Influência do crime organizado, aprofundamento de diferenças sociais, crescimento de áreas desestruturadas e uma cultura de armamento aliada à dificuldade de solução de conflitos sem uso de violência: esses são os principais ingredientes por trás dos crimes violentos nos maiores municípios do Norte de Minas Gerais. É o que aponta levantamento do Estado de Minas, com apoio de especialistas da área, sobre a violência urbana registrada em 2024 nas cidades mineiras com mais de 50 mil habitantes. Estupro, estupro de vulnerável e registro de homicídios estão entre os crimes violentos mais críticos da região, no comparativo com índices do conjunto dos maiores municípios do estado.

A origem

Os índices da reportagem foram gerados a partir de levantamento com recortes regionais, feito pela equipe do Estado de Minas com consultoria de analistas de segurança pública. Foram usados dados de 2024 da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre crimes, correlacionados com a demografia dos 72 municípios mineiros com mais de 50 mil habitantes, conforme o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


O crime de estupro, por exemplo, representa 5% da criminalidade violenta em geral na região – em Janaúba, chega a 7,7% –, enquanto a taxa no conjunto dos grandes centros mineiros é de 3,3%. Já o estupro de vulnerável é ainda mais representativo no Norte mineiro, com 13% ante 8,2% dos maiores centros do estado, com picos de 26% em São Francisco e 21,8% em Januária. Os homicídios chegam a representar 7,6% dos crimes violentos contra 6,8% no mesmo comparativo, sendo que em Januária o índice é de 17,1% e em Pirapora, de 13,4%.


Pirapora, com 55.606 habitantes, apresentou em 2024 a situação mais crítica, detendo a 11ª pior taxa de vítimas de homicídio (26,9 por grupo de 100 mil pessoas) e a 17ª pior de crimes violentos (174,4 por 100 mil) entre os municípios com mais de 50 mil habitantes do estado. Os outros representantes da região nesta listagem são Janaúba, Januária, Montes Claros e São Francisco.


O especialista em inteligência de Estado e segurança pública coronel Carlos Júnio, entrou em contato com comandantes e chefes de policiamento ativos e inativos do Norte de Minas em busca de informações para avaliar as causas dos crimes violentos na região. “O aumento da criminalidade não se deve apenas à insuficiência de efetivo policial ou ao uso de entorpecentes. O que os atores de segurança pública apontam ao lado disso são fatores estruturais, sociais e humanos, além do Judiciário, polícias e sociedade civil”, avalia. “Motivos para o aumento da criminalidade, com destaque para o Bairro Jaraguá 2 em Montes Claros, principalmente em crimes contra a vida e o patrimônio, variam desde atritos verbais e descuidos das vítimas até a cultura do machismo em casos de estupro de vulneráveis, sendo a arma de fogo um instrumento de fácil acesso e comumente utilizado na região”, completa o especialista.


Essas condutas ocorrem diante da dificuldade de imposição de limites e penas pelo Estado, segundo o coronel. “Foi muito destacada na região a contribuição central de fatores como a certeza de impunidade, a fragilidade do sistema punitivo e o descrédito no Judiciário. Somam-se a isso a influência negativa de condutas políticas, a fiscalização viária inadequada e as profundas desigualdades socioeconômicas, como a falta de emprego e a desesperança na melhoria da qualidade de vida”, enumera.


Somando os dados dos cinco maiores municípios da Região Norte, a taxa de criminalidade violenta é de 120,8 por 100 mil habitantes, e a de vitimização por homicídio se estabelece em 10 por 100 mil habitantes. Apesar de altos, os dois índices se encontram abaixo das taxas estaduais.

Zélia Mariely Santos foi morta aos 20 anos pelo ex-namorado em Montes Claros

Redes sociais/reprodução

A tipificação da criminalidade


Entre os delitos classificados como violentos pela Sejusp estão a extorsão mediante sequestro, o estupro em suas formas consumada e tentada, a extorsão, o homicídio (considerando as ocorrências, não o número total de vítimas), o roubo, o sequestro e o cárcere privado. Desses, os roubos consumados correspondem a 64,1% dos crimes violentos registrados nos municípios com população superior a 50 mil residentes no estado, configurando-se como a categoria criminal de maior influência sobre esse indicador de violência.


Os crimes violentos mais relevantes entre os cinco maiores municípios do Norte de Minas Gerais foram o roubo consumado (40,2%), homicídio tentado (18,3%), estupro de vulnerável consumado (11,6%), homicídio consumado (11,5%) e estupro consumado (6,3%).


A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública afirma que adota valores absolutos para as ocorrências em municípios que têm entre 50 mil e 100 mil residentes. Esta faixa englobaria São Francisco (52 mil), Pirapora (55 mil), Januária (65 mil) e Janaúba (70 mil). Por este critério, Janaúba, com 77 crimes violentos, tem mais ocorrências do que Ituiutaba (102 mil) e outros 18 municípios mineiros da mesma faixa populacional. As 15 mortes por homicídios de Pirapora deixam cidade em situação mais grave do que outras 13 com mais de 100 mil habitantes mineiras, como Nova Serrana, Pouso Alegre, Araguari, Barbacena e Poços de Caldas. Com 11 mortes, Januária se posiciona pior do que 11 desses grandes municípios.

Os bairros com mais vítimas de homicídios da Região Norte são o Centro de Pirapora (5,5%) e o Cidade Jardim (5,7%), no mesmo município, o Santos Reis (5,7%) e o Jaraguá 2 (3,8%), em Montes Claros e o Cerâmica, em Januária (3,8%). Vias de acesso públicas foram os locais de mais ataques (63,2%), seguido pelas casas (25%), bares, lanchonetes e restaurantes (5,9%).

Os meios de matar mais empregados foram as armas de fogo (64,2%), armas brancas (26,9%), enforcamento (1,5%) e uso de veículos (1,5%). Das mortes em que foi possível saber as motivações se destacaram principalmente as brigas e atritos (33,3%), envolvimento com drogas e tráfico (24,2%), vinganças (18,2%), motivos passionais (9,1%) e vantagem econômica (6,1%).

Sobre as relações entre assassinos e vítimas sabidas, a maioria não tinha relacionamento (62,1%), eram amigos ou conhecidos (20,7%), cônjuges e companheiros (6,9%) e filhos ou enteados (6,9%).


A dor por trás das estatísticas

Muito além dos números, os assassinatos deixam uma dor que parece nunca ter fim para parentes das vítimas. É o que enfrenta a família de Zélia Mariely Rodrigues Santos, de 20 anos, morta a facadas pelo ex-namorado, Gabriel Souza Lima Mendes, de 23, no supermercado onde a jovem trabalhava como caixa, em Montes Claros, município do Norte de Minas com 414,4 mil habitantes e incluído no levantamento do Estado de Minas sobre a criminalidade nos grandes centros das diferentes regiões mineiras.


Marcado pela brutalidade, o assassinato de Zélia Mariely foi um dos crimes recentes de maior repercussão na cidade. Conforme denúncia do Ministério Público de Minas Gerais, o autor foi ao local com uma arma de pressão e uma faca. A vítima tentou fugir, mas foi alcançada, dominada e morta com 15 facadas.


Preso no mesmo dia do feminicídio, Gabriel Souza Lima Mendes foi levado a julgamento no Tribunal do Júri em Montes Claros no último dia 15 de maio. Conforme a sentença, o réu foi condenado por feminicídio, emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. A pena foi estipulada em 45 anos e 10 meses de reclusão.


Além da perda, o crime deixou um sentimento de enorme indignação entre parentes de Mariely, moradores do Bairro Jaraguá 2, que figura no estudo do EM como uma das áreas com mais ocorrências criminais na cidade. “Nesse caso, pude ter mais contato com a família da vítima. Na minha visão, esse feminicídio destruiu além da vida de Mariely, a vida de toda a família”, descreve a advogada Amanda Mendes, que atuou como assistente de acusação no julgamento do réu confesso.


“Em todos os contatos que tive com a mãe da vítima, ela sempre expressou a dor da perda e a falta da Mariely. Além de serem mãe e filha, eram também melhores amigas”, revela Amanda. A advogada salienta que pessoas do convívio da jovem relatavam que ela era “muito dedicada à família e aos amigos”. “A todo momento, percebo que quem convivia com ela está apenas sobrevivendo e esperando que algum dia essa dor passe.”


A advogada ressalta que a condenação do réu trouxe certo alento para a família da jovem. “O sentimento que a família teve, assim como eu, como advogada, foi de justiça, por saber que nossas leis estão sendo aplicadas de forma severa. Sabemos que a Mariely jamais será trazida de volta, mas a família precisava dessa resposta para ter forças de seguir em frente. A condenação do réu refletiu na própria sociedade como resposta de que a Mariely não foi mais um número”, declara Amanda Mendes.


Colega de farda mata bombeiro

Outro crime de grande repercussão em Montes Claros e que deixou cicatrizes profundas na família da vítima foi o assassinato do tenente do Corpo de Bombeiros Militar Rafael Alves Veloso, de 42, morto a tiros pelo colega de farda Anderson Pinheiro Neves, sargento da corporação. O militar foi morto na porta de casa, quando saía para o serviço.

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Anderson fugiu e foi preso dias após o crime. Ele alegou que cometeu o homicídio por causa de desavenças com o colega. Em setembro de 2024, o sargento dos bombeiros foi levado a júri popular e condenado a 26 anos de prisão por homicídio qualificado. Ele está detido em Belo Horizonte.
Conforme fonte informou ao Estado de Minas, recentemente Anderson sofreu uma crise mental e esteve internado em um hospital psiquiátrico.

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