compartilhe
Siga noComo afirmou Brás Cubas, personagem de Machado de Assis no livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, nada mais poderoso do que uma ideia fixa. Foi assim, com propósito definido, que Delfina Miranda implantou um curso de moda na UFMG, tão logo voltou de um mestrado na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.
Depois de três anos e meio de trabalho árduo, ele foi lançado, oficialmente, em 1986, com o nome de Estilismo e Modelagem do Vestuário. Formada pela Escola de Belas Artes, nada mais natural para a professora e artista plástica começar um projeto ali dentro. O curso funcionou 22 anos como extensão da EBA até se tornar bacharelado em Design de Moda, em 2009. A boa nova é que, agora, avaliado pelo MEC – Ministério da Cultura, recebeu nota 5, o que significa excelência em todos os quesitos requeridos pela instituição.
Na década de 1980, a moda em Belo Horizonte já era reconhecida, com marcas importantes, como as do Grupo Mineiro de Moda, e outras que ganhavam atenção do Brasil, mas havia necessidade de investimento em conhecimento e técnica para aprimorar os profissionais autodidatas. Foi nesse contexto que a ideia de Delfina vingou.
A designer Margaret Marinho, recém chegada da Inglaterra, em 1984, se tornou uma importante colaboradora do projeto. Sempre ligada à arte, começou a trabalhar como representante da revista Interview na cidade e foi cooptada pela professora. “Delfina era muito organizada, montou uma ótima grade curricular, mas a infraestrutura era mínima. Contávamos com a colaboração de professores, como Júnia Melo, perita em modelagem, com doações de fábricas têxteis, chamávamos os amigos para ministrarem palestras. Nosso escritório, onde guardávamos os materiais, era debaixo de uma escada”, lembra.
Ela conta que, por meio de contatos e amizades, alguns professores franceses vieram a BH para dar aulas no curso e ficavam hospedados na casa da Delfina. Outra ótima colaboradora foi Giselda Moreira, que fundou, mais tarde, a Faculdade Cimo.
Entre 1993 e 1995, a direção ficou sob a responsabilidade da estilista Dulce Gomes. Ela confirma que a situação ainda era precária em vários aspectos, apesar do curso já ser referência no Brasil. “Costumava dizer aos alunos que éramos um grupo de pessoas com vontade de ensinar e outro com vontade de aprender. Havia motivação dos dois lados e isso fez com que tudo funcionasse”. Utilizar as instalações da EBA no período noturno era um fator importante, mas as máquinas tinham que ser montadas e desmontadas diariamente para as aulas de modelagem e costura. “Lidávamos também com outros entraves, como recursos bibliográficos praticamente inexistentes, material de pesquisa específico de moda escasso, a indiferença e o preconceito da comunidade da própria EBA, além da falta de reconhecimento do mesmo, que angustiava os alunos”, pontua a estilista.
Mesmo assim, aos trancos e barrancos, o curso cresceu. Promovia desfiles no Parque Municipal, na Praça da Estação, no Palácio das Artes, com recursos próprios. Revelou vários talentos, como Ronaldo Fraga, Luiz Cláudio da Silva, da Apartamento 03, Angélica Adverse – ambos vencedores, em terceiro e primeiro lugares, da final internacional do poderoso concurso promovido pela Smirnoff. Lançou nomes atuantes no mercado, como Virginia Barros, Carolina Bicalho, Fernando Silva, Antônio Gomes, Andrea Aquino, Rose H, Monalisa Andrade, Alexandre Mor, Rochele Gonçalves, entre outros que passaram por lá. Tudo isto repercutia na mídia, mas não sensibilizava os dirigentes da EBA nem da UFMG.
Graduação
O bacharelado em Design de Moda teve início no primeiro semestre de 2009 como reflexo do REUNI – Programa de Reestruturação das Universidades Federais, conforme explica o professor Tarcísio D'Almeida. A obtenção da nota 5, recentemente, é uma conquista e reflete o reconhecimento e relevância da qualidade no ensino, pesquisa e extensão do curso da UFMG, posicionando-o em um nível de excelência no cenário nacional, tanto para o curso como para a UFMG, chamando a atenção da universidade para investimentos contínuos no mesmo.
“O fato demonstra as potencialidades criativas de um campo de conhecimento que lida com sensibilidades artístico-estéticas e consumo. Não apenas os professores e estudantes, mas a sociedade ganha com esse reconhecimento, pois a moda é um reflexo cultural de civilizações”, pontua.
Significaria também um olhar mais atento da reitoria da universidade para a infraestrutura do curso? Tarcísio explica que por ser um campo de conhecimento e formação dinâmicos, a moda requer acompanhamento contínuo de suas demandas. Segundo ele, o curso está em uma nova realidade e continuará demandando da UFMG aprimoramentos que qualifiquem a continuidade de excelência conferida pelo MEC.
“A infraestrutura é essencial e o curso é o segundo numa lista de ampliação de espaços físicos, atrás apenas do Coltec. Outro ponto é a adequação que precisará ser realizada, a partir das pioneiras Diretrizes Curriculares Nacional (DCN) de Moda, redigida por uma comissão nacional de professores de moda de instituições públicas federais e estaduais, além das privadas, de todas as regiões do país. As DCN de Moda já estão aprovadas e aguardando apenas a homologação por parte do ministro da Educação Camilo Santana”, garante o professor que representou a UFMG com a professora Angélica Adverse.
Tarcísio defende que um dos pontos positivos do ensino na instituição é a multidisciplinaridade que ocorre, desde a composição do corpo docente até as disciplinas do curso e as integrações com outras áreas do conhecimento na formação dos estudantes.
“Herdamos o legado do curso de extensão em Estilismo e Modelagem do Vestuário por compreender a moda como possibilidades humanas de estéticas criativo-artísticas com as ofertas de subsídios que contemplem os conhecimentos artísticos, históricos, sociais e tecnocientíficos específicos do design de moda e da criação e produção do vestuário”, esclarece.
Com alunos provenientes de várias camadas sociais, ele explica que há egressos do curso que têm se destacado em equipes, mas também no âmbito individual. Exemplos são os alunos que desfilaram em semanas de moda com ênfase no autoral, como Dragão Fashion Brasil (de Fortaleza) e Casa de Criadores (de São Paulo). Só no Dragão Fashion, eles já representaram a UFMG oito vezes. “A aluna, a Iáskara Oliveira, vem se destacando pela fusão de moda com inovação sustentável. Ela desenvolve linha exclusiva de roupas para festas e noivas em renda de papel derivadas da reciclagem de sacos de cimento, e em tecidos”, ressalta o professor.
“Nossos estudantes têm opções de mobilidades acadêmicas com outras universidades do Brasil, assim como intercâmbios internacionais via o Programa Minas Mundi da UFMG. Nossas alunas foram umas das poucas selecionadas no Brasil, desde 2022, para o Programa de Mentoria Exclusivo para Mulheres Women@Dior, da grife francesa Christian Dior e UNESCO”, enfatiza.
“Nossas alunas foram umas das poucas selecionadas no Brasil, desde 2022, para o Programa de Mentoria Exclusivo para Mulheres Women@Dior, da grife francesa Christian Dior
e UNESCO”
Tarcísio D'Almeida
Professor