A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu o inquérito que apurou o estupro de vulnerável sofrido por uma menina indígena da etnia Warao em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, na última semana. Dorca, de 12 anos, morreu em decorrência de complicações de uma gestação. Um adolescente de 16 anos, da mesma comunidade, foi identificado como o pai do bebê, que sobreviveu.
Conforme as investigações, o adolescente e a menina mantiveram relações sexuais em, pelo menos, três ocasiões desde o fim de 2024. A delegada Patrícia Soares Godoy, responsável pelo inquérito, informou que o jovem alegou não saber que se tratava de um crime.
Com a finalização das investigações, a PCMG concluiu pela prática de ato infracional análogo ao crime de estupro vulnerável e recomendou a aplicação de medidas socioeducativas.
Thalita Arcanjo, advogada criminalista, explica que o crime existe e é imputado ao autor do estupro, independentemente de ter ou não havido consentimento entre os envolvidos. Além disso, ela afirma que caso o suspeito seja menor de idade, entre 12 e 18 anos incompletos, ele responde por ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.
Nesses casos, a pessoa deverá responder conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a medida socioeducativa será dosada de acordo com o contexto do crime: se houve emprego de violência, requintes de crueldade, ou se os menores de idade estavam em um relacionamento e a relação foi “consentida”.
Se os envolvidos forem menores de 12 anos, são inimputáveis, ou seja, não estão aptos para responder pelo crime. Apesar disso, os menores e suas famílias podem ser acionados pelo Conselho Tutelar, que pode impor medidas socioeducativas.
“No direito, quando tratamos de casos de estupro de vulnerável é importante entender o contexto. A lei aponta que sempre vai haver crime, independentemente da relação dos envolvidos ou da permissão dos pais”, diz Thalita.
Além das crianças e adolescentes, o Código Penal também classifica como vulnerável qualquer pessoa que não tenha o necessário discernimento para a prática da relação sexual ou do ato libidinoso. Isso pode acontecer devido à enfermidade ou deficiência mental, ou quando, por algum motivo, a pessoa não possa se defender, como em caso de a vítima estar sob efeito de alguma substância entorpecente ou desacordada.
Crime e prevenção
Segundo o painel de monitoramento de crimes violentos da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), até maio deste ano foram computadas 452 ocorrências de estupro de vulnerável consumado no estado. Nos 12 meses de 2024, os registros somaram 3.659, contra 3.420 no ano anterior, ou seja, 239 a mais.
Em Belo Horizonte, entre 2024 e 2023 houve uma queda de 15,13% dos casos de abuso sexual contra pessoas vulneráveis. No primeiro ano, foram 436 registros e, no segundo, 370. Já nos cinco primeiros meses de 2025, 151 ocorrências foram registradas pelas polícias Militar e Civil.
Para Thalita Arcanjo, o estupro de vulnerável de crianças e adolescentes pode ser prevenido com orientação. Ela acredita que, principalmente em casos que os envolvidos mantêm alguma relação amorosa, tanto meninos quanto meninas devem ser educados para que saibam que qualquer tipo de relação sexual é crime. “Criança não deve namorar de forma alguma. Agora, se acontecer, os pais devem acolher, supervisionar e orientar a situação para indicar que eles podem ser responsabilizados pela relação”.
Relembre o caso
Dorca deu entrada no Centro Materno-Infantil do Hospital Regional de Betim na sexta-feira passada (11/7) com 32 semanas de gestação e em estado grave, após sofrer uma série de convulsões durante a noite anterior. No hospital, o diagnóstico inicial apontou uma pré-eclâmpsia – condição grave de hipertensão na gestação. Uma tomografia revelou um sangramento intracraniano. A menina morreu dois dias depois de passar pelo parto de emergência.
Segundo a família da garota warao que morreu em Betim, a menina só descobriu que estava grávida aos seis meses de gestação. Mesmo depois, ela e a família não procuraram o sistema de saúde para iniciar o pré-natal. Ao Estado de Minas, Flávia Gomes, uma amiga dos indígenas da comunidade de origem venezuelana, contou que todos foram pegos de surpresa, e a menina só fez um teste de gravidez depois de muita insistência da mãe.
Ela ainda afirmou que ninguém da comunidade desconfiou, já que a criança era “encorpada”. “Quando o hospital comunicou que teria que retirar o bebê, o pai da Dorca se recusou (num primeiro momento) a aceitar por achar que ela estaria com dois meses”, disse.
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A criança vivia com pais e familiares em uma ocupação em Betim, onde habitam cerca de 25 famílias da etnia Warao, de origem venezuelana. O grupo chegou à cidade em setembro de 2023, após deixar Boa Vista (RR) e passar por outros estados. Atualmente, cerca de 200 pessoas integram a comunidade.