Na Biblioteca Carolina Maria de Jesus, instalada no Ceu das Artes Ressaca, no Bairro Arvoredo, em Contagem, uma história de amor atravessa o tempo. Até 6 de agosto, a exposição “O tempo guarda o que o amor escreve: cartas que fizeram história!” exibirá um conjunto de 37 cartas de amor, trocadas na década de 1930, entre Maria Helena de Souza e Silva e José Olavo de Azevedo Silva, um casal mineiro de Três Corações (MG), no Sul do estado.
A ideia surgiu de uma conversa entre Guilherme de Paiva Azevedo, de 48 anos, diretor do Ceu das Artes Ressaca, e Márcia Sousa, 44, bibliotecária e curadora da mostra. Guilherme é um dos nove netos do casal e guardava em casa as cartas quase centenárias, trocadas de 1933 a 1936, pelos avós paternos. “Ele me falou sobre o material, percebi que tínhamos ali um tesouro afetivo e histórico. A partir daí, fiz um processo de pequenos restauros e comecei a organizar a exposição”, relatou Márcia.
O Estado de Minas esteve no local e conferiu de perto as cartas manuscritas que atravessaram quase um século, guardadas pela família, e agora estão nas paredes da biblioteca. Algumas foram ampliadas em grandes folhas suspensas, ao lado de fotos do casal, outras com os filhos e netos. “Olavo, dê um jeitinho de vires para matarmos as saudades. Não penses que és esquecido, pois a todo momento te vejo na minha frente”, declara Maria Helena em uma carta de 1934.
Hoje, 91 anos depois dessa declaração, José Olavo ainda desperta saudade, mas desta vez em um dos quatro filhos do casal, que descreve o pai como um homem sábio, calmo e amoroso. “Ele era um filósofo, penso muito nele e sinto muita saudade. No dia em que a exposição foi inaugurada, fiquei aqui na biblioteca pelo menos 20 minutos chorando”, conta Gentil de Azevedo, de 79 anos, filho de Maria Helena e José Olavo, e pai de Guilherme.
Gentil conta que o pai morreu em 2003, no dia do aniversário do filho, com 95 anos. Alguns anos depois, ele encontrou diversas cartas dos pais guardadas na casa em que moravam. “Pela riqueza do material e o estado de conservação que as cartas estavam, me parece que os papéis foram poucas vezes manuseados, o Olavo deve ter guardado uma vez e nunca mais tocado”, explica Ângela Paiva, de 75 anos, esposa de Gentil.
Casados há 50 anos, Ângela relembra com carinho dos sogros. Ela conta que respeitava muito Maria Helena, descrita pela nora como uma mulher reservada e objetiva nas palavras, enquanto o sogro, José Olavo, era mais comunicativo e parecia estar à frente do seu tempo.
DENTRO DO ABRAÇO
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Ângela conta que são muitas cartas e que é difícil se lembrar de todas, mas guarda na memória os trechos mais íntimos que refletem o amor do casal. “Tem uma carta que eu gosto muito, em que ela diz que está ansiosa para abraçar o Olavo, mas ela diz algo como se quisesse entrar dentro do abraço dele”, conta.
Gentil explica que, provavelmente, as cartas eram o meio de comunicação dos dois durante o namoro, quando o pai passou um tempo em Belo Horizonte estudando. “Eles tinham um amor bonito de ver. Mesmo velhinhos, tinha que ter beijo antes de sair, andavam de braços dados e a vizinhança zombava de como eles estavam sempre grudados”, conta.
Gentil explica que a mãe faleceu em 1995, e o pai ficou bastante abatido. “Ele era muito estudioso, e ocupava a cabeça para lidar com a saudade. Acho que se fosse o contrário, minha mãe não teria suportado tanto”, conta.
Para Guilherme, as cartas dos avós são um material precioso, cheio de afeto, saudade e história que ele pretende um dia passar para a filha, “Quero que ela também conheça esse amor tão bonito dos meus avós. Ver isso exposto agora, para todo mundo, é emocionante”, conta Guilherme.
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A biblioteca onde acontece a exposição fica ao lado da Escola Municipal Professora Audrei Consolação Ferreira de Freitas Costa, e para Guilherme, a troca de cartas é uma boa maneira da nova geração entender como o sentimento já foi expressado fora das telas. “Hoje em dia, a gente manda uma mensagem e em um minuto ela já foi apagada. Essas cartas mostram o contrário, o sentimento registrado com cuidado, que atravessa gerações. É um exemplo do que é o amor preservado no tempo”, diz Guilherme.
“Alguns meninos viram esta exposição e começaram a se identificar com a relação das cartas, com a forma de processar não só o pensamento, mas a saudade, o sentimento, o carinho, a sensibilidade. O sofrimento humano sempre vai existir, mas quando eles veem que pessoas do passado também passaram por isso, é como se se sentissem compreendidos”, completa José Ramoniele, secretário de Cultura e Turismo de Contagem.
*Estagiária sob supervisão do editor Enio Greco