Imagem de Santa Mestra vendida há 70 anos será devolvida a Santa Luzia
Justiça ordena devolução da peça sacra do século 18 que teria sido vendida a um colecionador na década de 1950, e foi comercializada em leilão em 2003, no Rio
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Siga noSão mais de 70 anos de ausência do altar e de espera pelos fiéis. Alguns desses, infelizmente, não viveram o bastante para ver o retorno, mas, para as novas gerações, fica a lição positiva de luta pelo patrimônio cultural e valorização dos bens da comunidade.
Agora, vem a notícia ansiosamente aguardada. A Justiça manteve a decisão que determinou a devolução da imagem barroca de Santana Mestra à Paróquia de Santa Luzia. O pedido partiu do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A peça sacra de mais de 200 anos foi identificada num leilão, quando estava exposta à venda em conjunto com outras esculturas e oratórios.
Após análise técnica, o MPMG concluiu haver fortes indícios de que a Santana Mestra era de uma capela do município de Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH. A partir daí, ajuizou ação civil pública requerendo a restituição do objeto de fé ao seu local de origem.
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Na sentença, foi negado o pedido de devolução à paróquia, sob o argumento de que o templo original, no qual a imagem estava exposta, havia sido demolido. Após recurso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em julho de 2024, determinou que a imagem retornasse à paróquia de origem. Posteriormente, os réus ajuizaram embargos de declaração, porém no último dia 27 o TJMG recusou o recurso e confirmou a decisão que determinou a devolução da peça sacra a Santa Luzia.
Conforme a decisão, em caso de não mais existir o templo religioso de origem, a imagem deve ser levada para outro espaço físico religioso da mesma comunidade paroquiana: “Traduz-se, assim, o sentido de pertencimento que une obra e comunidade e que orienta a preservação da memória artística e cultural”, afirma o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural, Marcelo Azevedo Maffra. "A decisão do TJMG representa uma grande vitória para a sociedade, pois garante a manutenção de um bem cultural na comunidade ao qual está vinculado, preservando suas funções devocionais, históricas e artísticas." Ele ressalta que merece destaque o teor do acórdão proferido no julgamento da apelação que, entre outros aspectos, reconheceu a importância do retorno dos bens sacros a seu local de origem em razão da vinculação da imagem sacra à comunidade.
Vozes femininas
Na longa batalha para resgate da imagem, que se compõe da Santana Mestra (62cm de altura), encostada no espaldar de uma cadeira (90cm), e da Virgem Maria (53cm), de pé, muitas vozes se levantaram. Na década de 1980, um documentário produzido pela Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia forneceu material valioso ao processo. Na gravação, a moradora do Centro Histórico, dona Augusta Dolabella (já falecida), falava sobre a venda da imagem de Santana Mestra, que pertencia ao acervo do santuário.
Foi também fundamental à investigação a participação das moradores de Santa Luzia, Dalma Martins e Maria Francisca Augusta, a dona Mariínha (ambas então com 83 anos), com depoimentos prestados, em 2007, ao promotor de Justiça, Marcos Paulo de Souza Miranda, e a diretores do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
As duas se lembravam, com detalhes, da imagem desaparecida e mantinham a esperança de que retornasse à cidade. Dona Mariínha, que várias vezes disse que não gostaria de morrer sem ter a imagem de volta, declarou ao Estado de Minas, que acompanha a história desde o início: “Nosso desejo é que ela volte o mais rápido possível. Vamos fazer muita festa para recebê-la”.
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O retorno da imagem deverá ocorrer entre agosto e setembro. Na página ao lado, conheça outra mulher de destaque no patrimônio – personagem de uma história que envolve o mesmo leilão ocorrido no Rio de Janeiro em 2003.