Chefe da PCMG: 'A mulher não deve se calar em caso de violência doméstica'
A delegada-geral Letícia Gamboge, chefe da Polícia Civil de Minas Gerais, falou sobre o enfrentamento à violência contra a mulher ao programa 'Em Minas'
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Siga noA delegada Letícia Gamboge é a segunda mulher a comandar a Polícia Civil de Minas Gerais e está na corporação há 28 anos. Em entrevista ao EM Minas, na TV Alterosa, Gamboge falou sobre os desafios de estar à frente de uma instituição de maioria masculina, de sua trajetória até chegar a chefia geral da Polícia Civil, de projetos como o ‘Tá entregue’, que faz a recuperação e devolução de aparelhos celulares roubados para os donos.
Gamboge trata ainda do trabalho conjunto com a Polícia Militar, do combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, do enfrentamento da violência contra mulher, dos cuidados contra crimes cibernéticos e do combate aos delitos em ambiente rural.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista. O conteúdo também está disponível no canal do Portal Uai no YouTube.
Como é estar à frente dessa corporação tão importante no nosso estado, uma corporação de maioria masculina?
Estou à frente da chefia da Polícia Civil de Minas Gerais há mais de 2 anos e, de fato, é muito desafiador. Mas igualmente muito gratificante, pois temos uma equipe extremamente empenhada, comprometida com a segurança dos mineiros. Todo dia trabalhamos em prol da melhor estruturação institucional da Polícia Civil de Minas Gerais, bem como para valorização dos nossos servidores, para que possamos sempre trabalhar em prol dos mineiros, com a entrega de investigações qualificadas e a repressão efetiva à criminalidade do nosso estado.
Qual o maior desafio de estar à frente da Polícia Civil hoje?
São muitos desafios. Acho que o maior deles é, exatamente, a gestão de todos os projetos estratégicos da instituição. Temos uma carteira de projetos estratégicos, que estão inseridos no nosso planejamento estratégico. Temos o projeto sedes novas, passamos por uma total digitalização dos inquéritos policiais. Em Minas Gerais não temos mais inquéritos de papel, toda a tramitação é eletrônica. Estamos também investindo não somente em viaturas policiais, mas em tecnologia, para que tenhamos as melhores ferramentas para a investigação criminal.
Ao lado disso, dentro dos nossos eixos estratégicos, temos o eixo de valorização dos servidores, com uma série de medidas de gestão, voltadas para a valorização dos servidores. Dentre elas, a estruturação do hospital da Polícia Civil, que presta uma série de serviços aos servidores policiais, aos servidores administrativos, aos seus dependentes, para que eles tenham, efetivamente, uma condição de trabalho adequada e possam fazer as melhores entregas para a sociedade mineira.
A senhora está há 2 anos à frente da chefia da Polícia Civil, mas tem uma longa carreira dentro da corporação. Entrou em 1996 e já passou por várias chefias também, antes de chegar à chefia geral. Gostaria que a senhora falasse um pouco sobre a sua trajetória à frente da Polícia Civil.
Sou delegada de polícia há 28 anos, trabalhei em várias unidades, tanto territoriais quanto em unidades de gestão administrativa. Trabalhei na Corregedoria, no Departamento de Homicídios, no Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos). Fui diretora do Instituto de Identificação por duas oportunidades, superintendente de Planejamento, Gestão e Finanças da instituição. Posso dizer que fui extremamente feliz em todos os locais em que trabalhei. Porque o trabalho policial é extremamente gratificante, tanto na área finalística - que tive a oportunidade de trabalhar a maior parte da minha carreira - mas também na área meio, em que contribuímos para melhor estruturação institucional.
A senhora também participa de operações in loco, acompanhando as equipes? Não fica só no administrativo, também vai para rua?
A gestão da segurança pública, a gestão policial, implica tanto na gestão estrutural estratégica da instituição, mas também na gestão operacional. Temos indicadores importantes do trabalho policial e, dentre eles, está exatamente o resultado das investigações que são conduzidas nas nossas unidades policiais. As situações específicas, até em apoio às equipes operacionais ou situações que acompanhamos, por se tratarem de casos de maior complexidade, acabamos nos aproximando mais dessas equipes de investigação. E é muito gratificante estar, hoje, à frente da Polícia Civil de Minas Gerais.
