Desde a primeira edição da CasaCor Minas o Caderno Feminino cobre as mostras de decoração da cidade. Por sinal, a primeira que teve por aqui foi o Decora Fácil, criada pela editora deste suplemento, a jornalista Anna Marina Siqueira com o empresário Jorge Norman e sua mulher Elisa Ordones, da Tecnitur, para a feira Unilar.
boemia, instalação com copos lagoinha em estrutura de Beth Nejm - estante para dividir ambiente
A proposta era que decoradores criassem ambientes de bom gosto, no local, usando mobiliários, luminárias e adornos de expositores da feira. Foi sucesso. Pouco tempo depois chegou a CasaCor Minas, muito maior e mais sofisticada. A proposta era valorizar o trabalho dos designers de interiores e do arquiteto. Não se via mobiliário de designer brasileiro. Tudo era importado. A maioria cópia da feira de Milão. Até que os irmãos Campanha estouraram internacionalmente em 1998, e, a partir de então, os olhares se voltaram para os criativos da terrinha.
O mineiro Sérgio Stark é um desses designer que exala criatividade, dom inato. Começou jovem como marceneiro, no Rio de Janeiro, onde trabalhou na fabricação e montagem das casas de madeira da SR2, empresa do arquiteto Sergio Rodrigues. Foi o contato que teve com o xará que o levou a se interessar pelo design. “A convivência com Sérgio Rodrigues foi pouquíssima, mas importante. Ele me mostrou quem era Joaquim Terreiro, Zanini... E dizia que eu era esperto, mas muito bruto, não tinha delicadeza nem poesia. Foi ele que me deu esses toques de design”, relembra.
Biombo dominó
Stark conta uma passagem curiosa com Rodrigues. Nas casas pré-fabricadas tinha a escada Santos Dumont, para quem não conhece, para subir tem que começar com um pé e terminar com o outro. Pode-se dizer que se trata de uma escada difícil de subir e de descer. “Eu subi, mas tive que descer de costas e falei alto, 'quem coloca uma escada dessa numa casa?' Sérgio ouviu e disse 'sabia que quem fez essa escada foi a mesma pessoa que inventou o avião?'. Respondi 'pra você ver, tem hora que a gente acerta e tem hora que a gente erra'. Foi uma gargalhada geral. Ele sugeriu que eu fosse na casa do Santos Dumont, em Petrópolis, fui e fiquei encantado. Um homem genial morava em uma casa com tudo ajeitadinho, tudo mínimo. Nunca mais esqueci”.
A prova disso, é que para a edição da Modernos Eternos de 2023, na Praça da Liberdade, ele criou uma estante grande, a Encantada – nome da casa do Santos Dumont – na qual Stark representa os degraus da escada criada por Dumont, fazendo uma escultura com ela. “São memórias afetivas que influenciam na minha vida e nas minhas criações".
Sérgio Stark no Banco Miró, em madeira maciça, para hall de edifício no Vale do Sereno
Autodidata, Sérgio Stark retornou para Belo Horizonte para ficar perto de sua mãe, que já estava idosa. Abriu uma marcenaria na Pedreira Padro Lopes onde atuou por muito tempo. Depois foi conhecendo os arquitetos e decoradores do mercado. O primeiro escritório para o qual trabalhou foi o NBA projetos, de Juliana Boechat e Patrícia Nicácio. “Sempre fui cara de pau, me apresentava para as pessoas. Devo ter sido o primeiro marceneiro que foi para Milão. Comecei a apresentar meus desenhos de mobiliário para lojas como a São Romão. Aos poucos fui crescendo, mas na época o design brasileiro estava desprestigiado, praticamente copiávamos móvel italiano. Infelizmente ainda existe muita cópia, mas pra mim e pra muita gente acabou. Hoje, graças a Deus, tem muito design brasileiro autoral, mas naquela época era o que vendia. A virada de chave foi com os irmãos Campana que despertaram o interesse pelo design brasileiro. Nós temos um complexo de vira-lata, gostamos do que vem de fora."
