Comumente apontado como o mais autoral e experimental dos cineastas mineiros, Fábio Carvalho volta à baila com uma nova obra, intitulada “O anti-filme”, que será lançada nesta segunda-feira (3/11), em uma sessão para convidados no Centro Cultural Unimed-BH Minas. A exibição acontece pelo projeto “Première Minas: espaço para o cinema de autor”, em uma promoção da Ufa Cinema, Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais e Instituto Humberto Mauro.
O novo trabalho de Carvalho é uma compilação, feita com material gravado em várias ocasiões e lugares, com pessoas do círculo de relações do diretor, e montado como “um extravagante ideograma cinematográfico”. Ele diz que a obra reúne material não ensaiado, filmado espontaneamente, colhido com outras finalidades ou sem finalidade alguma, ao acaso, mas também traz cenas capturadas recentemente, tendo “O anti-filme” em mente.
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O diretor reflete que o ponto de convergência dessas imagens, o que dá unidade a esse material, é ele próprio. “A ideia parte do fato de eu ser um cara atormentado por imagens, por filmar”, diz, destacando que as cenas foram praticamente todas capturadas com celular. Ele destaca que, eventualmente, em encontros com amigos e conhecidos, sente o impulso de filmar e o faz, até acumular um vasto material, que se soma às sobras que mantém em arquivo.
AUSÊNCIA DE NARRATIVA
“Depois que faço as imagens, fico mais atormentado ainda por elas, o que me faz transformar aquilo em alguma coisa, no caso, um filme”, diz. Carvalho conta que o nome da obra veio da fala de um amigo, morto no ano passado, que certa vez lhe disse que ele não fazia filmes, fazia cinema. “Faço o que acho que ninguém faz, radicalizando a experiência do filme sem uma narrativa óbvia, de começo, meio e fim. Sempre trabalhei dessa forma, preferindo mostrar do que contar uma história”, salienta.
Ele acredita que, ao juntar imagens que não têm nada a ver uma com a outra, abrem-se novas janelas de significado. O diretor observa que, mesmo na finalização, não houve qualquer tratamento de cor ou de luz para se alcançar uma homogeneidade. “Quis deixar as diferenças bem claras, procurando oferecer uma viagem imagética mais solta, mais livre. É um filme para ser visto e ouvido, talvez até entendido, embora eu não tenha buscado isso”, ressalta.
Carvalho acredita que as imagens agrupadas em “O anti-filme” podem conter alguma revelação que uma eventual história, um enredo, manteria oculta. “Você passa numa esquina com frequência e não vê nada, mas um dia você senta e se detém a observar aquela esquina e, quando faz isso, assimila o que nunca tinha assimilado, as coisas se revelam”, diz. Ele destaca que boa parte dos personagens e situações que registrou foram em bares. “Um escritor já falou que ninguém faz amigos na padaria”, justifica.
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FICÇÃO E DOCUMENTÁRIO
Instado a dizer se “O anti-filme” é ficção ou documentário, o cineasta titubeia, diz que pode ser as duas coisas – ou nenhuma delas. Ele observa que, propositalmente, não é uma obra cujo gênero possa ser estabelecido claramente. “O documentário quase sempre é uma ficção. Godard dizia que a ficção é um documentário do imaginário do autor, e penso que o contrário também vale: o documentário é a ficção do imaginário do autor”, diz.
Ele recorre à ideia do extracampo no cinema como exemplo. “Ao posicionar uma câmera, o diretor está tirando mais do que colocando. Se ele enquadra um cara cortando uma árvore, está deixando de fora aquelas pessoas que estão passando ali ao lado, parando, observando. O autor vai registrar e montar sempre orientado por seu pensamento, ou seja, é sempre uma versão, está sempre condicionado ao ponto de vista de quem está filmando ou resgatando fatos históricos”, ressalta.
“O anti-filme” trabalha muito essa questão, de acordo com Carvalho: até que ponto acreditar ou duvidar daquilo que se está vendo? Ele destaca, de qualquer forma, que o ser humano é a matéria-prima de seu cinema. “Quando filmo é porque alguma coisa numa determinada pessoa me chamou a atenção. Acredito que toda a minha obra sempre foi muito em cima da imagem humana, das pessoas, muito no sentido de tentar estudar como o ator e o não ator se movimentam em uma situação cotidiana”, diz.
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CANAIS DE EXIBIÇÃO
A sessão de lançamento de “O anti-filme” hoje é apenas para convidados, e Fábio Carvalho diz não saber ainda exatamente como e quando a obra pode chegar a um público mais amplo. Ele destaca que seus últimos trabalhos não tiveram distribuição comercial, e que os espaços de exibição costumam ser os festivais e emissoras de TV, como o Canal Brasil. “É uma questão minha, não trabalhei nessa coisa. Agora tenho que entrar nesse mundo novo dos editais, porque, para conseguir fazer com que entre no circuito, não tem como fugir dele. Minhas produções sempre foram independentes, sempre com aportes financeiros mínimos, nunca tive condição de lançar um filme assim, no circuito. Tem uma culpa minha, de não ter me aprofundado nessa parte do mercado”, admite.
