HABILITAÇÃO DE CONDUTORES

CNH sem autoescola: menor custo ou risco à segurança?

Setor e especialistas rechaçam plano revelado pelo ministro dos Transportes de tornar aulas nos CFCs facultativas para baratear sistema

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O governo federal estuda suspender a obrigatoriedade de frequentar Centros de Formação de Condutores (CFC), também conhecidos como autoescolas, para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio). Desenvolvido pelo Ministério dos Transportes e divulgado pelo chefe da pasta, Renan Filho, o projeto tem como objetivo, segundo ele, “democratizar o acesso à habilitação”. No entanto, especialistas em trânsito e transporte ouvidos pelo Estado de Minas avaliam que sua adoção colocaria em xeque a segurança nas vias. Para profissionais do mercado, a proposta responsabiliza as autoescolas e ignora outros custos elevados do processo, como as taxas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).


Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, o ministro Renan Filho defendeu que a ideia é reduzir custos no processo de obtenção da habilitação, que seria a principal razão para pessoas legalmente capacitadas não dirigirem ou pilotarem atualmente. “A obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) está diretamente ligada ao acesso ao primeiro emprego, à mobilidade e à qualificação para atividades profissionais que vêm crescendo, como entregadores e motoristas de aplicativo. Mas, com um valor que ultrapassa fácil os R$ 3 mil, para muitos brasileiros a CNH é algo inacessível”, disse.


Segundo Renan Filho, as autoescolas vão seguir ofertando aulas e serão mantidas as exigências de aprovação na prova prática e teórica do Detran, com a diferença de o candidato poder se preparar “da forma que achar mais adequada e minimizando os custos”. De acordo com o Ministério dos Transportes, o interessado em obter a carteira vai poder contratar um centro de formação ou um instrutor autônomo credenciado nos Detrans e na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Para Renan Filho, essa mudança também reduziria a burocracia do processo.


"Vai ser um programa transformador. Nós não estamos inventando roda, estamos usando a experiência internacional. "Na Inglaterra, por exemplo, não há obrigação de passar por curso de direção para obter a habilitação. Nos EUA, a maior parte dos estados não exige aulas de candidatos com mais de 18 anos”, disse Renan Filho.


De acordo com um levamento feito pela pasta para fundamentar a proposta, 54% da população não dirige ou dirige sem habilitação e 60% das mulheres em idade de tirar carteira não têm habilitação. O Ministério dos Transportes não informou qual foi a abrangência da pesquisa, quantos foram os entrevistados nem quando foi realizada. O Estado de Minas solicitou essas informações à pasta, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.


“O modelo valoriza a formação baseada na demonstração de conhecimento e habilidades, por meio dos exames teórico e prático, garantindo que o candidato esteja apto para conduzir”, corrobora o secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão. De acordo com o Ministério dos Transportes, o projeto foi concluído pela pasta e aguarda aprovação da Casa Civil da Presidência da República para ser implementado.

Reação contrária


“É um retrocesso. Eu discordo. O Brasil é um país em que acontecem muitos acidentes de trânsito, inclusive com muitas mortes, e uma das causas está associada à forma como os motoristas dirigem. Ou seja, ao comportamento das pessoas”, afirma Agmar Bento Teodoro, professor do Cefet-MG especialista em segurança no trânsito. Para ele, a formação na autoescola tem papel fundamental na prevenção de acidentes nas vias, uma vez que não se limita apenas ao ensino de técnicas de direção, mas também sobre conceitos de cidadania, ética e moral. “Ao colocar essa formação como facultativa, a gente pode estar formando motoristas não tão conscientes sobre como segurança de trânsito deveria ser”, afirma o especialista.


Doutor em Engenharia de Transportes, Frederico Rodrigues também considera que a mudança pode comprometer a segurança viária. Coordenador do curso de Segurança Viária do IPOS, ele avalia que o processo de formação adotado atualmente não condiz com a realidade no trânsito, mas defende que ele seja alterado e não excluído.

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O custo da carteira

Valores cobrados em Belo Horizonte

Taxa de inscrição para 1ª avaliação: R$ 110,62 (ao Detran)


Exame médico: R$ 221,85, pago na clínica (ao Detran)


Exame psicotécnico: R$ 221,85, pago na clínica. Se necessário repetir: R$ 88,72 (ao Detran)


Curso de aulas de legislação: valores variam, no caso da Autoescola Júnior as 45 aulas custam R$ 440


Taxa para fazer a prova de legislação: R$110,62. Se necessário repetir: R$110,62 (ao Detran)


Taxa de Licença de Aprendizagem de Direção Veicular (LADV): R$ 82,97 (ao Detran)


Curso de aulas práticas: valores variam. No caso da Autoescola Júnior é R$ 80 cada, sendo no mínimo 20 aulas obrigatórias


Taxa para fazer a prova prática de direção: R$ 110,62. Se necessário repetir: R$ 110,62 (ao Detran)
Aluguel do carro para fazer a prova prática: valores variam, no caso da Autoescola Júnior é R$ 300 por exame

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A Associação Mineira de Proteção aos CFCs (Ampcfc-MG), em manifestação pública emitida em colaboração com a Associação Brasileira das Autoescolas (Abrauto), também manifestou preocupação com a segurança no trânsito. “Essa medida negligencia a importância fundamental da formação qualificada para a segurança viária. Aulas teóricas e práticas, estruturadas por profissionais especializados, são essenciais para que futuros condutores compreendam as leis de trânsito, desenvolvam habilidades de direção segura e adquiram a consciência necessária para evitar acidentes.”, afirma em nota publicada ontem (29/7).


