O incêndio que atingiu uma agência do Banco do Brasil em Serro, no Vale do Jequitinhonha, na noite do último sábado (28/6), levantou um debate sobre a ausência de quartéis do Corpo de Bombeiros em cidades históricas de Minas Gerais. O município não possui uma unidade da corporação.
No último fim de semana, um homem de 40 anos foi preso depois de ser flagrado, por imagens de uma câmera de monitoramento, colocando fogo na agência, localizada no centro histórico da cidade. Quatro terminais eletrônicos, dez computadores, três impressoras, três televisores e aparelhos de ar-condicionado foram danificados. Segundo a prefeitura de Serro, foram utilizados dois caminhões-pipa do município e um da Copasa para atuar no resfriamento do local e evitar a reignição das chamas.
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A Polícia Militar (PMMG) acionou o Corpo de Bombeiros, mas o município não tem unidade própria dos militares. Por isso, a corporação mais próxima, em Diamantina, que fica a quase 90 quilômetros de distância, atendeu a ocorrência. Quando a equipe chegou, o fogo já havia sido controlado por populares e agentes da prefeitura.
Em nota, a gestão municipal informou que o prefeito da cidade, Nondas Miranda (PL), esteve no local, acompanhou toda a operação e disse que seguirá buscando, junto ao governo de Minas, a instalação de uma brigada do Corpo de Bombeiros na cidade, visando maior segurança em situações como a de sábado.
“Serro tem cerca de 320 anos de idade. Um prédio no centro de uma cidade histórica pegando fogo e, se não fosse o caminhão-pipa da prefeitura e da Copasa, o centro histórico estaria todo destruído. É uma vergonha isso! Já fui diversas vezes ao governo de Minas requerer a instalação de uma unidade do Corpo de Bombeiros aqui, mas sempre alegam que o critério para aprovação é o município possuir mais de 30 mil habitantes, e o Serro tem 22 mil”, disse Nondas Miranda.
Ao Estado de Minas, o Executivo municipal defendeu que a prioridade do governo para a instalação de quartéis do Corpo de Bombeiros deveriam ser municípios tombados e com patrimônio histórico.
Reforço para evitar danos
“Se não fosse o trabalho rápido da prefeitura, da Copasa, da polícia e de populares, todo o centro histórico da cidade teria pegado fogo. Tentarei, novamente, sensibilizar o governador com meu pedido e solicitar nem que seja um posto avançado do Corpo de Bombeiros em Serro”, disse o prefeito.
Nondas relatou que os dois caminhões-pipa da prefeitura estão sempre abastecidos por determinação municipal para atuar em caso de incêndios. Segundo o prefeito, o batalhão do Corpo de Bombeiros seria útil no local em diversas outras ocorrências, como salvamentos e resgates. “A cidade de Serro é rodeada por belas cachoeiras. O quartel do Corpo de Bombeiros na cidade seria útil em todos os eventos”, disse.
De acordo com o prefeito, há 45 anos, o mesmo imóvel pegou fogo e precisou ser reconstruído. “O primeiro andar era uma agência bancária, e o segundo, era uma moradia. O proprietário ateou fogo no imóvel com ele dentro”.
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Procurada pela reportagem, o Escritório Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Serro informou que o imóvel atingido pelo incêndio integra o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, em reconhecimento à importância histórica e cultural do município para Minas Gerais e para o Brasil.
“Felizmente, graças à rápida ação da comunidade local, o fogo foi controlado a tempo, evitando perdas significativas ao patrimônio. Os danos registrados ficaram restritos à parte interna da agência bancária, aparentemente sem comprometimento da estrutura do bem tombado”, disse o instituto.
