Por muito tempo, reinou a ideia de que lojas e restaurantes com propostas ou localização parecidas eram concorrentes e deveriam, portanto, travar “batalhas” diárias. Hoje, não é possível dizer que esse pensamento foi completamente esquecido – nem perto disso, mas o que se observa na cena gastronômica belo-horizontina é um movimento de jovens chefs que querem inverter essa máxima.
Daniel Tassi, do Bar Padrin; Caio Oliveira e Karu Uemura, do Yokai Izakaya; Bruna Rezende, do A Porca Voadora; Pedro Stussi e Carolina Elias, da Casa Riuga; e Victor Naddeo, que esteve à frente da cozinha do Fugu Izakaya e, em breve, irá abrir uma nova casa, se uniram de forma natural, justamente por acreditarem que a parceria era imprescindível na gastronomia.
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Passado em comum
Grande parte dos chefs do grupo, que foi nomeado “Facção Carinhosa”, graças à canção de mesmo nome do rapper e cantor Baco Exu do Blues, passou por grandes cozinhas, seja da capital mineira, do Brasil ou do mundo. A experiência no mercado tradicional, com passagens por casas estilo fine dining, moldou a personalidade de cada um deles.
Por isso, agora, com suas próprias casas e projetos, eles implementam o oposto daquilo que os incomodava, e contam, sempre, com o apoio uns dos outros.
Novos ares
Daniel Tassi, Bruna Rezende e Victor Naddeo: troca de experiências e muita interação entre os jovens cozinheiros
O passado em restaurantes de alta-gastronomia e de menus degustação afloraram, em Daniel Tassi, o desejo de abrir um bar, um espaço descontraído, onde a cerveja encontraria petiscos e tapas de qualidade e com muita técnica. Ele se juntou então ao seu primo, Thiago Tassi, que queria empreender, e abriram o Bar Padrin, localizado no Carmo, Região Centro-Sul de BH, no início de 2024.
A primeira integrante do grupo que viria a ser criado por Daniel foi Bruna Rezende. Ela já tinha aberto seu bar, A Porca Voadora (no Bairro Serra, também na Região Centro-Sul), e eles já tinham tido interações sutis nas redes sociais, por serem da mesma área. Com o tempo, ele passou a frequentar o bar dela e eles criaram uma amizade.
Outra peça importante dessa relação, que também integra o grupo, é o Caio Oliveira, sócio do Yokai Izakaya. Ele já conhecia Bruna há alguns anos, por terem trabalhado juntos na Cozinha Tupis. Lá, aliás, ele teve algum contato com Daniel, que atuou como freelancer por alguns dias na casa.
Retorno
Nasu Wonton, prato que surgiu em um evento com o Fugu Izakaya e entrou no cardápio fixo do Yokai
Caio foi para São Paulo, onde trabalhou no Tan Tan, conhecido como um dos melhores bares da cidade, com foco na culinária asiática. Lá, trabalhou com Karu Uemura, que, de colega de trabalho, se tornou sócia. Os dois vieram para Belo Horizonte em 2023 com o propósito de abrir um izakaya (bar japonês).
Quem os acolheu de cara foi, justamente Bruna, que já havia trabalhado com Caio. “Antes de conseguirmos finalizar a reforma do nosso espaço, fizemos dois eventos na Porca Voadora com a Bruna. Isso, inclusive, ajudou a levantar fundos para a nossa inauguração”, explica o chef.
O Yokai e o Bar Padrin nasceram praticamente no mesmo período, então isso fez também com que Caio se aproximasse de Daniel. Ambos estavam na mesma situação: saíram de restaurantes para abrirem suas próprias cozinhas e tinham que lidar com questões de obra, fornecedores, funcionários, etc. “Nós começamos a conversar porque eu sabia que o Caio estava com um projeto para abrir um bar e vice-versa. Nesse início, a gente conversava muito sobre as dificuldades desse processo, inclusive”, conta Daniel Tassi.
