Combate à violência contra a mulher
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O Anuário da Segurança Pública de 2025 demonstra que, em 2024, houve um aumento considerável de crimes contra a mulher. Foram 1.492 feminicídios em 2024 e 3.870 tentativas de feminicídio, o que representa um aumento de 19%. Em Minas sente-se que houve efetivamente um aumento ou as vítimas estão mais encorajadas a denunciarem e, por isso, se deu uma elevação no índice?
Em Minas, pode-se dizer que tanto houve aumento na violência contra a mulher, quanto foi maior a procura pelos canais de denúncia e ajuda. Apesar da queda no percentual de 12,7% quanto aos crimes de feminicídios consumados, em relação aos feminicídios tentados se registrou aumento de 47,9%. Conjugando-se os dados, o número absoluto ainda é alto e reforça a necessidade de políticas públicas de prevenção e responsabilização. Da análise, temos que o alto número absoluto reflete, em parte, o tamanho da população do estado; a posição intermediária na taxa proporcional mostra que há estados com maior risco relativo de feminicídio; a queda nos feminicídios consumados é um dado positivo, mas o forte aumento nas tentativas aponta para um cenário de persistência e agravamento da violência contra as mulheres.
Em Belo Horizonte foi inaugurada nova sede do Departamento Estadual de Investigação, Orientação e Proteção à Família (Defam). Além do feminicídio, quais os outros crimes têm vitimado as famílias mineiras?
Além do feminicídio, diversos crimes têm vitimado as famílias mineiras, sendo certo que, em 2024, foram registrados 153.599 casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Desse total, todos atravessam as cinco formas de violência de gênero, a saber, a física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Os crimes de lesão corporal, violência psicológica, ameaça, perseguição, estupro e descumprimento de medida protetiva são práticas severas de violência, com a observância de crescimento exponencial de todos pelo meio virtual. Não por acaso, no crime de violência psicológica, foi estabelecida causa de aumento de pena quando praticado com o uso de inteligência artificial ou qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima. Tem-se que a criminalidade, apropriando-se das mudanças sociais, passou a ocorrer no novo espaço social, a internet. Assim, muitos crimes que ocorriam fisicamente passaram a ser também executados por meio cibernético, os quais desafiam concessão de medida protetiva de igual forma.
O MPMG e o governo do estado lançaram, neste mês, a campanha de combate à violência contra a mulher intitulada “A violência que os olhos não vêem”. O Anuário da Segurança Pública traz um crescimento alarmante de 51.866 mulheres que sofreram violência psicológica. No que consiste a campanha em relação a tal crime?
A campanha é uma ação estratégica e foi idealizada pelo MPMG com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da política pública de enfrentamento à violência contra a mulher, a partir da conscientização da sociedade sobre as múltiplas formas de violência, com especial relevo àquelas que permanecem invisíveis.
A campanha objetiva orientar mulheres a reconhecerem situações de violências invisíveis aos olhos e buscarem ajuda, já que são elas a pavimentação curta e cruel para a violência física e, na escalada clássica do fenômeno, para o feminicídio.
A primeira promotora de Justiça da América Latina, Iracema Tavares Dias, é de Guaranésia, Minas Gerais. Foi nomeada em 1935. De lá para cá muita coisa mudou e as mulheres ocupam lugar de relevo no MPMG. A Sra. esteve no Tribunal do Júri onde presenciou casos chocantes. A visão destes casos, sob a visão feminina, pode fazer a diferença?
Sim, estive à frente do I Tribunal do Júri na última década, o qual tem competência exclusiva para os crimes de feminicídio. É um recorte de especialização que exige técnica apurada e sensibilidade aguçada, sendo a visão feminina um valor agregado de perspectiva de gênero. A percepção de que um relacionamento é abusivo e criminoso é comum a homens e mulheres, mas a vivência das dificuldades e da luta para chegarmos ao mundo ideal da equidade de gênero oferece peculiaridades que se somam à expertise exigida para enfrentar o plenário de julgamento. Não há sensação mais reconfortante do que, após debates estabelecidos, honrar a vítima e entregar à família enlutada o repouso da justiça feita.
Neste mês, houve um encontro de juristas e especialistas no MPMG para se discutir a atuação cível no contexto de violência doméstica contra a mulher. Qual o objetivo desse evento e quais as orientações sobrevieram?
O objetivo foi destacar a necessidade de se ter o olhar de gênero, com suas lentes corretivas para as desigualdades enfrentadas pelas mulheres, e aplicá-lo nas diversas áreas do direito. É indiscutível que a vítima de violência, quando está em juízo estranho ao criminal, exige do operador um tratamento que dê lugar à equidade – corrigindo desequilíbrios. Recomenda-se observação aos parâmetros de voluntariedade e espontaneidade, inegociáveis no requisito validade e viabilidade, nas demandas contratuais, nos acordos de guarda e alimentos, regras de convivência com relação aos filhos menores, conferência de procurações, partilha, divórcio liminar, usucapião, destituição do poder familiar e outros. Isso porque a mulher, estando em situação de violência, está sob violações que podem conduzi-la a estado de coação, nublando requisitos exigidos para o ato perfeito e acabado.