Quem passa hoje pela Avenida Cristiano Machado, seja no volante, a pé ou de ônibus, já se acostumou com a paisagem em obras depois de quase quatro anos de intervenções viárias, uma aposta da prefeitura para desafogar o tráfego no Vetor Norte de Belo Horizonte, onde há um problema histórico de trânsito. A recente liberação da segunda alça do viaduto no cruzamento com a Avenida Waldomiro Lobo, sentido bairro, na semana passada, é só o começo. Outras três grandes intervenções estão a caminho e prometem reconfigurar a mobilidade urbana da região até 2027.
A via, que integra o traçado da Linha Verde na ligação do Centro da capital ao Aeroporto Internacional de Confins, será redesenhada ao longo dos próximos anos. Ainda estão por vir o viaduto na interseção com a Avenida Sebastião de Brito, a nova alça de retorno na Saramenha e uma trincheira entre a Avenida Vilarinho e a MG-10, além de obras de paisagismo, drenagem e reurbanização em vários trechos. Ao todo, o investimento público ultrapassa R$ 400 milhões, somando recursos do Tesouro Municipal, da Corporação Andina de Fomento e do Fundo de Mobilidade Urbana (FMU).
Com obras de longo prazo, a aposta para desatar os “nós” no trânsito da Cristiano Machado estabelece um conjunto de estratégias para reorganizar o fluxo e eliminar semáforos, mirando especialmente na fluidez do tráfego, um dos gargalos da região. Também estão previstas adequações na circulação de pedestres, melhorando o acesso do público à estação de metrô Waldomiro Lobo.
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A expectativa é que, ao final de todo o pacote de intervenções na avenida, os motoristas economizem cerca de 20 minutos no deslocamento, melhorando também a acessibilidade aos bairros das regiões Norte, Pampulha e Venda Nova, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).
O que já foi feito
Depois de três anos de obras e seis meses de atraso em relação ao cronograma original, foi entregue na última semana a segunda alça do viaduto da Avenida Waldomiro Lobo, no sentido bairro, que encerrou a primeira etapa de obras previstas para atacar os gargalos históricos da via. A primeira alça, no sentido Centro, já havia sido liberada em novembro do ano passado, que era o prazo previsto no cronograma de obras para que toda estrutura estivesse concluída.
Com custo total estimado em R$ 104,8 milhões, a estrutura reconfigura o fluxo naquela interseção e, segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), já deve reduzir em até oito minutos o tempo de trajeto para quem passa pela região. A nova alça tem 400 metros de extensão e duas faixas de trânsito.
No entanto, os trabalhos ali ainda não terminaram. A prefeitura segue com a implantação de ciclovias — tanto no acesso à alça norte quanto na pista sentido aeroporto —, além de contenções, paisagismo e urbanização do entorno. A previsão é que essas intervenções sejam concluídas nos próximos meses.
O viaduto recebeu o nome oficial de “Sargento Roger Dias”, em homenagem ao policial morto durante uma abordagem em janeiro de 2024. “A implantação tem como principal objetivo aumentar a capacidade de tráfego da Avenida Cristiano Machado e reduzir os congestionamentos frequentes, beneficiando diretamente os bairros das regiões Norte, Pampulha e Venda Nova”, destacou a prefeitura por meio de nota.
Novos viadutos
Mais adiante, na altura da estação de metrô Primeiro de Maio, outro grande canteiro de obras começa a tomar forma. Trata-se da construção de um novo viaduto na interseção com a Avenida Sebastião de Brito, que, além de reestruturar o tráfego na região, servirá como ligação direta entre os bairros Primeiro de Maio e Dona Clara.
Orçada em aproximadamente R$ 90 milhões, a intervenção aguarda o remanejamento da rede da Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig), que, segundo a Prefeitura de BH, precisa ser realizado pela própria concessionária. O Executivo municipal não detalhou os prazos, apenas informou que, enquanto esse processo não é concluído, os trabalhos da prefeitura estão suspensos.
Inicialmente prevista para ser concluída no segundo semestre de 2025, a obra já teve o prazo estendido para 2026. Além da construção do viaduto, o projeto é tocado em paralelo às obras contra inundações, outro problema histórico da Cristiano Machado, e melhorias no entorno da estação de metrô, com foco na acessibilidade de pedestres.
