COP30

Não dá para falar de carro elétrico se África não tem luz, diz diplomata

Richard Muyungi, diplomata tanzaniano e diretor da ANG, defende centralidade do acesso à energia elétrica nos debates sobre fontes renováveis na COP30

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FOLHAPRESS - De acordo com um dado divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em janeiro deste ano, 685 milhões de pessoas na África ainda não têm acesso à eletricidade - ou quase 45% da população do continente.

Por isso, Richard Muyungi, diplomata tanzaniano e diretor da ANG (Grupo de Negociadores Africanos, em inglês), defende que o acesso à energia elétrica precisa ser central nos debates sobre fontes renováveis e limpas durante a COP30, a conferência de clima das Nações Unidas.

"Não podemos discutir na COP a transição energética justa só em termos de hidrogênio verde, renováveis, carros elétricos -todas essas questões importantes. O continente africano não pode falar sobre carros elétricos enquanto não tem eletricidade para dirigir esses carros", diz à Folha de S.Paulo.

Dos 685 milhões sem acesso à luz no continente, 80% estão na região subsaariana, ainda segundo a ONU.

Muyungi afirma que garantir a segurança energética será uma das pautas centrais do grupo durante a COP30 em Belém, que acontece no mês que vem.

O diplomata foi um dos principais críticos da capital paraense como sede da conferência e articulou, em julho, uma reunião da UNFCCC -o braço climático da ONU- onde apresentou suas reclamações sobre o preço dos hotéis e a oferta de hospedagem.

Como revelou à Folha de S.Paulo, dezenas de negociadores, inclusive ele, chegaram a assinar uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao secretário-geral da UNFCCC, Simon Stiell, pressionando para que ao menos parte da conferência acontecesse em outro lugar.

O Brasil negou essa possibilidade, e criou uma força-tarefa para tentar resolver o problema.

Muyungi avalia que as questões foram apenas parcialmente resolvidas, mas reconhece que algumas de suas demandas foram atendidas.

Por exemplo, o aumento do auxílio da ONU de US$ 144 (R$ 763) por dia para US$ 197 (1.044), destinado às delegações de 144 países, o que incluí os chamados LDCs e SIDs (siglas em inglês para países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares, respectivamente), o que contempla em grande parte nações africanas.

Ele reclama que até aqui, a iniciativa da COP30 de buscar apoio de bancos de desenvolvimento e entidades filantrópicas para ajudar a subsidiar os custos de vida em Belém avançou apenas para latino-americanos, mas afirma que há uma promessa de que também seu continente seja contemplado.

"Minha esperança é ter isso resolvido agora no começo de outubro. Estamos cientes de que o governo está trabalhando para a disponibilidade dos quartos, mas para mim, não se trata apenas da participação dos negociadores. Trata-se da juventude, da mídia, dos povos indígenas, do setor privado da África. Todas essas pessoas devem participar", diz.

À Folha, Muyungi também detalha quais as pautas prioritárias para o grupo de países africanos, a começar pela necessidade de financiamento para o combate ao aquecimento global.

O Brasil, junto com o Azerbaijão (sede da COP29), tem como missão apresentar o chamado "roadmap", um documento que precisa mostrar o que o mundo precisa fazer para atingir a cifra de US$ 1,3 trilhão (R$ 6,9 tri) em recursos mobilizados por soluções climáticas.

Até aqui, todas as metas de financiamento jamais foram cumpridas em razão da falta de comprometimento dos países ricos em atender a demanda de nações de economias menores -que são as que mais sofrem os efeitos negativos de eventos naturais extremos.

Para tentar mudar este cenário, uma das apostas brasileiras é também contar com recursos privados, mas Muyingi alerta para o fato de este caminho não pode aumentar o endividamento africano, que hoje está em 24,5% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo o Banco Mundial.

"Vimos no passado recente que o financiamento climático está aumentando o peso da dívida no continente. Porque ele acontece por meio da obtenção do que chamam de empréstimos que vêm a quase as mesmas taxas comerciais em muitos casos", afirma.

"Nosso entendimento de financiamento climático, consistente com o Acordo de Paris e a convenção [de clima da ONU], significa que deve ser fornecido com base em doação, porque nós nunca causamos a mudança climática e a mudança climática é um adicional aos desafios que estamos enfrentando como continente. O continente não pode assumir o fardo de algo que nunca causou", continua.

Ele defende que os recursos devam ser distribuídos a partir de fundos ao invés de acordos bilaterais, como acontece em muitos casos, porque isso beneficia países com melhor diplomacia, não os que mais precisam.

Cita o exemplo de mecanismos regionais, o voltado à adaptação (mas que deveria incorporar os mercados de carbono, segundo ele) ou então do Fundo de Perdas e Danos, e lembra que este segundo -cujo intuito é distribuir recursos aos países afetados pelos efeitos da mudança climática- ainda precisa ser capitalizado.

Muyungile cobra da COP30, de maneira geral, uma preocupação na implementação. As NDCs, metas para redução das emissões de CO² apresentadas por cada país, dependem de recursos e meios para viabilizar que elas sejam cumpridas, exemplifica.

A mesma cobrança se estende aos indicadores globais de adaptação climática -diretrizes que devem ser criadas na COP30. Ele afirma que eles precisam estar ligados a medidas efetivas, não a resultados abstratos.

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Finalmente, ele defende um avanço no debate sobre soluções climáticas, para garantir a transferência de tecnologia, "para que os países ricos forneçam as tecnologias necessárias para os outros abordarem tanto a mitigação quanto a adaptação".

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