Júlio Moreira

Uma das construções mais emblemáticas da Rua Direita, em Santa Luzia, na Grande BH, agoniza diante da indiferença do tempo e da ausência de políticas eficazes de preservação. O Solar da Baronesa, que já recebeu a visita do imperador Dom Pedro II e da imperatriz Teresa Cristina em 1881, hoje clama por socorro. Com sua arquitetura imponente e fachada marcada por dezenas de janelas, o casarão que pertenceu ao Barão de Santa Luzia, Manuel Ribeiro Viana, carrega em suas paredes uma parte importante da memória local.

A alcunha pela qual é mais conhecido – Solar da Baronesa – surgiu em referência à esposa do barão, Maria Alexandrina de Almeida Viana, figura respeitada e lembrada pela generosidade do marido. Fundador do Hospital de São João de Deus. O barão Manuel Ribeiro Viana faleceu antes da conclusão da obra, mas deixou como legado uma doação significativa ao hospital, incluindo uma casa, móveis e recursos financeiros.

Hoje, o cenário é de abandono. Registros fotográficos recentes de nossa reportagem revelam o grave estado de degradação do imóvel. A caixilharia de madeira e vidro – estrutura que sustenta e moldura janelas e portas – encontra-se em decomposição, com diversas peças perdidas, pintura desgastada e estrutura comprometida. Várias janelas já não possuem vidros e as molduras estão quebradas, com perdas também nas cimalhas – molduras superiores que arrematam a parte de cima das janelas – que, em muitos casos, já se desprenderam completamente.

As cimalhas, feitas em compensado, não resistiram às chuvas e ao tempo. Estão esfarelando, abrindo caminho para a entrada de pombos no interior do telhado, o que pode comprometer ainda mais a estrutura. O risco de queda de partes da fachada sobre pedestres é real. As colunas laterais também apresentam trincas ao longo de toda a sua extensão, evidenciando sérios problemas estruturais. O coroamento dessas colunas está visivelmente solto, ameaçando desprender-se a qualquer momento.

“A fachada lateral direita, por exemplo, tem uma viga de sustentação cortada ao meio para a passagem de um cano”

Glaucon Durães
Cientista social, professor de Sociologia e covereador de Santa Luzia pelo PT

Mais que um edifício, o Solar da Baronesa é uma relíquia histórica de Santa Luzia – testemunha de um passado de hospitalidade, nobreza e generosidade. Deixá-lo sucumbir é condenar ao esquecimento uma das páginas mais ricas da história luziense. O que se percebe é ausência onde deveria haver o dever de preservar; sobra a conivência com o abandono.

Durante visita técnica ao Solar da Baronesa, realizada há cerca de duas semanas a convite do promotor Evandro Ventura, da 6ª Promotoria de Justiça de Santa Luzia, o cientista social, professor de Sociologia e covereador de Santa Luzia pelo Partido dos Trabalhadores, Glaucon Durães, demonstrou profunda preocupação com o estado de conservação do imóvel. Antes de ser eleito, ele fez parte do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural. Segundo Glaucon, a edificação histórica sofreu sucessivas intervenções inadequadas ao longo das décadas, como o corte de madeiras estruturais para instalação de encanamentos, o que comprometeu a estabilidade do prédio. “A fachada lateral direita, por exemplo, tem uma viga de sustentação cortada ao meio para a passagem de um cano”, destacou.

Outro ponto alarmante observado por Glaucon foi a precariedade da instalação elétrica, que apresenta fios expostos e sem qualquer proteção adequada, elevando consideravelmente o risco de incêndio. Ele comparou a situação com o caso da Catedral de Notre-Dame, em Paris, onde um problema elétrico resultou em grandes danos ao patrimônio. O professor lembrou que, além das falhas nas reformas anteriores, muitas delas sem critérios técnicos de restauração, o prédio hoje apresenta risco real de desabamento se nenhuma intervenção urgente for feita. 

‘‘Permitir que  o Solar da Baronesa desapareça é uma forma de violência contra o patrimônio e a identidade da cidade”

Adalberto Mateus
Presidente da Associação Comunitária de Santa Luzia 

Glaucon também alertou que, embora o Solar da Baronesa esteja listado entre os imóveis contemplados no novo Plano Diretor, ainda não há previsão orçamentária nem cronograma definido.

A preocupação é compartilhada por Adalberto Mateus, presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia. Para ele, a situação do Solar é reflexo de uma falência sistêmica na política de preservação do município. “Não se trata apenas da perda de um bem físico, mas do apagamento de uma referência cultural e simbólica que conecta gerações. O Solar da Baronesa representa não só a arquitetura e a história, mas a memória coletiva de Santa Luzia. Permitir que ele desapareça é uma forma de violência contra o patrimônio e a identidade da cidade”, declarou.

Adalberto relembra um momento decisivo da trajetória do imóvel: “A Associação Cultural Comunitária entregou o sobrado completamente restaurado em junho de 2006, preparado para a instalação do Museu da Mulher pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez. Infelizmente, a Prefeitura Municipal, à época, não articulou as ações necessárias. A situação atual do sobrado machuca o orgulho luziense e abre uma ferida em nossa história.”


O que diz a prefeitura

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Santa Luzia informou, por meio da Secretaria Municipal de Obras, que tem atuado de forma direta e técnica na preservação do Solar da Baronesa, reconhecendo seu valor histórico, arquitetônico e simbólico para a identidade cultural da cidade. Segundo a administração, uma visita técnica conjunta foi realizada recentemente com o MP com o objetivo de avaliar in loco as condições estruturais do casarão.Com base no diagnóstico obtido, está em elaboração um projeto de escoramento emergencial, que prevê o uso de estruturas metálicas para garantir a estabilidade do edifício e eliminar riscos à segurança pública. De acordo com a nota enviada, a contratação dessa intervenção será feita em caráter emergencial, considerando a gravidade da situação.


A prefeitura também afirmou que já iniciou a articulação para a elaboração de um projeto completo de restauro, com base nas diretrizes estabelecidas pelo Iphan e pelo Iepha, institutos federal e estadual do patrimônio histórico. A proposta permitirá a captação de recursos públicos voltados à recuperação definitiva do imóvel. “Preservar o Solar da Baronesa é um compromisso firme da gestão atual, não apenas como medida de proteção ao patrimônio material, mas como resgate da memória viva de Santa Luzia”, conclui a nota.  

SORAIA

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