Gostaria de falar sobre os projetos atuais da Polícia Civil. Começo falando de um que está muito presente em nossos jornais que é o 'Tá entregue', que trata da recuperação de aparelhos celulares e a devolução desses aparelhos para os donos. Como funciona a investigação e a identificação do dono desse aparelho para fazer a devolução?
Essa ação está sendo desenvolvida no âmbito do nosso Laboratório de Inteligência Cibernética, em conjunto, aqui na capital, com o Primeiro Departamento e com o Departamento de Investigação de Crimes contra o Patrimônio. Temos trabalhado em duas vertentes. Uma é a recuperação desses telefones e sua devolução aos seus legítimos proprietários e outra é a investigação relativa aos casos de furtos ou de roubos desses telefones celulares. É uma ação extremamente importante porque a proporção que temos a recuperação desses telefones celulares e os devolvemos aos seus legítimos proprietários, percebemos quão gratificante é o trabalho policial. Você tem uma entrega efetiva àquele cidadão. Muitas das vezes, aquela vítima não teve condições de comprar um outro aparelho ou está usando um aparelho emprestado ou de forma precária. E essa ação da Polícia Civil tem sido extremamente efetiva, com a recuperação de centenas de telefones e a devolução para mais de 1.500 titulares desses aparelhos de telefone celular.
Existe uma parceria com a Polícia Militar para esse trabalho de recuperação (de aparelhos celulares) e de outros casos, em outros crimes também?
Em Minas Gerais, trabalhamos na estratégia da integração das forças de segurança. Então, o nosso trabalho com a Polícia Militar é sistêmico, absolutamente integrado, para que tenhamos condições, de fato, de garantir a segurança de todos os mineiros. Realizamos, periodicamente, operações conjuntas com a Polícia Militar, articulação conjunta, de planejamento operacional também com a Polícia Militar. E é muito importante dizermos que Minas Gerais é um estado com 853 municípios e que precisamos ter essa capilaridade, tanto da Polícia Militar quanto da Polícia Civil, a medida da implantação das nossas unidades policiais, para atender todo o estado de Minas Gerais. Essa parceria e, mais do que isso, essa integração é essencial para a segurança pública.
Existe uma região do estado que seja mais preocupante para a Polícia Civil, em termos de criminalidade?
A atuação da Polícia Civil se dá em todo o estado, através dos nossos departamentos de base territorial, nossas delegacias regionais e nossas delegacias de polícia. Como já disse, trabalhamos dentro de uma sistemática de integração das forças de segurança, especialmente, com a Polícia Militar. Então, hoje temos um absoluto controle, inclusive com redução dos crimes violentos no nosso estado. Isso é fruto de trabalho, um trabalho árduo. E, com isso, reconhecemos e afirmamos que Minas Gerais é um estado seguro. Embora tenhamos realidades diferentes nos estados circunvizinhos, Minas Gerais é um estado seguro.
Comparando com outros estados, como é a atuação da Polícia Civil hoje em Minas? A senhora acredita que a atuação pode ser exemplo, em algumas áreas, para os demais estados?
Sem sombra de dúvidas. A Polícia Civil de Minas Gerais é uma polícia que trabalha em alta performance. Temos uma efetividade da investigação. Mais do que isso, trabalhamos com metas quantitativas e, sobretudo, qualitativas de resultados relativos à conclusão de inquéritos policiais, a prisões de indivíduos infratores da lei e a implementação de uma série de medidas judiciais em desfavor desses indivíduos. No que diz respeito às metas parametrizadas para a Polícia Civil, no ano de 2024, por exemplo, cumprimos mais de 120% da meta estabelecida como ferramenta de gestão interna da instituição. Hoje somos exemplos no que diz respeito à capacitação dos nossos servidores. Trabalhamos, por meio da nossa academia, com programa de capacitação continuada, tanto por ensino à distância, quanto com ensino presencial, com capilaridade em todo o estado. Temos equipes da Academia de Polícia que ministram esses treinamentos nos departamentos de base territorial, para que o nosso policial esteja extremamente qualificado e apto a dar essas respostas necessárias à criminalidade.