Se hoje fazer o retorno para a Cristiano Machado pela Avenida Saramenha já é um desafio para os motoristas, a perspectiva é de que a situação só melhore mesmo em 2027. Está prevista para o primeiro semestre deste ano a entrega de uma nova alça de retorno, que promete dar fim a um dos pontos mais conflituosos da malha viária da Região Norte. “O novo viaduto possibilitará que os veículos vindos da Saramenha acessem a pista da Cristiano Machado sentido Centro da cidade com mais segurança e facilidade”, destacou o Executivo municipal em nota.
Com investimento de R$ 29,2 milhões, a intervenção, segundo a PBH, vai conectar os dois principais eixos de mobilidade da cidade: o norte-sul, via Cristiano Machado, e o leste-oeste, via 590. A previsão é que a nova alça reduza o volume de tráfego dentro dos bairros próximos, hoje obrigados a absorver parte dos deslocamentos de motoristas que precisam fazer o retorno.
Nova trincheira
Uma das intervenções mais esperadas da Cristiano Machado ainda não saiu do papel. Anunciada pela prefeitura em 2023, a obra da trincheira entre a Avenida Vilarinho e a MG-10 teve a licitação aberta em dezembro do ano passado e, segundo divulgado pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi), deveria ter começado em abril deste ano. No entanto, até o momento, apenas a homologação foi concluída, e a ordem de serviço ainda não foi assinada.
O projeto terá até 780 metros de extensão, passando sob a via, com a criação de um boulevard no trecho coberto — em frente à Catedral Cristo Rei —, além do alargamento do viaduto existente sobre a linha do metrô. Além da trincheira, a obra inclui ajustes de drenagem, nova iluminação e requalificação urbanística. A obra será financiada com recursos do Fundo de Mobilidade Urbana (FMU), com investimento inicial de R$ 161,6 milhões.
Poeira e prejuízos
Enquanto não ficam prontas, as obras na Avenida Cristiano Machado seguem alterando a rotina de quem vive, trabalha ou simplesmente passa pela região. A reportagem percorreu a avenida e conversou com comerciantes e moradores no entorno dos viadutos para entender como têm lidado com o dia a dia entre máquinas, poeira e desvios viários. Dona de uma hamburgueria instalada a poucos metros do primeiro viaduto, Cleuza Amaral, de 59 anos, viu o movimento no balcão despencar desde o início das obras.
“Muita gente que passava por aqui de manhã para pegar um lanche, a caminho do trabalho ou da escola, passou a dar a volta no quarteirão. A gente sentiu direto no caixa. Foi um período bem difícil”, relata. Para tentar contornar a situação, ela ampliou o serviço de delivery. Ainda assim, os prejuízos foram inevitáveis. “Não dá nem para calcular. A gente segurou como pôde”, conta.
A esperança dela é de que, ao final das intervenções, a melhora na mobilidade traga de volta os antigos fregueses. “Vamos aguardar. É o jeito, né?”, diz Cleuza. A lanchonete foi montada na garagem da casa da família, que convive há quase quatro anos com o barulho das máquinas e a poeira constante. O ruído, principalmente no começo da obra, invadia as madrugadas. “Eles esquecem que tem gente morando aqui. Agora está melhor, mas teve dia que ninguém conseguia dormir”, desabafa.
Do outro lado do balcão, a cunhada Gleice Prates, de 42 anos, também sente os efeitos das obras. “A poeira nem se fala. Eu tenho rinite, e meu nariz vive entupido, escorrendo. Não tem trégua”, conta, interrompendo a fala para “fungar” discretamente. Ela passa o dedo sobre a estufa onde ficam os salgados e mostra o rastro de poeira recém-assentada. “Se você limpa agora, daqui a pouco tem que limpar de novo”, conta.
Mais adiante, o mecânico Pablo Ramon, de 40, precisou lidar com problemas de segurança e acesso. “Abriram um buraco enorme aqui na frente. Uma pessoa quase caiu. Avisei os trabalhadores, mas ninguém fez nada. Tive que tapar por conta própria, jogando pedra e terra para evitar um acidente maior”, conta. Segundo ele, só recentemente o trecho foi asfaltado.
Outro episódio que o deixou indignado foi o fechamento inesperado da entrada da borracharia, bloqueando até a saída de clientes que estavam sendo atendidos. “Eles simplesmente interditaram, sem aviso”, critica. Mesmo diante das dificuldades, Pablo reconhece a importância das obras. “Belo Horizonte precisa, sim, de melhorias. Vai ser bom para a cidade. Só acho que podia haver mais respeito com quem já está aqui. Obra causa transtorno mesmo, mas isso não impede que seja feita com diálogo”, cobra.