O mundo financeiro pode estar à beira de uma transformação radical. O BRICS Pay, um sistema de pagamentos descentralizado desenvolvido pelos países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mais os novos membros), emerge como uma resposta direta à dominância do dólar americano e da rede SWIFT no comércio internacional.

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Lançado em 2018 pelo BRICS Business Council, o projeto visa facilitar transações cross-border em moedas locais, reduzindo custos, riscos e dependências externas. Com o bloco representando 45% da população global e 35% do PIB mundial (em paridade de poder de compra), o BRICS Pay não é apenas uma ferramenta técnica, mas um instrumento de soberania econômica.

As origens e o propósito estratégico

Tudo começou em 2018, quando o BRICS Business Council, reunindo especialistas em finanças e tecnologia bancária dos países fundadores (mais a África do Sul), idealizou o BRICS Pay como uma plataforma para pagamentos internacionais mais seguros, transparentes e acessíveis. O objetivo central é eliminar intermediários desnecessários, como o dólar, que domina 88% das transações globais via SWIFT, uma rede controlada por instituições ocidentais. Em vez disso, o sistema permite trocas diretas em reais, rublos, rúpias, yuans e rands, fomentando a cooperação entre os membros em expansão.

O impulso veio das sanções ocidentais contra a Rússia, especialmente após 2022, que aceleraram a busca por alternativas. "É uma ideia que assusta o Ocidente", analisa um relatório do Lowy Institute, destacando o potencial de o BRICS Pay desafiar o monopólio do SWIFT. Hoje, o bloco inclui Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Indonésia (que aderiu em 2025), além de parceiros como Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.

Como funciona

Diferente de sistemas centralizados, o BRICS Pay opera em uma rede descentralizada baseada em blockchain, garantindo transparência e segurança sem um ponto único de falha. Seu núcleo é o Decentralized Cross-border Messaging System (DCMS), desenvolvido por cientistas do Centro Estatal de São Petersburgo, na Rússia, que processa mensagens de pagamento de forma distribuída.

A plataforma integra elementos como o BRICS Bridge, um ecossistema para gerenciamento de contas 24/7 via dispositivos móveis, pagamentos de serviços, transferências e até tributos. Suportará criptomoedas BRICS, como NSRT S e BFT, além de moedas digitais nacionais, com opções de QR codes para varejo e comércio online. Não se trata de uma moeda única – embora haja discussões sobre uma "Unit" lastreada em ouro –, mas de uma ponte para negociações em múltiplas divisas.

Em março deste ano, um artigo da Modern Diplomacy descreveu-o como "o futuro das transações globais", impulsionado principalmente por China e Rússia. Bancos como o Standard Chartered, do Reino Unido, já integraram o sistema para pagamentos a países BRICS, ampliando seu alcance além do bloco.

Avanços em 2025

O ano de 2025 marca um ponto de inflexão. Em julho, durante negociações no âmbito do BRICS, avanços foram reportados em direção a pagamentos "rápidos, de baixo custo, acessíveis, eficientes, transparentes e seguros". A cúpula de 2024, em Kazan (Rússia), reafirmou o foco em comércio em moedas locais, com o presidente Vladimir Putin exibindo um protótipo de nota BRICS – um gesto simbólico que alimentou especulações.

Atualizações recentes incluem progresso em agosto para pagamentos descentralizados cross-border e, em setembro, explorações de colaboração com o XRP Ledger para liquidações, sinalizando integração com blockchains existentes. A China, que endossou plenamente o projeto em outubro de 2024, usa o yuan em 50% do comércio intra-BRICS, um salto de 2% nas transações globais em maio de 2025. No entanto, não há data confirmada para lançamento pleno; o foco permanece em testes e integrações.

Desafios e críticas: um caminho espinhoso

Nem tudo são flores. Críticos, como o think tank OMFIF, argumentam que as moedas BRICS ainda não são uma alternativa viável ao dólar, citando a ausência de um mecanismo para evitar desequilíbrios comerciais e a relutância da China em atuar como "moeda veicular". Tensões geopolíticas agravam o quadro: em julho, o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou tarifas de 10% sobre importações de membros do BRICS, chamando o grupo de "ameaça que acabaria rapidamente" se se tornasse "significativo".

Além disso, questões técnicas persistem, como a interoperabilidade com sistemas legados e a regulação de criptoativos – especialmente na China, avessa a criptomoedas puras. Um paper acadêmico de dezembro de 2024 alerta para o "potencial transformador", mas enfatiza riscos de fragmentação global.

Impactos globais: uma nova ordem financeira?

Se implementado, o BRICS Pay poderia reduzir a dependência do dólar em até 20% no comércio intra-bloco, segundo estimativas, impulsionando exportações e investimentos. Para o Brasil, significa mais autonomia em transações com a China, seu maior parceiro comercial. Globalmente, alinha-se aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, combatendo a pobreza e fome via finanças inclusivas.

Enquanto o Ocidente vê ameaça, economistas como David Krause, em estudo no SSRN, preveem uma "ordem financeira em evolução", com o BRICS Pay como catalisador de multipolaridade. Em um mundo de tarifas e sanções, o BRICS Pay não é só tecnologia: é geopolítica em código binário. Resta saber se o "vem aí" se tornará realidade antes do fim de 2025 – ou se o dólar ainda ditará as regras do jogo.

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