As belo-horizontinas Débora Cançado, escritora, e Fernanda Almeida, que trabalha no mercado financeiro, são amigas de longa data. Em 2023, durante uma noite do projeto musical Tranquilo, encerrado em julho deste ano, tiveram a ideia de criar evento no qual as pessoas se reunissem para escutar um disco e conversar sobre ele. O primeiro encontro ocorreu no dia seguinte, com amigos, na casa do irmão de Débora.
Dois anos depois, o Quartinho, clube do disco criado pela dupla, já realizou 22 edições mensais. “O rolê foi crescendo de uma forma muito orgânica. A primeira só com amigos, depois fizemos uma edição com três pessoas. Aí crescemos até chegar a eventos com 70 participantes”, conta Fernanda.
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As sessões, com entrada franca, são realizadas na última quarta-feira do mês em bares de Belo Horizonte que contem com estrutura de som e tenham alguma relação com música.
Lô Borges
A edição mais recente, a última deste ano, ocorreu excepcionalmente na terceira quarta de novembro, dia 19, com audição do disco “A Via-Láctea”, de Lô Borges, no Cannibal’s Bar.
Débora afirma que o projeto responde à demanda pós-pandemia. Naquele período, muitas pessoas perderam o sentido de coletividade presente na experiência musical. A escuta de álbuns inteiros, segundo ela, foi abandonada em favor de playlists e canções isoladas.
“Tudo muda quando você escuta com outras pessoas. No fone, é uma experiência. Em grupo, é outra totalmente diferente”, observa.
A escolha dos discos é feita pela dupla, que se reveza mensalmente. Ambas têm forte relação pessoal com a música. Fernanda, por exemplo, escuta um álbum novo por dia, desde 2020.
“Sou nerd, gosto de conversar sobre música, então estou sempre em fóruns e blogs. Quanto mais música você escuta, mais música você encontra”, diz.
Cannibal's Bar ficou cheio, em 19 de novembro, durante audição de 'A Via-Láctea', disco de Lô Borges, promovida pelo Quartinho
Com referências distintas, o repertório do Quartinho varia em gênero e época. A única regra é ser um disco brasileiro.
Certa noite, o grupo ouviu “Pique” (2024), de Dora Morelenbaum, lançado poucas semanas antes. Em outra, o foco foi o clássico “Gal Costa”, de 1969.
Os formatos da escuta também mudam: vale vinil, CD, streaming ou pen-drive.
A dinâmica do Quartinho é bem estabelecida. Cerca de uma hora depois do horário marcado, a audição começa, com intervalo no meio e letras disponíveis para o público acompanhar. Ao final, ocorre o debate.
Antes da conversa, as organizadoras apresentam o disco, projetam a foto da capa, falam sobre os artistas envolvidos e contextualizam aquela produção. Depois, abrem o diálogo com perguntas simples como: “Qual música você mais gostou?” e “Qual faixa você tiraria do disco?”.
Para Débora e Fernanda, é importante começar com algo que não exija conhecimento técnico. Ambas reforçam que o clube não é ambiente de “superioridade musical”, mas espaço seguro para todos poderem elogiar, criticar e trocar impressões livremente.
Rolê da comunidade
Com o tempo, o Quartinho se consolidou como “rolê de comunidade”, define Débora Cançado. As amizades surgem naturalmente entre o público, há relação de afeto entre as organizadoras e os participantes, que tentam sempre acolher as sugestões que recebem.
“Por ser um rolê muito guiado pela ideia de comunidade, as pessoas compraram nossa proposta muito rápido. Tudo é focado na experiência. Já teve até casal que começou a namorar após se conhecer no Quartinho”, revela Débora.
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria
