Uma coleta de rotina realizada por entomólogos, especialistas no estudo de insetos, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (Rppn) Vale Encantado, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, resultou em uma grande redescoberta. Os pesquisadores encontraram uma libélula da espécie Lestes quadristriatus, que estava "desaparecida" há mais de um século. Até essa pesquisa, publicada em dezembro de 2024, o último e único registro da espécie era de 1909, quando foi catalogada.
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Doutor em entomologia e um dos autores do artigo, Vinícius Lopez conta que, no início do ano passado, ele e colegas pesquisadores estavam fazendo coleta de rotina quando se depararam com uma libélula "bem diferente de tudo". Familiarizados com a área da Rppn Vale Encantado, a princípio, os estudiosos pensaram que poderia ser uma espécie nova.
“Era um bicho que basicamente ninguém conhecia mais, a única menção que tinha dele na literatura [científica] até então era a que houve na descrição que o entomólogo norte-americano Phillip Calvert escreveu em 1909”, afirma Lopez. A indagação deu início à pesquisa feita por ele e os pesquisadores Rodrigo Cezário e Felipe Datto-Liberato — os três ligados à Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e a Universidade de São Paulo (USP) —, e Javier Muzón, da Universidad Nacional de Avellaneda, na Argentina, e o pesquisador independente Frederico Lencioni.
Identificação
Vinícius Lopez explica que o processo para identificação foi muito investigativo e contou também com apoio do orientador e entomólogo Rhainer Ferreira. No andamento, os pesquisadores perceberam que havia semelhanças dos espécimes encontrados com a descrição de Calvert, mas com diferenças pontuais. Diante disso, solicitaram a um museu nos Estados Unidos fotos do holótipo, que é o exemplar de referência principal para uma espécie, a Lestes quadristriatus.
Ao analisarem e compararem com as libélulas que haviam encontrado, Lopez conta que ele e os colegas notaram que os espécimes eram extremamente parecidos com o holótipo descrito por Calvert, mas havia pequenas diferenças. No estudo de 1909, o pesquisador norte-americano descreveu que os machos da Lestes quadristriatus tinham entalhes no cerco, que são as "pinças" da libélula, e nos espécimes encontrados em Uberaba não havia.
A coleta foi realizada na Reserva Particular do Patrimônio Natural (Rppn) Vale Encantado, em Uberaba, cidade no Triângulo Mineiro
No entanto, com mais análises do exemplar referência, os entomólogos perceberam que partes do espécime estavam danificadas, possivelmente comidas por outros animais. Assim, os pesquisadores entenderam que Calvert descreveu as danificações como parte da morfologia da Lestes quadristriatus.
Atualizações
“Ampliamos a distribuição da espécie e a descrição original do Calvert. Atualizamos a descrição, uma vez que, hoje em dia, temos acesso a equipamentos muito melhores para conseguir avaliar a morfologia do bicho e técnicas de descrição de morfologia mais modernas”, afirma Lopez.
Além disso, a pesquisa preencheu uma lacuna que faltava no estudo Lestes quadristriatus: a descrição da fêmea.
A pesquisa também possibilitou que o pesquisador Javier Muzón descobrisse que um dos espécimes da coleção dele era, na verdade, uma Lestes quadristriatus. O animal havia sido encontrado em Corinto, na Região Central de Minas Gerais.
Importância e bioindicador
“Essa redescoberta é algo tão interessante quanto [uma descoberta] porque, mais importante do que conhecermos a identidade da espécie, é termos a possibilidade de conhecer a espécie de fato, seus comportamentos, suas características no ambiente, a importância ecológica em termos tróficos (...)”, afirma Vinícius Lopez. O entomólogo explica que ter acesso a essas informações permite que pesquisadores consigam usar a espécie para entender melhor um ecossistema, por meio da relação dela com outros organismos e impactos no meio ambiente.
O pesquisador afirma que, no geral, libélulas são bioindicadores, ou seja, podem ser utilizadas para revelar e compreender a qualidade ambiental de um ecossistema. Como exemplo, ele cita a presença ou a falta das libélulas na água, onde vivem na fase larval, que podem indicar um possível impacto no ambiente aquático.
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O entomólogo acredita também que o uso de bioindicadores tende a ser melhor do que indicadores químicos. “Análises químicas são como uma fotografia 2D do ambiente, é [a representação] daquele lugar que eu peguei. Quando uso uma espécie, é como se eu tivesse analisando uma imagem 3D, porque aquela espécie ocorre em toda uma região, ela é influenciada por vários fatores, então acabam sendo ferramentas mais eficazes”, explica Lopez.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata