“Eu abro a nossa gira
Com Deus e Nossa Senhora
Eu abro a nossa gira
Samborê pemba de Angola”
Católicos e evangélicos costumam olhar para a Umbanda com desconfiança, preconceito e até repulsa. Mas poucos sabem — ou querem admitir — que a religiao sempre foi cristã em sua essência. Ao mesmo tempo, dentro dos próprios terreiros, muitos tentam apagar essa origem. A verdade, porém, é cristalina: a Umbanda nasceu de mãos dadas com o catolicismo popular, rituais do Candomblé e com o espiritismo kardecista, tendo Jesus Cristo como guia maior, rezas como o Pai-Nosso e a Ave-Maria como base litúrgica, e santos católicos iluminando os altares.
A fundação da Umbanda é atribuída ao médium Zélio Fernandino de Moraes, em 1908, no Rio de Janeiro. Durante uma sessão espírita kardecista, Zélio incorporou uma entidade que se apresentou como Caboclo das Sete Encruzilhadas. Questionado sobre sua missão, o espírito afirmou que vinha “trazer uma religião que acolheria os pobres, os negros e os desamparados, sem distinção”.
Esse discurso, inspirado nos princípios de caridade, humildade e fraternidade, encontra paralelo direto nos valores cristãos. Além disso, o próprio nome escolhido para a nova religião tem raízes na palavra “Umbanda”, que em algumas tradições bantas se refere a “sacerdote” ou “poder divino”.
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O nascimento cristão que ninguém assume
A Umbanda, uma das religiões mais populares do Brasil, é frequentemente associada às tradições afro-brasileiras, ao culto aos orixás e ao sincretismo com o espiritismo kardecista. No entanto, sua origem está profundamente ligada ao cristianismo, especialmente ao catolicismo popular. Esse traço inicial, embora muitas vezes minimizado ou até negado por adeptos contemporâneos, é essencial para entender como a umbanda nasceu e se consolidou no início do século 20.
Na maioria dos terreiros de Umbanda, a presença do Cristo Redentor no centro do congá (altar) é explícita: orações como o “Pai Nosso” e a “Ave Maria” fazem parte obrigatória das giras, e imagens de santos católicos decoravam os altares. A prática do sincretismo religioso — associando orixás africanos a santos cristãos — reforçava ainda mais a conexão.
Exemplos claros desse sincretismo incluem:
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Oxóssi identificado com São Sebastião.
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Iemanjá relacionada à Nossa Senhora da Conceição.
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Ogum associado a São Jorge.
Além disso, a própria figura de Jesus Cristo é vista até hoje como o guia supremo da Umbanda, conhecido como Oxalá, símbolo máximo de luz e bondade.
Por que tanta negação?
Do lado de fora, católicos e evangélicos preferem enxergar a Umbanda como “idolatria” ou “macumba”, sem nunca admitir que ela compartilha o mesmo Cristo que pregam em seus púlpitos e altares. Do lado de dentro, muitos umbandistas preferem valorizar a matriz africana ou o espiritismo, temendo que assumir o DNA cristão diminua sua identidade. Mas a realidade é dura: sem o Pai-Nosso, sem os santos católicos, sem Oxalá como figura de Cristo, não haveria umbanda.
A verdade inconveniente
Reconhecer a origem cristã da Umbanda não é diminuir sua força afro-brasileira. Ao contrário: é mostrar que essa religião soube transformar símbolos católicos em algo novo, popular e inclusivo, incorporando orixás, caboclos e pretos-velhos num diálogo que só poderia ter nascido no Brasil.
A negação, vinda tanto de fora quanto de dentro, revela mais sobre preconceitos e disputas identitárias de hoje do que sobre a história real. Afinal, a umbanda nunca precisou escolher entre o terço e o atabaque. Ela sempre misturou os dois — e é exatamente essa mistura que fez dela a religião mais brasileira de todas.
Vozes da academia
O historiador Reginaldo Prandi, referência no estudo das religiões afro-brasileiras, afirma que a Umbanda se estruturou como uma religião de “síntese”, mas com forte espírito missionário cristão, propondo a salvação, a prática da caridade e a luta contra o mal.
Já a antropóloga Diana Brown, em pesquisas clássicas sobre a Umbanda, destacou que os primeiros terreiros funcionavam quase como capelas populares, onde se rezava, cantava hinos a santos e se recebiam mensagens de espíritos em nome da fé.
Umbanda hoje: pluralidade e ressignificação
Atualmente, existem várias vertentes da Umbanda. Algumas se aproximam mais da matriz africana, como o Candomblé e o Ifá, outras do kardecismo, e muitas ainda mantêm forte presença de símbolos católicos. Apesar da diversidade, é impossível ignorar que a religião nasceu em solo brasileiro com forte influência cristã, ressignificada a partir da experiência popular.
Assim, compreender a umbanda como religião cristã em sua origem não diminui sua riqueza, mas ajuda a explicar como ela conseguiu se expandir, dialogando com diferentes tradições e se consolidando como uma fé essencialmente brasileira.