Da pesquisa veio a amizade
Ebi no Tarutaru: tartar de camarão rosa, emulsão de ostras e furikake de aviú, parceria do Fugu com Yokai
Caio e Karu, antes de abrirem o Yokai, fizeram uma pequena pesquisa do mercado de bares asiáticos na capital e, assim, chegaram ao Fugu Izakaya, que fica no Funcionários, Região Centro-Sul da capital mineira. Lá, encontraram Victor Naddeo, então chef do estabelecimento.
O que poderia soar como uma “ameaça” para ele, que teria de receber um bar no mesmo segmento do que atuava, foi, na realidade, algo positivo.“Nosso meio tende a ser muito predatório, um enxerga o outro como inimigo ou concorrente, mas logo de cara falei com eles que quanto mais bares assim, melhor”, explica Victor.
Otoshi: Tamagoyaki com alga Nori, Potato sarada com ovas de capelim e Tsukemono de rabanete com Alga Hijiki, parceria do Fugu com Yokai
Por acreditar tanto nisso, Victor não mediu esforços para ajudar os novos colegas, recém-chegados de São Paulo. “Trocávamos muito sobre fornecedores, ingredientes, e, assim nos aproximamos”, destaca Caio.
Victor, que deixou o Fugu recentemente, já conta com o apoio dos amigos para seu novo projeto, que deve ser inaugurado ainda neste ano, e seguirá também uma proposta de pratos asiáticos. “Ter meu próprio restaurante com eles por perto é muito mais fácil, é uma torcida, um apoio moral e logístico”, diz.
Recepção calorosa
Os últimos integrantes que chegaram à “facção” (que ainda não havia sido nomeada ou propriamente selada com a criação de um grupo no WhatsApp) foram Carolina Elias e Pedro Stussi, ambos à frente da Casa Riuga, na Região da Savassi. Ele é paulista e ela mineira de BH. Se conheceram em São Paulo, dentro da cozinha do restaurante Cais, onde Carolina se aventurou depois de mudar o rumo da sua vida, indo cursar gastronomia após se formar em administração e contabilidade.
Pedro, por outro lado, trabalha na cozinha desde os 18 anos de idade, com passagens por casas estreladas como o Restaurant 108, em Copenhague, na Dinamarca, e o Faviken, na Suécia.
Quando se encontraram, não demorou muito para que Pedro e Carolina entendessem que funcionam bem como uma dupla, na cozinha e na vida. Chegaram a trabalhar juntos por mais tempo em São Paulo mas, em 2023, resolveram vir para Belo Horizonte empreender. Começaram com um delivery, que ocupava uma cozinha a poucos metros de distância do Bar Padrin.
Como é de se imaginar, um dia os chefs apareceram no bar de Daniel, começaram a conversar e disseram que pretendiam abrir um restaurante de fato. “Nós (eu e Daniel) já nos conhecíamos do Instagram, mas não conversávamos. Fomos até o Padrin e começamos a trocar ideia sobre empreender na cidade, falamos (eu e Carolina) que queríamos abrir um restaurante e o Daniel nos deu muitas dicas”, explica Pedro.
Além de conselhos e auxílio em relação a pontos disponíveis na cidade e fornecedores, Daniel também já indicou para eles lugares e pessoas que gostava na cidade. “Um dia fomos até o Padrin e ele já nos levou para Yokai, onde o Victor Naddeo estava também”, destaca o chef da Casa Riuga.
Causas parecidas
Nikudango, prato da parceria entre Bar Padrin e Yokai
E assim, por meio de algumas coincidências, atitudes e até ações do destino, nasceu a “Facção Carinhosa”. O elo que uniu cada ponto dessa teia, Daniel Tassi, conta que, apesar de cada casa ter uma proposta diferente, todos têm semelhanças marcantes. “Somos proprietários atuantes, cada um de nós trabalha necessariamente na cozinha ou no salão, e está presente no dia a dia da casa, isso também é raro de ser ver”.
Victor Naddeo também destaca o saldo positivo que o passado de cada um dos chefs trouxe para o presente. “Todos são pessoas que saíram de baixo, de dentro das cozinhas, então nós temos muita noção da profissão, das dificuldades”, destaca ele, que reforça a importância de reafirmar que a cozinha não precisa – e nem deve – ser um espaço de opressão ou hierarquia como já foi.
