Brasil e Índia em foco no debate sobre apropriação cultural na moda
Evento reuniu representantes de 65 países para discutir os limites entre inspiração e plágio no design, com destaque para casos envolvendo Brasil e Índia
compartilhe
Siga noPor Mariana Silva
Inspiração ou plágio? No BRICS+ Fashion Summit, em Moscou, uma questão urgente dominou o debate: a apropriação cultural e a forma como marcas ocidentais se apropriam não apenas de designers, mas também de códigos culturais de comunidades inteiras. Oradores de 65 países discutiram como proteger identidades nacionais, com Brasil e Índia em evidência.
Este ano, na Semana da Moda Masculina de Milão, a Prada enfrentou forte reação negativa. As sandálias exibidas pela grife lembravam quase integralmente o Kolhapuri, calçado tradicional indiano feito à mão. A reação nas redes sociais foi imediata, com críticas de apropriação cultural.
A controvérsia ganhou peso adicional porque as sandálias Kolhapuri têm Indicação Geográfica (IG), vinculada a uma região específica. Enquanto a Prada comercializou o modelo por US$ 844, os autênticos Kolhapuris custam cerca de US$ 13. Após protestos da Câmara de Comércio de Maharashtra, a marca pediu desculpas e se ofereceu para colaborar.
O caso expôs como, mesmo em um cenário global que preza pela diversidade, a cópia descuidada ainda mina direitos de empreendedores e o patrimônio de comunidades cujos artesanatos centenários passam a ser vendidos com alto valor agregado. Mais preocupante, a apropriação cultural pode também gerar impactos ambientais.
Esse foi o ponto central da palestra de Luciana Duarte, professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Haia e pesquisadora do Instituto Internacional de Estudos Sociais (ISS), da Universidade Erasmus de Roterdã, no BRICS+ Fashion Summit.
Duarte revisitou a linha Hermès Amazônia, que utilizava couro artificial produzido com borracha extraída da floresta amazônica. Sua pesquisa aborda a fetichização da vida tropical, um fenômeno que remonta ao século XVIII, quando a aristocracia europeia idealizava o “Novo Mundo” sem considerar suas realidades.
Segundo a pesquisadora, esse olhar ainda ecoa hoje, quando consumidores compram bolsas caras de borracha sem refletir sobre a fragilidade do ecossistema amazônico.
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelam que quase 10 mil km² de floresta foram destruídos no Brasil em 2022, o maior nível desde 2008. Apesar da queda recente nos índices de desmatamento, os incêndios florestais continuam entre as principais ameaças.
Duarte também destacou a favelização na moda, exemplificada pela colaboração Campana Brothers + Lacoste, que produziu polos com dezenas de crocodilos bordados. A ideia remetia a roupas feitas em comunidades com sobras de tecido.
Para a pesquisadora, a iniciativa representou um empréstimo injusto: embora promovida com alusões à caridade, não resultou em melhorias reais nas favelas, limitando-se à campanha publicitária.
Outro relato marcante foi o de Tery Carola, presidente da Seychelles Fashion Week, que destacou o valor simbólico da palmeira-das-Seychelles, espécie única retratada no brasão nacional e responsável pela maior noz do mundo.
Historicamente explorada como objeto de arte e até para uso medicinal, hoje é protegida por legislação rigorosa, já que a espécie corre risco de extinção. Para Carola, a inspiração em heranças culturais deve ser sempre acompanhada de respeito, posição endossada pelos demais participantes.
Marca brasileira Artemisi se destaca com coleção futurista em Moscou
Paralelamente ao Summit, a Moscow Fashion Week reuniu mais de 200 designers e marcas internacionais. A presença brasileira foi notável, com destaque para a marca Artemisi, que apresentou uma coleção futurista com elementos de castelos e cavalaria reinterpretados em linguagem contemporânea.
O BRICS+ Fashion Summit consolidou-se como espaço de intercâmbio cultural e diálogo internacional.
“O Summit funciona como uma plataforma vital de comunicação para países emergentes, oferecendo um espaço onde narrativas, estratégias e oportunidades podem ser trocadas em igualdade com os mercados tradicionais. Diferente das capitais da moda consolidadas, onde as vozes emergentes disputam visibilidade, o evento foi desenhado para valorizar perspectivas diversas, permitindo que nações apresentem sua identidade cultural e indústrias criativas em seus próprios termos”, afirmou Amanda Mendonça, secretária executiva do Conselho de Moda Municipal do Rio de Janeiro.