Mais de seis anos depois do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Central de Minas, parentes de 116 vítimas serão indenizadas. As famílias que aderiram ao acordo firmado pela Vale serão ressarcidas até o dia 1° de agosto. A tragédia, que ocorreu em janeiro de 2019, vitimou 272 pessoas.

Segundo a Justiça do Trabalho, o número de famílias indenizadas corresponde às vítimas que trabalhavam na mineradora, pessoas que não tinham relação jurídica com a empresa, familiares que não ingressaram com ações judiciais ou que perderam processos judiciais e até dois nascituros, que eram gestados por mulheres que morreram no acidente.

Para as famílias, apesar de oferecer um pouco mais de dignidade, o valor não paga as vidas ceifadas. Alguns dos familiares das vítimas relatam problemas de saúde desenvolvidos nos últimos anos devido ao trauma. A batalha judicial também desgasta aqueles que perderam entes queridos.

 

O acordo é bem avaliado pela presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Brumadinho (Avabrum), Nayara Porto, que considera digno de comemoração, pois, segundo ela, é a primeira vez que as vítimas são reconhecidas.

"A gente sabe que foi algo terrível que aconteceu com os nossos e esse acordo é importantíssimo, tem um significado muito grande para nós", diz.

Nayara, que perdeu o marido na tragédia, também reconhece o trabalho feito pela Avabrum nos últimos seis anos e pontua que, embora o direito tenha chegado, a Justiça tardou, pois, para ela, o ideal é que os responsáveis sejam penalizados.

De acordo com a presidente da associação, a intenção não é condenar ninguém, individualmente, mas é necessário que haja um júri para que, então, seja provado de quem é a culpa da tragédia. Para ela, a Justiça caminha a passos lentos no Brasil, dado o histórico de tragédias envolvendo o rompimento de barragens nos últimos dez anos, como o que ocorreu em Mariana, também na Região Central, e que matou 20 pessoas.

"O nosso trabalho só acaba quando tiver essa justiça. É claro que o reconhecimento do sofrimento dos nossos é muito importante, mas é dinheiro. Mais uma vez é dinheiro e dinheiro nenhum paga a vida. Dinheiro nenhum vai trazer os nossos de volta. Os nossos estão presos debaixo de uma terra e quem matou eles, quem são os culpados, estão vivendo suas vidas", diz Porto.

Luta que continua

De acordo com a servente escolar Maria Regina da Silva, mãe da mecânica Priscila Helen Silva, que morreu aos 29 anos no desastre, além de sofrer com a perda, ela também encara a injustiça ano após ano. Ela afirma que não há dinheiro que supra a dor da perda, pois a indenização não traz os entes de volta.

"Dinheiro não paga vida nenhuma e nem de perto supre a falta que a Priscila me faz e a necessidade de tê-la perto de mim. Os acordos têm que ser feitos, mas não é a justiça efetiva. A justiça verdadeira só será feita quando essas pessoas que foram culpadas, que foram determinadas numa investigação criminal, culpadas, forem efetivamente responsabilizadas por aquilo que elas fizeram ou deixaram de fazer", lamenta Maria Regina.

Segundo a mãe da vítima, é uma luta constante conviver com o luto e ainda lidar com os processos ao longo dos anos. Ela conta dormir e acordar pensando na tragédia e na impunidade dos responsáveis pelo desastre e morte das 272 pessoas. Mesmo cansada, Maria Regina reforça que não deixará de lutar pela responsabilização dos culpados e que, unidos, os familiares conseguirão a justiça que desejam.

 

A indenização, para a servidora, ajuda em questões básicas, como auxílio à saúde, física e mental, que ficou bastante abalada. Ela acredita que dinheiro ajuda a “distanciar” um pouco da situação, mas o desejo era ter a filha viva.

O mesmo é sentido pela dona de casa Iracema Dias de Oliveira, que perdeu o marido, na época com 36 anos. Ela também relata ter desenvolvido dores crônicas depois de enfrentar o trauma de perder o esposo, que deixou uma filha de outro relacionamento e que na época tinha apenas 15 anos. As duas receberão a indenização, mas desejam a punição dos responsáveis pela morte do familiar.

Iracema conta que o dia é especial, pois as vítimas foram reconhecidas, então é um passo importante para que a justiça seja realizada. No entanto, assim como Maria Regina, nada compensa a falta que o marido faz. Depois de seis anos, as datas comemorativas e os detalhes do cotidiano não são os mesmos para ela.

"A indenização permite que a gente tenha um pouco mais de dignidade para que a gente continue a lutar. A nossa luta também tem gasto, então o dinheiro ajuda e eu não tenho mais condições de trabalhar, mas não consigo nem falar em valores, porque até hoje eu nunca parei pra pensar em valores. É uma indenização em cima de toda a tristeza, dor e saúde que foi embora", relata.

Acordo

O balanço do acordo, que sela a situação das famílias das vítimas de Brumadinho, foi divulgado nesta quinta-feira (3/7) no Memorial Brumadinho. As outras 156 ainda não serão contempladas, pois as audiências ainda estão em curso.

Em dois meses, foram realizadas 160 audiências no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Cejusc) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), finalizadas em junho, e mais de 90 horas de reuniões para chegar à conclusão.

Segundo o vice-presidente do TST, ministro Maurício Godinho Delgado, o acordo foi bastante abrangente. O depósito dos valores integrais, de quantidade não divulgada a pedido dos familiares, será feito nos próximos dias. O processo segue em andamento para que eventuais novas vítimas possam se apresentar.

“Foram cerca de dez instruções públicas para que o resultado seja mais eficaz, mais rápido, mais abrangente e mais efetivo o possível. O processo envolve vários crimes. Cada crime exige uma competência diferente, então evidentemente, existe um único processo amplo envolvendo diversos processos, inclusive julgados como improcedentes”, disse Delgado.

A partir de agora, os processos serão remetidos à 5° Vara do Trabalho de Betim, responsável por transferir a indenização. A Vale S.A. deve manter a proposta e realizar o pagamento das indenizações trabalhistas dos familiares das vítimas que aderiram ao acordo até julho de 2026. Essa adesão ocorre em audiências de conciliação individuais, que vêm sendo realizadas com as famílias e seus representantes legais, da Justiça, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Vale.

 

"A Vale vai depositar o valor global e a atuação do técnico de Minas é justamente nesse processo piloto fazer a individualização de cada espólio das vítimas que aderirem ao acordo, porque esses espólios têm o direito de aderir ou não, mas é claro que nós esperamos que todos façam, porque a intenção da Vale é efetuar o pagamento, inclusive, àqueles que ajuizaram ações anteriormente e essas ações foram julgadas improcedentes", explica a presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG), Denise Alves Horta.

Além da indenização, a medida também foi importante para localizar familiares das vítimas, abrir novos processos de inventário ou reativação dos que estavam encerrados, abrir processos para divisão de bens não incluídos no inventário original e apoiar juridicamente os familiares para a adesão do acordo.

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Homenagens

Em cerimônia realizada no Memorial Brumadinho, as instituições envolvidas na realização do acordo foram homenageadas. Os representantes das entidades receberam uma medalha dos 20 anos do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Já o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), que atuou todos esses anos na busca pelas vítimas da tragédia, também receberam o reconhecimento.

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