Em quase um século de existência, o Oscar acumulou uma lista impressionante de decisões controversas que ainda geram debates acalorados entre críticos e cinéfilos. Enquanto alguns vencedores de Melhor Filme caíram no esquecimento com o passar dos anos, obras rejeitadas pela Academia se tornaram marcos atemporais do cinema mundial. Essas escolhas questionáveis revelam os vieses e limitações de uma premiação que, apesar de seu prestígio, nem sempre reconheceu verdadeiras obras-primas em tempo real.
A análise histórica dos “esnobados” pelo Oscar mostra padrões claros de preconceito contra determinados gêneros e estilos cinematográficos. Filmes de terror, ficção científica e narrativas experimentais sistematicamente enfrentaram resistência da Academia, que tradicionalmente favoreceu dramas convencionais e biografias “palatáveis”. Este conservadorismo custou caro ao prestígio da premiação, criando um abismo entre reconhecimento oficial e relevância cultural duradoura.
Quais clássicos do terror foram inexplicavelmente ignorados pela Academia?
“Frankenstein” (1931), dirigido por James Whale, representa um dos maiores erros históricos da Academia. Baseado na obra seminal de Mary Shelley, o filme não recebeu sequer uma indicação, apesar de ter estabelecido fundamentos visuais e narrativos que influenciam o cinema até hoje. A performance icônica de Boris Karloff como o monstro criou um arquétipo cinematográfico que transcendeu gerações, mas a Academia manteve seu preconceito contra o gênero.
“O Exorcista” (1973) enfrentou destino similar, sendo indicado a dez categorias mas perdendo Melhor Filme para “Golpe de Mestre”. O filme de William Friedkin quebrou barreiras importantes no cinema ao abordar temas religiosos com visceral intensidade, criando marco cultural que permanece relevante décadas depois. “Os Inocentes” (1961), adaptação magistral de Henry James dirigida por Jack Clayton com Deborah Kerr, também foi completamente ignorado, demonstrando como a Academia sistematicamente subestimava produções de horror psicológico.

Por que obras-primas da ficção científica foram sistematicamente rejeitadas?
“2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968) de Stanley Kubrick perdeu Melhor Filme para “Oliver!”, uma decisão que hoje parece absurda considerando o impacto duradouro da obra de Kubrick. O filme revolucionou efeitos visuais, explorou temas filosóficos profundos sobre evolução humana e inteligência artificial, estabelecendo padrões estéticos que influenciam o cinema contemporâneo. A trilha sonora de Richard Strauss e György Ligeti tornou-se mundialmente reconhecível, enquanto “Oliver!” permanece como curiosidade histórica.
“Blade Runner” (1982) de Ridley Scott nem foi indicado a Melhor Filme, perdendo para “Kramer vs. Kramer” na preferência da Academia. O filme criou referências visuais fundamentais para o cyberpunk, explorou questões existenciais sobre humanidade artificial e memória, temas cada vez mais relevantes na era da inteligência artificial. A performance de Harrison Ford e a direção de arte futurística estabeleceram parâmetros estéticos copiados até hoje, mas a Academia preferiu dramas familiares convencionais.
Como dramas revolucionários foram preteridos por escolhas conservadoras?
“Taxi Driver” (1976) de Martin Scorsese representa talvez a maior injustiça da década de 1970. O filme perdeu para “Rocky”, que, apesar de seu charme populista, não possui a profundidade psicológica nem o impacto cultural duradouro da obra de Scorsese. Robert De Niro criou um dos personagens mais complexos do cinema americano, explorando alienação urbana e violência com intensidade visceral que antecipou problemáticas sociais posteriores.
“Pulp Fiction” (1994) de Quentin Tarantino perdeu para “Forrest Gump”, decisão que exemplifica a preferência da Academia por narrativas otimistas sobre experimentação formal. O filme de Tarantino revolucionou a estrutura narrativa no cinema mainstream, criou diálogos memoráveis e influenciou uma geração inteira de cineastas. “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) de Ang Lee perdeu para “Crash”, mostrando como a Academia ainda resistia a temas LGBTQIA+ em 2005.
Quais filmes internacionais mereciam reconhecimento antes de “Parasita”?
“Os Sete Samurais” (1954) de Akira Kurosawa nem foi elegível para Melhor Filme devido às regras da época, mas sua exclusão ilustra como a Academia historicamente ignorou obras-primas internacionais. O filme estabeleceu fundamentos narrativos para filmes de ação, influenciou diretamente “Sete Homens e um Destino” e “Guerra nas Estrelas”, criando linguagem visual copiada globalmente.
“8½” (1963) de Federico Fellini competiu apenas em Melhor Filme Estrangeiro, apesar de sua influência revolucionária na linguagem cinematográfica. A reflexão metacinematográfica de Fellini sobre o processo criativo antecipou tendências que só seriam reconhecidas pela Academia décadas depois. “Cidade de Deus” (2002) foi esnobado como representante brasileiro, mas posteriormente recebeu quatro indicações após campanha agressiva da Miramax, demonstrando como política de distribuição afeta reconhecimento acadêmico.
Como experimentos narrativos ousados foram penalizados pela Academia?
“Cidadão Kane” (1941) de Orson Welles perdeu para “Como Era Verde o Meu Vale”, decisão universalmente considerada erro histórico. A inovação técnica e narrativa de Welles estabeleceu fundamentos da linguagem cinematográfica moderna, mas encontrou resistência política devido à representação controversa de William Randolph Hearst.
“Cães de Aluguel” (1992) de Quentin Tarantino nem foi indicado, demonstrando como a Academia inicialmente resistiu ao cinema independente americano. O filme estabeleceu Tarantino como voz cinematográfica única, influenciou diretamente a década de 1990 e provou que orçamentos baixos não impedem impacto cultural significativo. “Antes do Amanhecer” (1995) de Richard Linklater também foi ignorado, apesar de sua abordagem revolucionária do romance cinematográfico através de diálogos naturalistas.
Qual o verdadeiro legado dessas decisões controversas para o cinema?
As injustiças históricas do Oscar revelam que prestígio imediato nem sempre corresponde à relevância cultural duradoura. Filmes como “2001”, “Blade Runner” e “Taxi Driver” ganharam status de clássicos através de reavaliação crítica e influência geracional, enquanto muitos vencedores oficiais caíram no esquecimento. Plataformas de streaming democratizaram acesso a essas obras “esnobadas”, permitindo que novas gerações descobrissem sua importância sem intermediação acadêmica.
A tendência contemporânea da Academia em reconhecer diversidade e experimentação – exemplificada pela vitória histórica de “Parasita” em 2020 – sugere aprendizado gradual com erros passados. No entanto, o padrão histórico de conservadorismo institucional indica que grandes obras ainda podem estar sendo ignoradas atualmente, só sendo reconhecidas décadas depois por futuras gerações de críticos e cinéfilos.