A menina indígena, de 12 anos, que morreu durante complicações de uma gestação, foi sepultada, na manhã desta terça-feira (15/07), no Cemitério Parque Jardim da Cachoeira, em Betim, na Grande BH. A morte ocorreu no domingo (13/7), dois dias após a menina dar entrada no Centro Materno-Infantil da cidade com 32 semanas de gravidez, já em estado gravíssimo.
O velório da adolescente aconteceu na ocupação em que ela vivia com a família, no Bairro Citrolândia. Na chegada ao cemitério, o tio da menina, Andy Jesus Tovar, falou sobre o momento de dor enfrentado pela família.
”Estamos aqui no cemitério para fazer a última despedida dela. Estamos tristes e com o coração partido, principalmente, o pai e a mãe da menina. Ela vai deixar uma lembrança para todos nós”, lamentou.
De acordo com o tio, a família espera que a polícia identifique o homem que teria cometido o estupro de vulnerável contra a jovem.
Cerimônia tensa
Enquanto aguardavam o sepultamento, indígenas entoavam cânticos na língua da etnia Warao. Momentos antes da cerimônia, a tia da menina expulsou o jovem que seria o suposto agressor.
O caixão foi aberto para que os indígenas pudessem se despedir da menina. Um pastor fez uma oração.
O pai da menina acompanhou a cerimônia de perto, enquanto a mãe ficou mais afastada, observando de longe e segurando um bebê no colo. Depois, ela se ajoelhou aos pés do caixão da filha e chorou.
Em seguida, um membro da etnia disse algumas palavras na língua do povo Warao. Depois, familiares pediram para que todos se afastassem da sepultura. Familiares homens, então, se enfileiraram de modo que que ninguém pudesse ver o caixão. O pai da menina fez uma oração e pertences foram colocados dentro do caixão da jovem. Durante essa cerimônia, a mãe da menina era consolada por familiares.
O casal tem outros quatro filhos, de 10, 6, 5 anos, além de um bebê de um mês. Cerca de 70 indígenas acompanharam o sepultamento.
Investigação
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou nessa segunda-feira (14/07) que vai investigar as circunstâncias da morte. De acordo com a PCMG, as apurações vão esclarecer os fatos e apurar crime de estupro de vulnerável.
A comunidade indígena, originária da Venezuela, encontrou refúgio na cidade após um longo percurso migratório desde Boa Vista (RR), passando por estados do Norte e Nordeste do país. Atualmente, cerca de 200 pessoas do povo Warao vivem na ocupação, onde construíram suas moradias com estruturas improvisadas de lonas e madeiras.
Gravidez e convulsões
Depois do sepultamento, o tio da menina, Andy Jesus Tovar, disse que a família não sabia que a adolescente estava grávida. "Fomos para Vitória, no Espírito Santo e, depois de três meses, voltamos para Betim.” Há um mês, a família descobriu a gravidez. "A mãe dela comprou um teste de gravidez e foi quando todo mundo ficou sabendo."
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Segundo o tio, duas semanas depois da descoberta, a menina passou a não se alimentar mais. Na semana seguinte, vieram as dores de cabeça. "Na tarde de sexta-feira (11/7), as dores aumentaram e fomos para um posto de saúde ali no bairro. Lá foi verificada a pressão. Eles deram um remédio para aliviar a dor, mas ela piorou."
O tio contou que, depois disso, a menina já não falava mais. "Ela convulsionou, ficou se mexendo no colchão. Passou uma noite assim." Ele explica que, na cultura do povo Warao, acredita-se que a menina teria sido vítima de "bruxaria". Por isso, estaria sofrendo convulsões.
Tovar negou que a família soubesse que a menina se relacionava com o jovem apontado como o pai do bebê. Ele disse ainda que, na cultura de seu povo, o relacionamento também não seria considerado aceitável, já que o homem é maior e ela uma adolescente. Ele teria 22 anos. "Não é permitido. Com 15, 16 anos, já teriam permissão para se relacionar, mas menores que isso, não. Ela foi vítima de violência e a família quer que ele responda na justiça”, afirmou.
Surpresa para todos
Flávia Gomes é uma amiga próxima dos indígenas da comunidade e acompanha o caso. Ela disse que foi pega de surpresa pela gravidez da adolescente.
“Desde que eles chegaram à ocupação, dou suporte para as famílias da menina e do jovem. Nunca soube que ele tinha algum relacionamento com ela. Mesmo tendo 12 anos, era uma menina encorpada. Então, não tinha sinais de uma gravidez. Ela não tinha barriga de uma gestante de oito meses. Tanto que, quando o hospital comunicou que teria que retirar a criança, o pai se recusava a aceitar porque, para ele, a menina estaria com dois meses. Quando deram a notícia que nasceu um bebê de oito meses, até eu entrei em choque”, afirma.
Pré-eclâmpsia
Amigos e familiares ouvidos pelo Estado de Minas contaram que, na última segunda-feira (7/7), a menina começou a apresentar convulsões. Porém, ela só foi levada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) três dias depois, onde recebeu medicação e encaminhamento para exames.
Mas na sexta-feira (11/7), pela manhã, a situação se agravou. A adolescente foi encontrada inconsciente e levada às pressas para a maternidade do Hospital Regional de Betim. No hospital, foi constatado que ela estava em crise convulsiva. O diagnóstico inicial foi de pré-eclâmpsia - uma condição grave de hipertensão na gestação.
Uma tomografia revelou um rompimento de veia cerebral e sangramento intracraniano. O bebê foi retirado em uma cesariana de emergência, e a menina foi encaminhada para cirurgia. No sábado (12/7), ela teve duas paradas cardíacas.
Segundo os médicos, a jovem não estava urinando, o que indicava falência renal. Foi cogitada a realização de hemodiálise, mas os riscos eram altos, já que a pressão arterial estava muito baixa. Na manhã de domingo, a família foi informada da morte da adolescente. O bebê segue internado.
Comunidade Warao
Em nota, a Prefeitura de Betim informou que todos os protocolos clínicos foram rigorosamente seguidos e que a família recebeu acompanhamento multiprofissional, incluindo suporte psicológico. “Por se tratar de caso que envolveu relação sexual com menor de 14 anos, o Centro Materno Infantil notificou o Ministério Público e o Conselho Tutelar, além do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e da UBS de referência da família”.
Desde junho de 2024, equipes da Unidade Básica de Saúde (UBS) Campos Elíseos, com apoio da Diretoria Operacional de Saúde (Diop), realizam visitas regulares ao território, mantendo assistência à população Warao.
O que é estupro contra vulnerável?
O crime de estupro contra vulnerável está previsto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro. O texto veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos. No parágrafo 1º do mesmo artigo, a condição de vulnerável é entendida para as pessoas que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, devido a enfermidade ou deficiência mental, ou que por algum motivo não possam se defender.
No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se a conduta resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.
Como denunciar?
Casos de estupro ou qualquer tipo de abuso podem ser denunciados pelo número 180. Em casos de emergência, também é possível acionar a Polícia Militar pelo 190.