A presença de um grupo de animais silvestres comendo pipoca chama a atenção de quem visita um dos pontos mais altos de Belo Horizonte. Por volta das 17h, a reportagem flagrou cerca de 12 quatis se alimentando de restos de pipoca deixados por um vendedor na entrada do Mirante das Mangabeiras, na Rua Pedro José Pardo, 1.000, na Região Centro-Sul da capital. Segundo os comerciantes do local, a cena se repete com frequência. Mas o que parece apenas um momento curioso e simpático esconde riscos para os animais e para o equilíbrio ambiental, aponta uma especialista.

Ao chegar ao local, a reportagem presenciou um grande grupo de quatis, bem à vontade perto das pessoas, se alimentando dos restos jogados próximos ao carrinho dos pipoqueiros Wanderlei Ferreira, de 58 anos, e Ítalo Inácio, de 25. Por conta das obras na Praça do Papa, Wanderlei passou a ficar na entrada do mirante. Trabalhando no local há cerca de um ano, ele conta que a presença dos animais já faz parte da rotina. “Mas isso aí tá pouco, normalmente é o dobro de quatis. Eles vêm no fim da tarde e pela manhã”, explica.

Enquanto Wanderlei conversa com a reportagem, Ítalo se abaixa e chega a dar os restos na boca dos animais. “Não tem perigo, eles são todos mansinhos”, brinca o pipoqueiro. Os dois contam que os animais não são agressivos, mas estão cada vez mais ousados. “Se a gente não jogar ali, eles roubam. Sobem no carrinho mesmo e pegam qualquer coisinha dando sopa. A gente joga pra eles darem sossego”, afirma Ítalo.

Na entrada do parque, a poucos metros do carrinho, uma placa da Prefeitura de Belo Horizonte orienta os visitantes: “Não alimente os quatis”. Além do alerta, a placa explica que há alimentos suficientes para os animais nas matas e que o descumprimento da orientação prejudica a natureza do local, além de representar riscos para visitantes e moradores da região.

Riscos 

Para a bióloga Fernanda Raggi, professora do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário UniBH, o contato frequente dos quatis com restos de comida humana — especialmente pipoca com sal e manteiga — pode alterar o comportamento natural da espécie e comprometer sua saúde.

Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras. Na foto Ítalo Inácio, 25 anos, trabalha como pipoqueiro na regiao a 3 anos Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipoca deixada por comerciantes na entrada do mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quatis pulam cerca para comer pipocas deixada por comerciantes na entrada do Mirante dos Mangabeiras Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

“Quando a gente alimenta animais silvestres, eles param de procurar alimento na natureza e passam a depender do ser humano”, explica. Segundo ela, isso gera uma cadeia de problemas, já que o comportamento do quati está sendo alterado. “Isso vai tirar o hábito silvestre deles de ir caçar ou de procurar frutas, já que entendem que o alimento pode ser adquirido de maneira mais fácil”, explica.

A bióloga ressalta que os quatis são mamíferos de médio porte, sociáveis, e por isso costumam andar em bandos. Mas alerta que a dieta deles inclui apenas frutas, pequenos insetos e sapos. “Além do risco de conter, em meio à pipoca, materiais nocivos que levam a óbito, o excesso de manteiga e sal pode causar problemas hepáticos e fisiológicos a esses animais”, afirma a professora.

Fernanda alerta que os quatis não têm o instinto humano de beber mais água ao comer alimentos salgados, e a alta quantidade de sal no sangue pode causar morte. “Além disso, a longo prazo, essa dieta alterada pode deixar os quatis obesos, prejudicando seu deslocamento pelo ambiente e afetando o ecossistema”, explica.

Os quatis, por se alimentarem de frutas, também são responsáveis pela dispersão de sementes, que podem germinar enquanto estão dentro de seus estômagos. “Ao deixar as frutas de lado, eles deixam de fazer esse processo fundamental para a biodiversidade”, conta Fernanda. A bióloga também chama a atenção para o risco de atropelamento, caso os animais saiam do parque para buscar alimento nas áreas urbanas.

O que pode ser feito?

A especialista defende que a reversão desse comportamento depende de medidas estruturais. “O parque precisa investir em enriquecimento ambiental. A única forma de reverter isso é oferecendo frutas no ambiente natural, em bandejas, para que os quatis voltem a se interessar pelo alimento deles”, conta.

Ela também destaca a importância da vigilância externa. “O entorno do parque precisa ser monitorado, com controle de lixo e trabalho junto aos comerciantes e frequentadores”, conta. Fernanda alerta que a orientação serve para todos. “Mesmo que o aroma e a mudança comportamental despertem a curiosidade dos bichos, não devemos oferecer nossos alimentos a eles”, explica.

“Outro que às vezes também aparece é o mico; comem da sua mão, se deixar”, revela o pipoqueiro Wanderlei. A bióloga alerta que, para qualquer animal silvestre, o risco é o mesmo, e relembra os três micos-estrela que foram encontrados mortos no Parque das Mangabeiras, em abril de 2025, diagnosticados com o vírus da herpes (HSV-1), que pode ser contraído por meio de alimentos oferecidos por pessoas contaminadas.

O que diz a prefeitura

Procurada pela reportagem, a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte informou que realiza campanhas educativas dentro dos parques e nas ruas próximas, com o objetivo de conscientizar a população sobre os riscos de alimentar animais silvestres.

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“As campanhas também são levadas aos comerciantes que trabalham dentro dos equipamentos e em ruas próximas. Alimentar animais silvestres traz riscos para os seres humanos e também para os animais, que podem contrair doenças capazes, inclusive, de causar a morte”, informou a fundação, em nota.

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