Perguntado sobre o que mais gosta de fazer a resposta foi rápida: “gosto de criar”. E suas criações já lhe renderam dois prêmios IF Design Award, considerado o maior prêmio do mundo, com exposição no Museu da Casa Brasileira e dois Brasil Design Award, o maior prêmio do nosso país.
Foi atendendo um pedido das suas filhas que ele criou a mesa lateral Chanel – nome da cachorrinhas das meninas. “Acho casinha de cachorro uma coisa horrorosa para ficar dentro de casa, então criei a mesa lateral, com uma gaiolinha com balanço, que também pode ficar fixa. Gosto de colocar poesia nas coisas que crio, uma coisa lúdica, e sempre com a preocupação da utilidade e da usabilidade do produto. É um produto lavável que pode desmontar e tem dupla função. Gosto muito das coisas que tem mais de uma função”. A mesa é produzida pela Dona Flor.
Algumas coisas Sérgio cria por vontade própria, mas, por incrível que pareça, ele gosta de trabalhar por demanda. A peça que ele gosta mais é a poltrona de balanço em Pedra Sabão, intitulada Ana. Foi “encomendada” por um cliente que trabalha com a pedra, que o procurou para comprar um de seus móveis, disse ser admirador de seu trabalho e pediu que ele criasse algo para ele fabricar. “Eu desenhei e ele executou”.
Outra encomenda que agradou muito foi para a Belgo. Eles queriam um espaço de descompressão, Stark conheceu a fábrica e criou um banco de 16 metros, em estrutura metálica com 1.2 km de arame produzido pela Belgo. “Criei uma skyline das montanhas de Minas. Você olha o móvel de comprido e é como se fosse uma montanha, mas na verdade são chaises e poltronas para os funcionários deitarem e conversarem, e na frente tem 15 balanços que desenhei. Outro banco que criei foi para a construtora Arte Simetria. Está no hall de entrada do prédio Miró, no Vale do Sereno, é a assinatura do artista em madeira maciça para que as pessoas sentem, deitem e é bem instangramável”, conta.
Por conta da demanda Sérgio criou alguns móveis com vidro para a última edição da Modernos Eternos. “Uma empresa de vidro entrou como fornecedor e queria peças de vidro para lançar um vidro novo chamado fusi. A arquiteta Ila Gaudêncio abraçou o projeto, criou um espaço que era uma instalação muito interessante e me deram total liberdade de criar. Gostei muito, o vidro permite mais arte. Criei um bar que eu achei uma joia, trouxe um armário em uma madeira clássica – o pau ferro – um quadrado bem moderno e fiz as portas de vidro colorido, que antigamente usava nas casas, como se fosse uma colcha de retalho – mais uma memória afetiva –, os retalhos de vidro pintados à mão e fundidos, e os puxadores eu fiz de vidro. Fiz também uma estante. Como o ambiente chama Luz e Matéria quis trabalhar luz sobre a matéria, matéria é o vidro. A estante é enorme e as prateleiras fazem ondas como movimento da água, através do vidro cria um reflexo como se fosse a água na beira de uma areia. Em um degradê que vem das cores da prateleira consegui colorir a parede através do reflexo da luz sobre o vidro, o nome da obra é Alvorada. Chamo de obra porque ficou parecendo um quadro."
Sérgio Stark se classifica como um designer livre e eclético, porque gosta de tudo. “As coisas surgem meio que automático, as ideias caem na frente, não sei explicar”. E afirma não ter preferência de material. “Já trabalhei com madeira, vidro, aço, pedra. Acho tudo divertido, mas temos que ter muito respeito com o material, uma árvore leva 40 anos para crescer, a pedra é arrancada do chão, da montanha. Temos que respeitar, fazer um móvel realmente funcional, autoral. Meu sonho é que os herdeiros briguem para ficar com um móvel assinado por mim e não para saber quem pagará para “dispensar”. Gostaria que meus móveis fossem perenes. Tenho o cuidado de usar o material, reaproveitar, usar apenas a necessidade que o móvel exige, e usar sempre com muito respeito”.