Desde 2019, Lô Borges lançou um álbum por ano, com parceiros diferentes
Discos de inéditas trouxeram inéditas compostas com Nelson Angelo, Makely Ka, Patrícia Maês, Márcio Borges, Zeca Baleiro e a fã Manuela Costa
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Em sua última entrevista ao Estado de Minas, em agosto, Lô Borges iniciou a conversa explicando a produção contínua e incessante. “As pessoas me veem lançando tanto disco e podem achar que não faço outra coisa a não ser tocar. Fico seis meses longe dos meus instrumentos, meu teclado aqui está cheio de livros em cima. Hoje, só toco nos shows”, contou.
A explicação fazia sentido, porque, a partir de 2019, Lô lançou, religiosamente, um disco de inéditas com um parceiro diferente por ano. Produção impressionante, ainda mais para um artista na maturidade, quando a tendência natural é colocar o pé no freio.
“A estrada”, com Márcio
Prolífico até o final, Lô Borges deixa alguns discos para serem lançados. Um deles já estava pronto naquela derradeira conversa. O título, ele contou, é “A estrada”, só com letras de Márcio Borges. “É meu parceiro mais importante. Dois terços da minha obra são com ele, foi o Márcio quem me incentivou quando eu era criança”, disse. Os planos eram lançar “A estrada” em 2026, quando Márcio vai completar 80 anos.
Lô compunha muito e muito rapidamente. Seu último álbum lançado é “Céu de giz”. Veio a público em agosto pela Deck, marcando a parceria com Zeca Baleiro, que cantou em cinco das 10 faixas. Os dois tinham shows marcados em novembro no Sesc Guarulhos, em São Paulo, e em Olinda, Pernambuco.
“Esse com o Zeca foi louco demais”, contou Lô. Tudo feito em dois finais de semana de setembro de 2024. “Foram seis dias, sexta, sábado e domingo, em que eu não tinha show. Fiz as 10 de uma vez, e depois guardei meu violão.”
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Lô não via Zeca há duas décadas. “Quando fiz a primeira música (‘Céu de giz’) logo ele me veio na cabeça”, revelou.
Para este trabalho, os dois se encontraram duas vezes – numa delas, tiraram fotos no Parque Municipal, cenário da infância de Lô e da juventude de Zeca, que viveu em BH entre o final dos anos 1980 e início dos 1990.
A intensa produção final do compositor começou em 2019, quando ele lançou “Rio da Lua” com letras de Nelson Angelo. Um dos músicos que participou do álbum coletivo “Clube da esquina” e também de “Lô Borges” (o “Disco do Tênis”), Angelo e Lô não eram parceiros até então.
A produção foi diferente. “Fiz a melodia em cima das letras. Antes, criava a melodia e depois alguém fazia a letra. Suas colaborações para meu trabalho foram geniais, assim como suas ideias”, disse ao EM em 2019 sobre o trabalho com Nelson Angelo.
No ano seguinte, outra estreia. Dessa vez o parceiro foi Makely Ka, autor das letras de “Dínamo”. Os dois se encontraram na estreia da turnê de “Rio da Lua” e, já no teatro, Makely escreveu a primeira letra de “Dínamo” – a canção título teve a participação de Samuel Rosa.
Chegou o ano de 2021 e Lô, mais uma vez, não decepcionou. O disco daquele ano é “Muito além do fim”, produzido durante a pandemia. O parceiro deste trabalho é o irmão Márcio Borges, com quem ele não compunha havia uma década.
Em 2022, quando celebrou os 70 anos de vida e 50 de carreira, Lô lançou “Chama viva”, com letras de Patrícia Maês. A produção seguiu em 2023 com o disco “Não me espere na estação” – César Maurício, que nos anos 1990 e 2000 integrou as bandas Virna Lisi e Radar Tantã, foi o parceiro na empreitada.
Nessa altura, Lô estava trabalhando, em disco e show, com a mesma banda havia alguns anos: Henrique Matheus (guitarra, produtor musical de vários dos discos mais recentes), Thiago Corrêa (contrabaixo, teclado e percussão) e Robinson Matos (bateria).
Tinha consciência de que seu público queria ouvir os clássicos. A cada novo disco, um novo show, com algumas músicas inéditas – mas sempre com a dose certa, para não decepcionar ninguém.
Fã, pediatra e parceira
O disco de 2024 apresentou a parceria mais inusitada de sua carreira – e também mostrou quão generoso, fora da curva e diverso ele foi. “Tobogã” traz 12 inéditas, com letras criadas por uma fã do Clube da Esquina. Pediatra em Brasília, médica do Sistema Único de Saúde, Manuela Costa, de 41 anos, mãe de dois meninos pequenos, se tornou parceira de Lô virtualmente – os dois se encontraram não mais do que meia dúzia de vezes.
A primeira vez que se viram foi em 2005, quando Manuela, então com 21 anos, veio passar férias em BH. Tinha acabado de ler “Os sonhos não envelhecem” (1996), de Márcio Borges. Resolveu fazer o circuito Clube da Esquina, conhecendo os lugares-chave por onde passaram Lô, Milton, Beto, Toninho e tantos outros. Quando chegou a Santa Tereza, se encheu de coragem a tocou a campainha na casa dos Borges.
Quem a recebeu foi Salomão Borges, o pai de Lô. Ao ver o piano em que o ídolo compôs “Para Lennon e McCartney”, Manuela começou a chorar. Seu Salomão a convidou para entrar, a presenteou com seu livro de memórias, “Tobogã” (1987). Na saída, Manuela encontrou Lô, que tinha ido visitar os pais. Ela garantiu, desse primeiro encontro, uma foto e o autógrafo no livro de memórias de Márcio.
Ao longo dos anos, Lô e Manuela trocaram vários e-mails. Em dado momento, ela passou a lhe enviar os poemas que escrevia. Até que um dia Lô lhe fez a proposta para escrever as letras para um álbum, coisa que ela nunca tinha feito.
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“Este disco é diferente dos cinco anteriores, porque ele tem uma pegada meio Beatles. São dois beatlemaníacos de gerações diferentes se encontrando virtualmente para fazer música”, afirmou Lô quando lançou “Tobogã”.
Manuela nunca se esqueceu do livro de seu Salomão. O verso “O tempo é uma abstração da mente”, da canção-título, em que Lô dividiu os vocais com Fernanda Takai, foi tirado do livro do patriarca dos Borges.