Lojistas do Hipercentro de Belo Horizonte tentam se reinventar para atrair e, principalmente, manter clientes fiéis em um mercado cada vez mais competitivo, à sombra das vendas on-line, e ainda em recuperação após a pandemia de COVID-19. Atendimento individual e ter em mãos o produto para testar e verificar a qualidade são os principais trunfos, segundo clientes e vendedores.
“A gente está sempre buscando inovar, acompanhar o mercado. Realmente, depois das vendas pela internet, caiu o movimento das lojas físicas”, afirma Vânia Rodrigues, gerente de loja de produtos de beleza na Rua Caetés. Além de promoções chamativas nas vitrines, ela aposta em anúncios em caixas de som para conquistar o cliente na calçada. “Se passar direto vai perder, hein?”, reforça um locutor da loja ao lado.
Moda, cosméticos, calçados, eletrônicos e muitos outros produtos compõem a paisagem do comércio do Hipercentro de BH
O Estado de Minas percorreu durante uma semana os mais movimentados corredores comerciais do Hipercentro de BH para ouvir de lojistas, vendedores e clientes uma resposta – ou respostas – para a pergunta: “o que mantém o comércio do Centro vivo?”. “Escolhi o Centro porque há mais opções, mais variedades. Se eu for comprar no meu bairro, o Caiçaras, pagaria até três vezes mais do que eu paguei em uma camisa aqui no Centro”, antecipa o vendedor Júnior Henrique ao citar um dos motivos.
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A concorrência de sites de venda e redes sociais preocupa comerciantes e vendedores, que recorrentemente citaram essa concorrência como um dos principais motivos para a queda de movimento nas lojas. “Mas a gente vai lá no on-line e arruma um jeitinho de trazer eles para loja. E, devagarinho, as vendas estão voltando”, comenta Clarice de Paula, vendedora de uma loja de roupas na Avenida Paraná. Usar perfis em redes sociais para divulgar promoções e mostrar as novidades tem sido uma estratégia recorrente usada por Clarice e muitos lojistas do Hipercentro.
""A venda on-line não tem alma""
por Vânia Rodrigues, gerente de loja de produtos de beleza na Rua Caetés
Estilo mineiro de comprar
Quem é fisgado pelas promoções nas redes sociais, dificilmente sai de mãos vazias das lojas físicas. “Gosto da compra presencial, de testar a roupa. Tem vendedora tão hospitaleira que, mesmo sem ter ido pra comprar, a gente compra pela qualidade do atendimento”, diz a decoradora Tainara Gonçalves de Oliveira. Este é um hábito muito característico dos consumidores da capital mineira, explica o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva.
“Tem uma característica do mineiro que é pegar o produto que vai comprar. Ele gosta de ver e conferir o que viu na internet, nas redes sociais. Então, isso é um fator positivo para os lojistas, porque ele aproveita aquele consumidor ali dentro do seu estabelecimento”, afirma Souza e Silva ao detalhar o perfil dos clientes da cidade. Um estilo ao qual a gerente Vânia Rodrigues acrescenta uma característica importante para entender a atração do comércio de rua: “A venda on-line não tem alma, né?”.
“Boa vontade e paciência”
Para quem tem décadas de experiência no comércio de rua do Hipercentro, atrair e cativar clientes são práticas de venda que devem começar no momento em que os consumidores são abordados. “O que mantém algumas lojas hoje é a clientela antiga, que é fiel. São clientes que dão preferência e voltam para comprar. E isso vai muito do atendimento”, afirma Luiz dos Santos Neto, vendedor em uma loja de camisas na Avenida Amazonas.
Vendedor de loja na Avenida Amazonas, Luiz dos Santos Neto ressalta a importância do bom atendimento
Aos 65 anos, 23 deles na loja atual e muitos outros no comércio do Hipercentro, Santos Neto sabe que o cliente pode olhar e não levar nada no momento, porém, se ele gostar do atendimento, pode voltar e comprar. “Comércio hoje em dia é tudo uma questão de boa vontade e paciência”, comenta.
""Nosso primeiro atrativo é o preço. Levar uma promoção boa para o cliente""
por Michele Mara, gerente comercial de lojas de calçados na Rua São Paulo
Inovar no meio digital para fechar vendas na loja física, porém, não escapa uma regra importante de atração de consumidores, segundo explica Michele Mara, gerente comercial de loja de calçados na Rua São Paulo. “Nosso primeiro atrativo é o preço. Levar uma promoção boa para o cliente”, afirma. “A gente sempre joga em nosso perfil a questão do preço, porque as redes sociais estão bem competitivas. Então, tentamos correr atrás para vencer isso”, explica a gerente, que defende um atendimento não mecanizado nas lojas, onde o atendimento ao cliente precisa se tornar uma experiência de troca e fidelização.
Trabalhador autônomo, Cristiano de Oliveira diz escolher o Hipercentro por considerar mais prático ir e voltar de ônibus. “Gosto de visitar o Mercado Central e, no comércio de rua, gosto de comprar roupas. É bem melhor e mais fácil pra mim. Experimento e, se tiver algum erro, já dá pra resolver na hora”, explica.
O autônomo Cristiano de Oliveira dá preferência às lojas do Centro pela praticidade de experimentar e comprar roupas
Manual de venda da pós-pandemia
O período mais crítico da pandemia de coronavírus e os anos seguintes mudaram a relação do comércio de rua do Hipercentro de BH com os consumidores. As redes sociais ampliaram a mensagem das promoções antes restritas aos locutores, mas o manual de boas práticas de venda passou a incluir estratégias que antes eram consideradas facultativas ou simplesmente um luxo que nem todos precisavam seguir.
Marcelo de Souza e Silva, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), destaca a importância de reocupar o Centro de BH
“Antes da pandemia os lojistas não tinham essa questão da fidelização, pegar os dados dos clientes, como localizar. Então viram a necessidade de se preparar melhor”, afirma o presidente da CDL. “Depois da pandemia, a gente trabalhou isso: ‘faça o cadastro do seu cliente, porque aí você tem como contactá-lo’”, explica Souza e Silva.
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Oito em cada 10 empresários do comércio mineiro relataram prejuízos com os reflexos da pandemia, segundo pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio MG), divulgada em 2021. De acordo com estudo publicado no início deste mês, 74,7% dos empresários acreditam que as vendas no segundo semestre de 2025 serão melhores do que no primeiro semestre, quando a recuperação do poder de compra dos consumidores já trouxe resultados positivos.
Consumidores mineiros têm como característica o interesse de conferir manualmente a qualidade dos produtos nas lojas
De volta ao Centro
A médio e longo prazo, a principal aposta dos comerciantes para retomar a força do comércio de rua do Hipercentro é resgatar um aspecto do varejo de Belo Horizonte nos anos 1960. Naquele período, a região era um polo das atividades econômicas da capital mineira, característica perdida com um processo de descentralização que levou a uma demanda pela abertura de lojas em bairros mais afastados.
Agora, o movimento é o inverso. “A gente está começando, de novo, a ocupar o Centro. Então, a gente precisa se organizar para transformar prédios comerciais vazios ou abandonados em moradias, em prédios residenciais, e requalifiquem novamente o Hipercentro de Belo Horizonte, que é a nossa história”, afirma o presidente da CDL.
O déficit habitacional de BH era de quase 109 mil domicílios em 2022, segundo estudo da Fundação João Pinheiro (FJP). No mesmo ano, dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontavam a existência de 108 mil imóveis permanentemente não ocupados na capital.