As duas entidades afirmam ainda que a aprovação da proposta poderá implicar a perda de requisitos de segurança no processo de formação, como a exigência de instalações apropriadas, veículos adaptados e secretaria para acompanhamento do processo.


Os especialistas ancoram suas ressalvas nos números. Somente em 2024, 89.919 pessoas foram vítimas de acidentes de trânsito em Minas Gerais, com 2.127 mortes, de acordo com o painel Acidente de Trânsito, desenvolvido pelo Observatório de Segurança Pública, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).


Mercado em Minas

Atualmente, em Minas Gerais, há cerca de 2 mil autoescolas credenciados, de acordo com a Coordenadoria Estadual de Gestão de Trânsito (CET-MG). Em Belo Horizonte, são 248 centros, entre eles o CFC Educatrans, onde Jaqueline Marques de Faria é diretora de Ensino. Para ela, a proposta desconsidera o lado das autoescolas, que precisam definir o valor agregado do serviço, considerando a contratação de profissionais qualificados, credenciamento junto aos órgãos competentes e entre outros custos.

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“Enfraquece o sistema de trânsito, valoriza o improviso e desvaloriza a vida”

Jaqueline Faria
Diretorado CFC Educatrans

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Além disso, destaca, há outros gastos no processo para habilitação que não são cobrados pelas autoescolas e não foram considerados na proposta de redução de custos. Entre eles, as taxas de exames médicos e psicotécnicos pagas aos departamentos estaduais de trânsito, que em Minas somam R$ 443,70. Os exames só podem ser feitos em clínicas credenciadas pelo Detran. “Se ele me apresentar um laudo médico ou passar (na prova) e realizar os mesmos exames pelo plano de saúde ou pelo SUS, isso não é válido”, explica Jaqueline.


Para a diretora de ensino, a proposta prejudica tanto os centros de formação quanto a sociedade em geral. “Enfraquece o sistema de trânsito, valoriza o improviso e desvaloriza a vida porque formar um condutor não é somente ensinar a dirigir, a gente tem uma função muito maior que isso: educar para conviver, respeitar e preservar”, afirma.


Presidente da AMPCFC, Daniela Corgozinho critica a responsibilização das CFC’s pela parte onerosa do processo. “Tendo em vista que o que encarece o processo são as reprovações, o modelo arcaico (...) e as taxas com valores altos que são cobrados por todo o Estado”, disse. O Estado de Minas solicitou também entrevista com representante do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Minas Gerais (Sindicfc-MG), mas não obteve retorno.


Sugestões

Proprietária da Auto Escola Júnior, com cinco unidades na capital mineira, Gisele Oliveira Silva Xavier defende que o processo de habilitação passe por mudanças que possam contribuir para sua desburocratização, sem colocar em risco o futuro das autoescolas e a qualidade dos condutores. Entre as as alternativas, ela sugere a revisão da carga horária mínima para as aulas teóricas e práticas ou sua extinção Ela argumenta que cada candidato tem uma demanda específica e acredita que o processo poderia ser mais convidativo sem esse limite. “A autoescola tinha que ser uma aliada nessa formação”, afirma Gisele.


Atualmente, para carteira tipo B, são necessárias 45 horas-aula teóricas e 20 aulas práticas. A empresária também concorda com alteração nas taxas cobradas pelo Detran “ainda muito mais altas do que R$ 80 em uma aula de direção”. A empresária cobra ainda incentivos do governo às autoescolas e diálogo na elaboração do projeto.


Candidatos aprovam

Estudante de administração pública, Ana Luiza Matias Costa começou a fazer a formação para se habilitar aos 24 anos. Entre as razões para ela não ter ingressado na autoescola assim que completou 18 estão a carga horária da preparação teórica, que teve dificuldade para conciliar com as horas de trabalho, e os valores, incluindo as taxas pagas ao Detran, que considera “abusivas”. Outro obstáculo enfrentado por Ana Luiza foi o prazo de um ano para a conclusão de todo o processo, incluindo exames médicos, aulas e aprovação na prova prática.


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A estudante considera que a não obrigatoriedade das aulas teóricas seria benéfica tendo em vista a carga horária. Já para as lições práticas, Ana Luiza acredita que é uma boa ideia desburocratizar o processo, desde que haja controle para garantir que apenas pessoas aptas a dirigir sejam habilitadas.


Vitória Gabriela Cardoso, de 21 anos, está fazendo a preparação teórica para se habilitar e acredita que se não fosse obrigatório frequentar a autoescola, o processo seria mais fácil para ela. A estudante de direito mora em Alpinópolis, no Sul de Minas, faz a formação em um CFC em Carmo do Rio Claro, na mesma região, e diz enfrentar dificuldades para conciliar o tempo para assistir presencialmente às 45 aulas da legislação. No geral, ela avalia positivamente a proposta do Ministério dos Transportes. 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

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