A cerimônia do Bafta Film Awards de 2025 evidenciou como o cinema contemporâneo abraça narrativas que desafiam convenções e provocam reflexões profundas sobre a sociedade atual. Com Conclave e O Brutalista dividindo os holofotes com quatro premiações cada, o evento demonstrou o reconhecimento da crítica especializada por obras que transcendem o entretenimento convencional e mergulham em questões políticas e sociais urgentes.
A noite de 16 de fevereiro, realizada no Royal Festival Hall em Londres, foi marcada pela diversidade temática dos vencedores. Conclave conquistou quatro BAFTAs, incluindo Melhor Filme e Filme Britânico Destacado, roteiro adaptado e edição, enquanto O Brutalista também levou quatro prêmios: Melhor Diretor para Brady Corbet, Melhor Ator para Adrien Brody, Cinematografia e Trilha Sonora Original. Esta divisão equilibrada dos principais prêmios reflete a qualidade excepcional das produções indicadas.
Como o thriller vaticano conquistou a crítica especializada?
O sucesso de Conclave no Bafta 2025 pode ser atribuído à sua abordagem ousada sobre poder e corrupção dentro das instituições religiosas. O filme, dirigido por Edward Berger e baseado no romance de 2016 de Robert Harris, segue o Cardeal Thomas Lawrence (interpretado por Ralph Fiennes) durante o processo secreto de eleição de um novo papa, onde ele descobre escândalos e segredos que podem abalar a Igreja Católica. A produção transformou um processo aparentemente estático em um thriller psicológico envolvente.
A cinematografia de Stéphane Fontaine captura tanto a grandiosidade quanto a intimidade sufocante do Vaticano, utilizando jogos de luz e sombra para enfatizar os temas de revelação e ocultação. Interessantemente, Berger se inspirou nos thrillers paranóicos dos anos 1970, especialmente nas obras de Alan Pakula como “Todos os Homens do Presidente”, para criar uma atmosfera de tensão constante. O diretor precisou recriar completamente o ambiente vaticano, já que as filmagens dentro dos muros reais eram proibidas.
Por que “O Brutalista” representa um marco cinematográfico?
O Brutalista se destacou como uma obra épica sobre imigração e reconstrução identitária no pós-guerra. Com uma duração de 3,5 horas, o filme narra a jornada de um arquiteto húngaro que busca recomeçar sua vida nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Brady Corbet conquistou seu primeiro Bafta como diretor, enquanto Adrien Brody foi reconhecido como melhor ator principal, marcando também sua primeira vitória na premiação britânica.
A produção se tornou emblemática por abordar temas universais de deslocamento e busca por pertencimento, questões extremamente relevantes no contexto geopolítico atual. O filme demonstra como a arquitetura pode servir como metáfora para a reconstrução pessoal e cultural, explorando a tensão entre preservar tradições e adaptar-se a novos ambientes. Corbet, que também escreveu o roteiro, criou uma narrativa que ressoa especialmente em tempos de crescente migração global.
Qual foi o impacto das vitórias inesperadas?
A vitória de Mikey Madison como melhor atriz principal por “Anora” surpreendeu muitos especialistas que consideravam Demi Moore a favorita. Madison interpretou uma dançarina exótica em “Anora”, superando candidatas consideradas mais prováveis. Sua performance trouxe visibilidade para narrativas que exploram a complexidade das experiências marginalizadas, especialmente relacionadas ao trabalho sexual.
David Jonsson conquistou o EE Rising Star Award, única categoria votada pelo público, demonstrando seu apelo junto às audiências britânicas. O ator, conhecido por seus trabalhos em “Alien: Romulus” e “Industry“, representa a nova geração de talentos britânicos que estão ganhando reconhecimento internacional. Sua vitória reflete a tendência do público em valorizar performaces autênticas e diversificadas.
Como a indústria cinematográfica reflete questões contemporâneas?
O Bafta 2025 demonstrou como o cinema atual funciona como um espelho das tensões sociais e políticas contemporâneas. Os nominados de 2025 tornaram a cerimônia a mais diversa em termos de gêneros, com horror e musicais bem representados entre os gêneros tradicionais de premiação. Esta diversidade temática evidencia a maturidade da indústria em abraçar narrativas que anteriormente eram consideradas “nicho”.
Emilia Pérez, vencedor de melhor filme em língua não inglesa, exemplifica essa tendência ao misturar musical com crime, desafiando classificações convencionais. O diretor Jacques Audiard enfrentou controvérsia ao agradecer Karla Sofía Gascón em seu discurso, após a atriz trans ter sido afastada da campanha promocional devido a postagens controversas nas redes sociais. Este episódio ilustra como questões de representatividade e responsabilidade social se tornaram centrais nas discussões cinematográficas.
Que lições o Bafta 2025 oferece sobre o futuro do cinema?
A premiação de 2025 sinalizou uma mudança significativa nos critérios de avaliação cinematográfica, privilegiando obras que conseguem equilibrar qualidade técnica com relevância social. Warwick Davis recebeu o Bafta Fellowship, a mais alta honraria da academia, em reconhecimento não apenas ao seu trabalho como ator, mas por usar sua plataforma para desafiar preconceitos sociais e defender a inclusão. Esta escolha reflete o compromisso crescente da indústria com a representatividade.
O fato de Conclave ter arrecadado 125,9 milhões de dólares mundialmente com um orçamento de apenas 20 milhões demonstra que audiências globais estão receptivas a narrativas inteligentes e provocativas. A produção prova que filmes “para adultos” – termo frequentemente usado para descrever cinema mais cerebral – podem ser tanto comercialmente viáveis quanto artisticamente respeitados. Isso sugere um futuro promissor para cineastas dispostos a abordar temas complexos sem sacrificar o apelo popular.