Um decreto presidencial assinado em abril de 2025 por Luiz Inácio Lula da Silva reacendeu o debate sobre privacidade digital no Brasil. A medida autoriza o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) a acessar dados de cidadãos armazenados por órgãos públicos e prestadoras de serviços, como forma de aprimorar a concessão de benefícios sociais, como o BPC. Mas a falta de garantias sobre anonimização e segurança dos dados já provoca forte reação de entidades civis.
Anatel e Dataprev entram na mira do novo sistema
Mais de 219 mil prestadoras de serviço supervisionadas pela Anatel poderão ter seus dados compartilhados com a estatal Dataprev, responsável pela análise das informações. O objetivo declarado é evitar fraudes e economizar até R$ 12 bilhões até 2030. No entanto, a possibilidade de uso de inteligência artificial para avaliação automática de beneficiários levantou alertas sobre o risco de exclusão indevida e vazamento de dados sensíveis.
Falta de transparência sobre proteção de dados preocupa
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) iniciou um processo para verificar se o decreto está em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O órgão não foi consultado antes da publicação, o que gerou desconfiança. Organizações como Idec, InternetLab, Data Privacy Brasil e Cedis apontam a ausência de um relatório de impacto à proteção de dados como um erro grave, que compromete a legitimidade do decreto.

Sociedades civis alertam para risco de cancelamentos indevidos
As entidades temem que o compartilhamento em massa de dados leve a cancelamentos arbitrários de benefícios, especialmente entre populações vulneráveis. O texto do decreto menciona a possibilidade de “identificação de perfil”, o que pode abrir margem para a criação de sistemas automatizados e discriminatórios, sem supervisão adequada. O receio é de que dados pessoais virem munição contra os próprios beneficiários.
Governo promete mudanças e abre consulta pública
Diante da pressão, o MGI prometeu publicar uma nova versão do decreto, restringindo o compartilhamento ao endereço dos cidadãos — e não ao CPF, como inicialmente interpretado. Além disso, será aberta uma consulta pública para discutir a portaria regulamentadora. O governo tenta demonstrar que está disposto a ouvir e ajustar a norma para respeitar os direitos dos cidadãos.
Futuro do decreto depende de equilíbrio entre tecnologia e direitos
Especialistas em privacidade, como Rony Vainzof, afirmam que a conformidade com a LGPD pode ser alcançada mesmo sem revogar o decreto, desde que a regulamentação venha acompanhada de medidas robustas, como a produção do relatório de impacto. A ANPD seguirá monitorando o processo, e o futuro do decreto dependerá do quanto o governo será capaz de conciliar eficiência pública com respeito à privacidade.