mostrar situações ordinárias que a imprensa não consegue aprofundar, detalhes que não saíram em notícias ou em outros livros”, diz o autor.
O racionamento e até a falta de água, que naquela altura estava completamente contaminada, mudaram completamente a rotina da família. Faculdades e escolas suspenderam as aulas. Vieram os medos, as incertezas, as idas ao Centro da cidade para tentar abastecer o estoque de água, além de um Natal e um Ano Novo atípicos.
O título do livro surgiu a partir de uma fala da filha do autor, Ana, que na época tinha 6 anos. Durante uma visita ao rio para verificar a situação local, Ana comentou com o pai: “Agora não vai chamar Doce mais. Essa água deve estar amarga”. João, que já havia começado a fazer os primeiros registros do livro, guardou cuidadosamente a frase. A cena inspirou também um dos capítulos da obra.
As cores da HQ são assinadas pela colorista Mariane Gusmão. “Ela conseguiu transformar a cor em um personagem. A forma como pontuou essas nuances emocionais é fantástica. O trabalho dela foi fundamental para contar essa história”, afirma Mendonça.
O autor espera que por meio do livro, as novas gerações – que eram muito jovens ou nem haviam nascido em 2015 – possam compreender melhor o que aconteceu. “Essa tragédia ainda está muito viva, os desdobramentos continuam. Há promessas que não foram cumpridas. Essa história ainda não acabou”, diz.
O livro terá lançamento em Belo Horizonte no Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI BH), em 25 de outubro.
“DOCE AMARGO”
• Livro de João Marcos Mendonça
• Nemo
• 184 páginas
• R$ 99,80