Propício ao fogo
A Câmara Municipal de Serro também manifestou apoio a Nondas Miranda nos pedidos para a instalação de uma unidade do Corpo de Bombeiros em nosso município. “O incêndio ocorrido no prédio do Banco do Brasil, além de causar prejuízos significativos, trouxe impactos diretos à rotina da população e evidencia, de forma contundente, a urgência da presença efetiva dessa corporação em nossa cidade. A Câmara, juntamente com todos os seus parlamentares, lamenta profundamente o ocorrido e se solidariza com os trabalhadores, clientes e cidadãos afetados por esse triste episódio”, comentou o órgão.
Preocupação
O comerciante José Flávio, de 66 anos, tem uma ótica que fica a 100 metros do imóvel que pegou fogo e concorda com a necessidade de um quartel do Corpo de Bombeiros na cidade. “Passou da hora de Serro ter um quartel. Somos uma cidade histórica, com casarões tombados e casas coladas, e muita madeira. O fogo passa de uma casa para outra muito rápido, e não temos um batalhão aqui. O mais próximo fica a 90 quilômetros de distância”, desabafou.
José ainda lembrou do último grande incêndio registrado na cidade, que atingiu o mesmo imóvel, há 45 anos. “Funcionava uma agência do Banco Real e uma moradia. Queimou tudo na época. O prédio precisou ser reconstruído”, disse ele.
Nondas não descarta pedir o auxílio da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACHMG) para tratar com o governo estadual a possibilidade da implantação de batalhões do Corpo de Bombeiros nos municípios que também não possuem quartéis próprios.
Além de Serro, fazem parte da ACHMG: Baependi, Barão de Cocais, Bom Jardim de Minas, Bom Jesus do Amparo, Brumadinho, Caeté, Catas Altas, Cataguases, Conceição do Mato Dentro, Congonhas, Couto de Magalhães de Minas, Datas, Diamantina, Diogo de Vasconcelos, Grão Mogol, Itabira, Itabirito, Itapecerica, Januária, Lagoa Santa, Mariana, Nova Lima, Ouro Branco, Ouro Preto, Paracatu, Passa Quatro, Piranga, Pitangui, Pouso Alto, Prados, Raposos, Sabará, Santa Bárbara, Santa Luzia, São Gonçalo do Rio Abaixo, São João del-Rei, São Thomé das Letras e Tiradentes.
Outros casos históricos
O prefeito de Ouro Preto, na Região Central de Minas, e presidente da ACHMG, Ângelo Oswaldo, reconhece a importância dos quartéis e cita outros casos de incêndio em centros históricos. Segundo ele, a cidade possui um desde a década de 1970, devido a um incêndio ocorrido por volta de 1940.
“Na ocasião, o Fórum da cidade, localizado na Praça Tiradentes, foi destruído. A reconstrução aconteceu durante o governo de Juscelino Kubitschek. A cidade é frágil e vulnerável, com construções antigas, muitas feitas de pau-a-pique e madeira, e as estruturas dos telhados contribuem para aumentar o risco de incêndios”, alegou.
Ângelo também relata o incêndio no antigo Hotel Pilão, também na Praça Tiradentes. “Ele tinha também algumas lojas, e o incêndio começou numa loja de pedras preciosas, uma joalheria. Um descuido provocou o incêndio”, relatou.
Além de Ouro Preto, o presidente afirma que Mariana e São João del Rei possuem quartéis dos bombeiros. Quanto a Tiradentes e Itabirito, Oswaldo conta que possuem brigadas de incêndio voluntárias. “Foi um movimento local da comunidade que gerou a criação de unidades de bombeiros voluntários”, comentou.
Segundo ele, o atendimento dos militares não deve se restringir a fogo e fumaça nessas cidades. Ângelo aponta os riscos de afogamento, uma vez que muitas cidades históricas atraem turistas em busca de um mergulho em cachoeiras. “Já tivemos acionamento de pessoas que vieram nadar e acabaram se afogando, ou caindo em grotões”, destaca.
Falta de efetivos
O presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (AOPMBM/MG), Ailton Cirilo da Silva, e o sargento Marco Antônio Bahia, da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra/PMBM), concordam com a necessidade de implantar quartéis em cidades históricas. No entanto, eles apontam alguns aspectos que ainda impedem essa instalação em todas as localidades.
