A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) ajuizou, no dia 3 de julho, uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Estado, pedindo a suspensão e republicação do edital de um concurso público das secretarias de Estado de Educação (SEE) e de Planejamento e Gestão (Seplag). A ação reivindica a inclusão de cotas raciais, com a reserva mínima de 20% das vagas para candidatos autodeclarados negros (pretos e pardos), indígenas e quilombolas. Em resposta, a SEE alegou que a legislação estadual vigente não prevê esse tipo de reserva. Enquanto isso, o debate sobre cotas raciais em concursos públicos segue paralisado há mais de uma década na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), sem regulamentação efetiva.

O concurso público da Seplag e da SEE oferece 13.795 vagas em todo o estado, com período de inscrições previsto para 21 de julho a 21 de agosto. No entanto, o edital prevê apenas a reserva de 10% das vagas para pessoas com deficiência, sem qualquer percentual destinado a candidatos negros (pretos e pardos), indígenas e quilombolas.

Entre os argumentos apresentados na ação coletiva, a Defensoria Pública sustenta que as cotas raciais já estão respaldadas e asseguradas pelo Estatuto da Igualdade Racial do Estado (Lei Estadual 25.150/2025). A norma, aprovada em janeiro de 2025, determina que o Estado de Minas Gerais deve garantir ações afirmativas para combater a discriminação, assegurar a diversidade étnica na esfera pública e promover a inclusão dessas minorias no mercado de trabalho.

Além da suspensão e republicação do edital do concurso, a ACP solicita ampla divulgação das alterações e aplicação de multa diária, pessoal e em desfavor do Estado, no valor de R$ 10.000 (dez mil reais), em caso de descumprimento.

Estado alega ausência de norma específica

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) afirmou que a reserva de vagas para pessoas negras não foi incluída no edital porque a legislação estadual vigente não prevê esse tipo de reserva.

OAB-MG aponta omissão do Estado 

Para Marcelo Colen, diretor de Diversidade e Inclusão da OAB-MG, o argumento da ausência de legislação específica tem sido usado de forma recorrente pelo Estado para justificar a não aplicação de cotas raciais em concursos, ignorando a existência de projetos de lei que tramitam há uma década na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Marcelo explica que, em 2015, surgiu o Projeto de Lei 690, que previa a implementação de cotas raciais no estado, mas foi arquivado por falta de votação, em janeiro de 2023. Em substituição, surgiu o PL 438/2019, das deputadas Beatriz Cerqueira (PT), Andreia de Jesus (PSOL) e Leninha (PT). O projeto teve parecer favorável das três comissões pelas quais passou e está pronto para ser votado desde 2024.

“A gente percebe uma omissão por parte do Estado em aprovar uma política afirmativa essencial para a população negra. Enquanto isso, os concursos continuam sendo realizados sem cotas, com base na suposta ausência de uma lei que só falta aprovar”, aponta Colen.

Segundo o diretor, a OAB-MG acompanha a tramitação do projeto e alerta que, caso ele não seja votado até o fim da atual legislatura, em 2026, poderá ser arquivado mais uma vez. “Ao longo desses dez anos, perdemos a chance de gerar emprego e renda para milhares de pessoas negras em Minas Gerais. Isso fere os princípios constitucionais de igualdade e de combate à discriminação”, diz.

Ao Estado de Minas, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) lamentou a demora na aprovação do projeto de lei, que ela considera importante e necessário para o estado. “Eu venho batalhando para que o projeto seja pautado no plenário e possa ser votado, para que traga uma correção histórica”, comenta.

Em nota, a deputada Leninha declarou ser “uma vergonha a Secretaria de Educação se justificar em não garantir cotas raciais porque não há lei estadual que a obrigue”. Segundo ela, garantir políticas afirmativas de reparação ao povo negro é dever do Estado, independentemente se há ou não legislação “obrigando” isso. “Nós vivemos um país e um Estado ainda muito assolados pelo racismo, inclusive no espaço educacional e só vamos vencer esse quadro com vontade política”, opina.

A reportagem procurou a assessoria do presidente da Assembleia Legislativa, Tadeu Martins Leite (MDB), mas, até o fechamento deste texto, não obteve retorno.

Lei federal

Em 2025, o governo federal sancionou a Lei nº 15.142, que retomou e ampliou a política de cotas raciais no serviço público federal, extinta no ano anterior. A nova legislação determina que 30% das vagas em concursos da administração pública federal sejam reservadas a candidatos negros (pretos e pardos), indígenas e quilombolas.

A medida, no entanto, não se aplica automaticamente a estados e municípios, que precisam aprovar suas próprias leis para regulamentar a reserva de vagas em seus concursos. Por isso, apesar da nova lei federal, concursos estaduais — como o da área da educação em Minas Gerais — seguem sem a previsão obrigatória de cotas étnico-raciais.

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Segundo uma pesquisa de 2023 do Movimento Pessoas à Frente — entidade dedicada à formação de pessoas que atuam no setor público —, atualmente, no Brasil, sete estados e o Distrito Federal adotam cotas para negros em concursos públicos. Bahia e Distrito Federal reservam 30% das vagas; Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Ceará destinam 20%; Espírito Santo, 17%; e Piauí, 10%.

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