Qual a sua avaliação desses dois anos à frente da Polícia Civil?
Esses dois anos foram extremamente desafiadores, os mais desafiadores da minha carreira, dada a responsabilidade. Mas também o orgulho de chefiar a instituição na qual estou inserida há mais de 28 anos. Nosso balanço é extremamente positivo, de grandes entregas, como citei aqui. Algumas voltadas à valorização do servidor, outras voltadas à estruturação da instituição, inclusive tivemos, no transcorrer desses dois anos, a inauguração de quase 90 novas sedes da Polícia Civil. Isso tem um incremento logístico importante. Entregas de tecnologia, armamento novo para os policiais. Enfim, uma série de ações estruturantes da instituição. Mas acho que o resultado mais satisfatório é exatamente essa garantia da efetividade da investigação criminal. É a entrega que fazemos aos mineiros, de uma investigação qualificada, por uma instituição extremamente comprometida com a segurança do povo de Minas Gerais.
Como tem sido o trabalho da Polícia Civil voltado para repressão de crimes contra crianças e adolescentes, principalmente crimes sexuais? Como estão as operações?
A Polícia Civil tem trabalhado, sistematicamente, na repressão a todas as formas de violência contra crianças e adolescentes, especialmente no caso de violência sexual. E esse foi o tema do Maio Laranja, em que realizamos uma série de ações educativas, inclusive nas escolas, tanto da rede pública, quanto da rede privada, visando a conscientização de toda a comunidade escolar, além da identificação de possíveis casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Nosso trabalho é contínuo, temos unidades especializadas, exemplo aqui da capital, em que temos a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente. E, quaisquer situações atípicas, orientamos, especialmente a comunidade escolar - professores, diretores, ou os pais - que procurem as unidades da Polícia Civil e façam seu registro. Temos uma equipe extremamente capacitada e qualificada, para fazer esse acolhimento da criança ou do adolescente e identificar quaisquer situações que possam implicar em vulnerabilidade ou na prática de crimes.
Como identificar o abusador que, muitas vezes, está dentro do ambiente familiar? Como perceber que há algo diferente ou que aquela criança pode estar sendo vítima de algum tipo de abuso?
Percebemos diferentes cenários. Quando são crianças menores, muito pequenas, muitas vezes aquela situação é tão persistente, especialmente no ambiente doméstico, que só por meio dessas campanhas educativas ou de uma conscientização que é feita na escola, a criança se reconhece como vítima e acaba contando para a professora ou alguém da comunidade escolar. Acho que o mais importante é, realmente, a observação. Se há algum comportamento diferente dessa criança, se ela está mais retraída, se está triste, se há alteração comportamental para que aquele responsável possa fazer uma abordagem ou uma intervenção. E verificar se houve qualquer situação atípica ou qualquer ato de violência contra essa criança.
Se uma escola quer, por exemplo, a presença da Polícia Civil para fazer essas ações educativas, como deve ser feito esse contato?
Temos em nossas unidades policiais qualificados. Como disse, anteriormente, nossa academia de polícia trabalha sob a perspectiva da capacitação continuada e, para que esses policiais possam atuar tanto na investigação criminal, quanto apresentando essa temática através de palestras nas escolas. Aqui em Belo Horizonte, o contato pode ser feito por meio do Departamento Estadual de Investigação, Orientação e Proteção à Família, ou até mesmo da própria Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente.
Em Minas Gerais, noticiamos exaustivamente casos de violência contra a mulher. Como tem sido feito o trabalho da Polícia Civil para reprimir esse tipo de crime?