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“No ano passado, a lei orgânica das polícias militares foi editada, e agora permite ao bombeiro militar a autonomia de firmar convênio com bombeiros voluntários. Isso porque entendemos que temos de preservar o patrimônio cultural”, afirma Cirilo.
Marco Antônio reafirma a vontade do Corpo de Bombeiros de capilarizar a presença em todas as cidades históricas, mas alega falta de efetivos. O previsto para a corporação é de 7.999 militares, conforme a Lei nº 22.415/2016. No entanto, em junho deste ano, o efetivo existente era de 5.888 bombeiros militares. Os números indicam um déficit de 26% em relação ao previsto pela legislação.
“Há uma escassez de efetivo na instituição. E à medida que vão entrando novos soldados, o comando tem a preocupação de guarnecer cidades menores que são acobertadas e acolhidas por outras maiores. Não tem um bombeiro fixo em cidade pequena, mas existe uma distância razoável, para outra cidade que pode dar cobertura”, explica Silva.
Critérios da corporação
O EM questionou o CBMMG sobre os critérios para a instalação de novas unidades, mas a corporação se limitou a informar, em nota: “O atual Plano de Comando prevê estrategicamente a instalação de quartéis de bombeiros em municípios com população superior a 30 mil habitantes. Os demais casos podem ser contemplados pela operacionalização de brigadas municipais, coordenadas pela corporação”.
A instituição ainda comunicou que, em 2024, registrou 114 atendimentos em Serro, e 62 vistorias. “Os dados reforçam que a cidade do Serro não está desassistida pela corporação”, concluiu.
O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) atualmente está presente em 97 municípios do estado, sendo que, em cinco desses, o atendimento ocorre por meio de Brigadas Municipais. Conforme a instituição, a partir dessas localidades, os serviços prestados cobrem todos os municípios.
Das 39 integrantes da Associação de Cidades Históricas, 27 não possuem um pelotão próprio. São elas: Serro, Baependi, Barão de Cocais, Bom Jardim de Minas, Bom Jesus do Amparo, Caeté, Catas Altas, Conceição do Mato Dentro, Couto de Magalhães de Minas, Datas, Diogo de Vasconcelos, Grão Mogol, Itabirito, Itapecerica, Nova Lima, Ouro Branco, Paracatu, Passa Quatro, Piranga, Pitangui, Pouso Alto, Prados, Raposos, Santa Bárbara, São Gonçalo do Rio Abaixo, São Thomé das Letras e Tiradentes.
Auto de Vistoria
Ailton Cirilo ainda comenta que a maioria das cidades históricas possuem museus, salões nobres e igrejas, e, por isso, existe a necessidade de emitir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). O certificado, emitido pelo Corpo de Bombeiros, atesta que uma edificação ou área de risco possui todas as condições de segurança contra incêndio e pânico previstas na legislação, confirmadas em vistoria.
“Observamos que muitas não tem (AVCB). É preciso focalizar essas cidades menores e exigir que esses imóveis tenham o documento, para que o bombeiro possa fazer a vistoria e verificar o que tem de errado”, destaca o presidente da associação.
Conforme o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o último levantamento de bens históricos e culturais que possuem o AVCB foi feito pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico (CPPC) em 2019. Há seis anos, os dados indicavam que, dos 3.539 templos religiosos identificados no estado, somente 122 possuíam a declaração de prevenção contra incêndio. Outros 1.088, por sua vez, não tinham o sistema de segurança contra o fogo.
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Incluindo outros bens públicos e particulares, em Belo Horizonte e no interior, o MPMG listou 6.620 imóveis para averiguação das condições de segurança. À época, apenas 256 desses imóveis tinham o AVCB, e outros 57 estavam em processo de obtenção. Além disso, outros 1.879 imóveis certamente não possuem AVCB, e eram desconhecidas as condições de um total de 4.218 construções.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata