“Adolescência” (“Adolescence”) estabeleceu um novo paradigma no drama televisivo ao combinar técnica cinematográfica inovadora com narrativa socialmente relevante. A minissérie britânica de quatro episódios, criada por Jack Thorne e Stephen Graham, conquistou audiências globais não apenas pelo enredo perturbador, mas pela ousadia de filmar cada episódio em um único plano-sequência. A produção alcançou 96,7 milhões de visualizações nas primeiras três semanas e se tornou a primeira série de streaming a liderar o ranking semanal de audiência da Barb Audiences no Reino Unido.
A série narra a história de Jamie Miller, interpretado pelo estreante Owen Cooper, um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola. O diferencial está na abordagem: cada episódio transcorre em tempo real, sem cortes, criando uma experiência imersiva que força o espectador a confrontar a realidade sem escapatórias. Esta escolha técnica não é meramente estética, mas serve ao propósito narrativo de simular a intensidade e claustrofobia que os personagens experimentam diante de uma tragédia incompreensível.
Quais casos inspiraram a série?
Stephen Graham mencionou que a série foi inspirada por incidentes reais, como o caso de Ava White, uma menina de 12 anos assassinada em Liverpool por um garoto de 14 anos. Outro caso é o de Elianne Andam, de 15 anos, esfaqueada em Londres por Hassan Sentamu, então com 17 anos. Ambos os casos destacam a violência entre jovens e o papel das redes sociais nesses eventos trágicos.
Além disso, o assassinato de Brianna Ghey, uma jovem trans de 16 anos, também serviu de inspiração. Ela foi morta por dois adolescentes em um ataque premeditado. Esses casos ilustram a crescente onda de violência juvenil e o impacto das pressões sociais e digitais sobre os adolescentes.
Como a série aborda a radicalização online de adolescentes?
“Adolescência” confronta diretamente o fenômeno da radicalização de jovens através de conteúdo misógino online, incluindo referências explícitas à cultura incel e figuras como Andrew Tate. A série explora como Jamie foi influenciado por discursos de ódio masculino encontrados em plataformas digitais, transformando um adolescente aparentemente comum em alguém capaz de violência extrema. Stephen Graham explicou que a inspiração veio de uma série de casos reais no Reino Unido envolvendo jovens em crimes com facas.
A representação da influência das redes sociais na formação da personalidade de Jamie é deliberadamente perturbadora. A série mostra como algoritmos podem direcionar conteúdo tóxico para adolescentes vulneráveis, criando câmaras de eco que amplificam sentimentos de raiva e ressentimento. Jack Thorne descreveu o processo criativo como uma jornada assustadora e empolgante, pois a equipe questionou intensamente suas próprias identidades masculinas e as pressões sociais enfrentadas pelos jovens. Esta abordagem evita soluções simplistas, reconhecendo que a radicalização online é um problema sistêmico que exige reflexão coletiva.
Qual o impacto da série na discussão sobre violência juvenil?
A repercussão de “Adolescência” transcendeu o entretenimento, provocando debates políticos e sociais significativos. Anneliese Midgley, membro do Parlamento Britânico, solicitou que a série fosse exibida nas escolas como ferramenta educativa contra a misoginia. O primeiro-ministro Keir Starmer apoiou publicamente a iniciativa, afirmando que assistir à série com seus filhos adolescentes foi “um choque”. Consequentemente, a produção foi disponibilizada gratuitamente para escolas secundárias do Reino Unido.
A série alcançou 99% de aprovação no Rotten Tomatoes com base em 102 críticas, estabelecendo-se como uma das produções mais aclamadas de 2025. Lucy Mangan, do The Guardian, descreveu a obra como “a coisa mais próxima da perfeição televisiva em décadas”. Este reconhecimento crítico validou a abordagem corajosa dos criadores em abordar temas controversos sem oferecer respostas fáceis. A série força o público a confrontar questões desconfortáveis sobre responsabilidade parental, falhas educacionais e o papel das plataformas digitais na formação de jovens.
Como a produção conseguiu autenticidade com atores inexperientes?
A escalação de Owen Cooper para o papel central representa uma das decisões mais audaciosas da produção. Aos 13 anos, Cooper não possuía experiência profissional anterior, mas foi selecionado entre 500 candidatos pela diretora de casting Shaheen Baig. Sua performance naturalmente vulnerável e perturbadora conquistou críticos que destacaram sua capacidade de capturar “a natureza volátil daqueles anos frágeis entre a infância e a vida adulta”.
A autenticidade da série é fortalecida pela decisão de não romantizar ou explicar completamente as motivações de Jamie. Os criadores conscientemente evitaram criar um “whodunit” tradicional, focando nas consequências emocionais do crime para a família e comunidade. Stephen Graham, que interpreta o pai Eddie Miller, oferece uma performance devastadora de um homem que relutantemente aceita a magnitude dos atos de seu filho. Esta abordagem crua e sem concessões distingue “Adolescência” de outros dramas criminais, estabelecendo um novo padrão para narrativas que exploram a violência juvenil com seriedade e responsabilidade social.