Encontros
Espeto de língua, hummus e demi-glace, do Padrin e Yokai
Algo que já virou tradição no grupo são os “intercâmbios” entre bares e restaurantes. Desde o início dessa história, eles acontecem. Bruna Rezende, da Porca Voadora, recebeu o Yokai antes mesmo deles abrirem. O Fugu Izakaya também já recebeu o Yokai e o Bar Padrin para uma experiência diferente: um omakase (degustação de pratos asiáticos preparados pelos chefs frente à frente com os clientes, que ficam no balcão).
O Padrin, por sua vez, já foi recebido e recebeu o pessoal da Porca Voadora, do Yokai, além do Fugu Izakaya. “A ideia é fazermos idas e vindas entre os restaurantes. Esses eventos são muito bons, movimentam a cena da gastronomia também”, destaca Daniel.
Bruna Rezende, do A Porca Voadora, destaca ainda o ambiente agradável que une chefs e cozinheiros além da cozinha. “Normalmente esses eventos onde duas cozinhas de encontram são realizados nas segundas-feiras, dia de folga de muita gente que trabalha no setor de bares, e isso faz com que muita gente do meio possa também aproveitar para sentar, beber uma cerveja, etc”.
As trocas ultrapassam o sabor, e também chegam nos clientes e funcionários das casas que participam de cada encontro. “Isso é um jeito de chamar clientes de uma casa para conhecer a outra, e também proporciona trocas que vão além dos chefs, entre os próprios cozinheiros e garçons de cada lugar”, destaca Daniel.
Normalmente, nesses eventos que reúnem duas casas, cada uma fica responsável pela criação e preparo de três petiscos e o cardápio fixo não funciona. Algumas vezes, drinques novos também são desenvolvidos exclusivamente para o dia.
Como funcionam também como um teste de pratos, esses eventos acabam lançando itens no cardápio dos restaurantes. No Yokai, por exemplo, é possível encontrar o Nasu Wonton, dumpling (espécie de pastel asiático) frito e recheado com berinjela defumada, missô (pasta de soja fermentada), purê de couve flor, tofu e vinagrete (R$ 35); e o Okonomiyaki, panqueca japonesa com mexilhão, bacon, repolho, beni shoga (conserva de gengibre), molho de pimentão, maionese e farofa de camarão seco (R$ 45). Ambos preparos foram lançados em um evento com o Fugu Izakaya.
A parceria com os membros da “facção” foi tão importante para o Yokai que, no aniversário de um ano da casa, celebrado no início deste ano, cada um dos cinco restaurantes preparou um prato especial para ser servido no dia.
Descontração
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Além dos encontros e conversas online, o grupo se encontra religiosamente em todas as semanas. Os encontros acontecem na Casa Riuga, e servem para cada um falar sobre a vida, os empreendimentos e, claro, beber cerveja. “A gente fala que esses encontros são uma descompressão, falamos dos problemas,e das coisas boas”, diz Daniel, que destaca ainda que nunca esteve antes em um grupo tão unido de chefs, onde todos dialogassem por meio de propósitos.
Serviço
Bar Padrin
De quarta a sexta, das 18h à 00h
Sábado, das 15h à 00h
Yokai Izakaya
De Terça a quinta, das 18h às 22h30
Sexta e sábado, das 18h às 23h
A Porca Voadora
(31) 98380-5775
Quarta e quinta, das 18h às 23h30
Sexta e sábado, das 12h às 23h30
Domingo, das 12h às 18h
Casa Riuga
Rua Cláudio Manoel, 1124, Savassi
De terça a sexta, das 19h às 23h
Sábado, das 12h às 16h e das 19h às 23h
Fugu Izakaya
Rua Fernandes Tourinho, 292, Funcionários
Quarta e quinta, das 18h às 22h30
Sexta, das 12h às 14h30 e das 18h às 22h30
Sábado, das 12h às 22h30