A moda sempre fez parte da vida de Vitória Amaral, que, desde pequena, consumia conteúdos da área e se dedicava ao trabalho manual. Por pensar que esse caminho não lhe renderia uma profissão, optou por ingressar no curso de medicina veterinária. Depois de quatro períodos, decidiu trancar e seguir sua vocação e, em 2020, começou a cursar moda na Fumec.


Em uma experiência acadêmica densa, com direito a uma pandemia e um intercâmbio de seis meses em Bragança, Portugal, Vitória aprendeu muito e, ao se deparar com mais um desafio, o TCC, não teve dúvidas que uniria suas paixões e traços de personalidade no tema.


Orientada pela professora Julia de Assis Barbosa Soares, ela, que já havia até pensado em fazer o curso de gastronomia, decidiu unir a área da alimentação, com as artes e a moda. “Meu propósito sempre foi mostrar a moda e a gastronomia como arte, e mostrar minhas origens”, explica a estudante, que é paraense, cresceu na Bahia e chegou em BH para fazer o ensino médio.

Encontro

Veludo de chocolate é usado nas golas e mangas das peças criadas por Vitória

Natália Campos/Divulgação

Em seu caminho na pesquisa, que parecia incerto em alguns momentos, Vitória encontrou Marina Mendes, confeiteira natural de Vitória da Conquista, na Bahia, conhecida pela sua pâtisserie tupiniquim, que mescla técnicas francesas e ingredientes brasileiros.

Se antes a ideia de Vitória era se basear nas cores e formas de pratos para criar roupas, depois de conhecer o trabalho de Marina o objetivo se tornou outro, bem mais ousado: transformar a comida em roupa. A confeiteira, que gosta muito de criar, já havia desenvolvido, há algum tempo, um “tecido” elástico de chocolate com acabamento de uma pintura que imita um veludo, e apresentou, em 2024, sua criação na semana de design mineiro, na UEMG.


Vitória descobriu esse trabalho da confeiteira pela apresentação e por meio de Carlos Penna, designer amigo de Marina e dono da marca em que a estudante trabalha. “Ela me convidou para ir até sua casa, conversamos e tivemos muitas ideias”, conta Vitória destacando o sucesso da parceria recém-criada.

Processos

A criação desse material é complexa, pois exige que o chocolate seque sem endurecer e nem perder a elasticidade. “Não sou a pessoa que descobriu como dar elasticidade ao chocolate, essas técnicas já existem”, deixa claro Marina. Para o veludo de chocolate, no entanto, ela desenvolveu uma receita especial, para que o resultado fosse o mais próximo de um tecido de fato, e que pudesse ser costurado e até mesmo ingerido.

O veludo de Marina é composto por uma mistura de cacau, agar-agar, pectina e gelatina. Todos esses itens auxiliam, justamente, na consistência e elasticidade dessa massa, que, depois de feita, é disposta em “tapetes” de plástico para tomar forma de um tecido fino. “O chocolate é mais de 90% da composição do veludo”, destaca a confeiteira.


O tecido é finalizado com rendas de açúcar, com a pintura utilizando cacau e corantes alimentícios e com amido, que o deixa ainda mais parecido com um veludo. Esses processos finais são importantes também para que o chocolate não derreta ao ser manuseado ou vestido.

Aplicação

Detalhe na manga das peças feitas em sarja

Natália Campos/Divulgação

Da mesma forma que a produção do veludo não foi fácil, a aplicação nas peças em sarja da coleção também apresentou dificuldades. O veludo de chocolate é utilizado em detalhes nas mangas e golas das peças. Nas golas, ele é de fato costurado e não pode ser retirado, enquanto, nas mangas, ele é abotoado e é, portanto, removível.

Vitória conta que, até que chegassem nesse formato, onde o chocolate é costurado a uma fita de tecido que é então abotoada na manga, passaram por diversas tentativas e erros. “Para fazer a costura utilizamos o papel-manteiga. O veludo fica entre ele e o tecido da roupa”, explica a estudante, que diz ainda que no primeiro teste, ainda sem o papel-manteiga, a agulha sequer passou pelo chocolate.

Conceitual

Indo na contramão do que muito se enxerga, Vitória optou por assinar uma coleção não-comercial. “Essa coleção não funciona para a venda, o objetivo era unir a moda, a arte e a gastronomia e mostrar que a moda não precisa ser sempre comercial”, destaca.

Vale ressaltar que além do veludo de chocolate, a estudante utilizou, em sua coleção, outros alimentos significativos para ela. Uma das peças possui um suspensório feito de sementes de açaí e jarina, que conversam com sua origem nortista.

*estagiária sob supervisão de Isabela Teixeira da Costa

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