Hoje, a Polícia Civil conta com 70 unidades especializadas de atendimento à mulher. Temos delegacias de atendimento à mulher e, aqui na capital, além da delegacia, temos a Casa da Mulher Mineira. É muito importante que a mulher vítima de qualquer ato que configure violência doméstica ou familiar, em quaisquer das modalidades - violência física, sexual, psicológica, patrimonial - vá à delegacia e denuncie. Ela pode usar ainda, como meio de denúncia, a delegacia virtual. Por que se ela se calar, infelizmente, vai estar envolvida num ciclo de violência. A triste realidade é que, muitas vezes, aquele caso vai se reiterar. Há situações em que, infelizmente, ela pode ser vítima de infrações mais graves como o feminicídio. Então, a mulher não deve nunca se calar. Ela tem que denunciar porque o silêncio mata. Hoje, não só a própria mulher vítima pode denunciar, como também quaisquer pessoas que tenham conhecimento de que uma mulher está sendo vítima de violência doméstica e familiar.
A senhora citou a questão tecnológica nas operações da instituição. Quais são esses avanços tecnológicos que tem possibilitado o desempenho das operações de forma positiva?
A Polícia Civil dentro da sua estrutura conta tanto com o Laboratório de Inteligência Cibernética, quanto com laboratórios de investigação e lavagem de dinheiro. Temos capacidade técnica dos nossos policiais e a tecnologia necessária para a apuração dessas infrações. E é importante falarmos também, nesse viés de tecnologia ou de crimes praticados no meio virtual, que temos a Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Cibernéticos. É uma unidade extremamente importante porque é muito relevante que a população tenha cada vez mais consciência quanto a possíveis golpes que podem ser praticados por meio virtual. Trabalhamos com campanhas educativas, inclusive a nossa academia, periodicamente, oferta um curso, para a população em geral, para que haja uma prevenção em relação aos crimes praticados por meio virtual.
Em relação a crimes cibernéticos, qual a dificuldade na investigação de crimes que envolvem fraudes bancárias com o pagamento via Pix, por exemplo?
É muito importante que todos sempre chequemos quem seria o destinatário, antes de efetuarmos qualquer transferência via Pix. Até porque essa transferência é instantânea, imediata. E muitas vezes esses golpistas se valem de dados até falsos, para aplicação de golpes. A Polícia Civil tem trabalhado arduamente no combate a todas as formas de fraudes praticadas por meio eletrônico. Na semana passada, tivemos uma operação importante de repressão a crimes praticados por meio virtual, fraudes bancárias. Também, recentemente, tivemos outra investigação, com uma operação de grande repercussão, inclusive em vários estados da federação, de leilões falsos realizados por meio virtual. Então, é muito importante que toda pessoa, antes de fazer qualquer transação ou antes de disponibilizar seus dados bancários ou os dados de cartão de crédito, em qualquer site, cheque a segurança. Para que tenhamos a não incidência da prática desses crimes.
Agora, uma vez ocorrendo, é importante que se faça o registro, de forma mais breve possível, para que essa investigação seja iniciada e que possamos identificar quem são os responsáveis e, com isso, termos o indiciamento desses culpados.
Há algo mais que a senhora queira falar, como chefe da Polícia Civil de Minas Gerais, para ressaltar o trabalho que tem sido feito à frente da corporação?
No que diz respeito às atuações operacionais da Polícia Civil, é importante dizermos também quanto à ampliação das nossas delegacias especializadas de repressão aos crimes rurais. Hoje temos essas unidades especializadas.
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Como funciona e quais são os tipos de crimes?
Estamos falando de crimes que acontecem no ambiente rural. Então, são, especialmente, os crimes patrimoniais, em desfavor dos pequenos e grandes produtores rurais. Tanto aquele que pratica uma agricultura familiar, de subsistência e pode ser vítima, quanto o grande produtor. Temos estruturas de delegacias especializadas de repressão aos crimes rurais. Estamos em fase de expansão dessas estruturas, inclusive com um programa que tem sido extremamente exitoso, que é o “Campo Seguro”. Para que tenhamos tanto a conscientização desses produtores, para adoção de medidas prévias de segurança, mas também uma pronta resposta investigativa por parte da Polícia Civil. É importante que tenhamos esse registro pronto, por parte de quaisquer pessoas que sejam vítimas de crimes de quaisquer naturezas. Nós só desencadearemos essas ações, especialmente no que diz respeito aos crimes patrimoniais, a proporção em que as vítimas procurem as unidades da Polícia Civil ou façam os registros através do site da delegacia virtual.