Testemunhos de fé: por ordem da papa, o corpo de um santo repousa no Caraça
Série do EM revela itens de devoção ligados a santos e religiosos em canonização em solo mineiro, como a relíquia trasladada ao Caraça por ordem do papa Pio
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Siga noA primeira canonização no pontificado do papa Leão XIV está marcada para 7 de setembro. Nesse dia festivo, o beato Carlo Acutis vai se tornar oficialmente santo da Igreja Católica, embora já seja conhecido como “padroeiro da internet”. O corpo do jovem falecido em 2006, aos 15 anos, vítima de leucemia, se encontra exposto em Assis, na Itália, atraindo visitantes do mundo inteiro. Importante destacar que, preservado e vestido com jeans, moletom e tênis, o corpo de Carlo Acutis é considerado uma relíquia de primeiro grau, o que representa testemunho da fé de quem viveu em santidade e deixou um legado de amor a Deus.
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Em Minas, no Santuário do Caraça, há também uma relíquia de primeiro grau. No altar da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, pioneira em estilo neogótico do Brasil, pode-se ver o corpo de São Pio Mártir. Soldado supliciado por professar a fé cristã durante o Império Romano, ele foi “encontrado nas catacumbas de Santa Ciríaca, em Roma”, conforme se lê na placa informativa. Com o sangue do mártir e um pouco de areia do seu túmulo, os restos mortais, expostos no relicário envidraçado, chegaram em 1797 ao Caraça, que tem 250 anos de história.
A partir de hoje, quando se celebram a Assunção de Nossa Senhora e várias titulações da Virgem Maria, com destaque para Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira de Belo Horizonte, o Estado de Minas mostra algumas das relíquias existentes em espaços sagrados da capital e do interior do estado. Se o Caraça tem os ossos do soldado canonizado, envoltos em cera, outras localidades também guardam esses itens considerados sagrados – que podem ser de primeiro, segundo e terceiro graus. Até domingo, série de reportagens apresentará testemunhos e objetos de fé em conexão com a devoção dos fiéis, bem como a programação especial em louvor à mãe de Jesus Cristo (veja quadro na página ao lado).
DAS CATACUMBAS DE ROMA PARA
O SANTUÁRIO DO CARAÇA
São 11h de uma manhã ensolarada no Santuário do Caraça, localizado entre Catas Altas e Santa Bárbara, na Região Central de Minas. Visitantes, entre hóspedes e quem está apenas passando o dia, se distribuem pelos diversos pontos turísticos do complexo arquitetônico, ambiental, cultural, religioso e histórico administrado pela Província Brasileira da Congregação da Missão. Um dos espaços mais procurados, a Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens, primeira em estilo neogótico do país, tem nesse momento, diante do altar, um grande número de pessoas: uns olham com curiosidade, outros se ajoelham perante o relicário fechado com vidro. Dentro, se vê o corpo de São Pio Mártir.
De acordo com informações do santuário, trata-se do “primeiro corpo de santo que veio para o Brasil e, por muito tempo, a maior relíquia em terras brasileiras”. Foi trazido de Roma em 1792, para reforçar a religiosidade popular, e chegou ao Caraça cinco anos depois (1797), como oferta do papa Pio VI (1717-1799), “que muito agraciou o santuário do Irmão Lourenço”. Pesquisas revelam que o Irmão Lourenço, considerado um homem misterioso, chegou à região em 1763. Fundador do Caraça, era também conhecido como Irmão Lourenço de Nossa Senhora, de quem se sabe apenas o ano de falecimento (1819). A autenticidade da relíquia consta de documento (a “Autêntica”) datado e assinado em Roma, em 9 de julho de 1792.
O DESCANSO FINAL
EM MINAS GERAIS
Os restos mortais que repousam no relicário são de um soldado romano morto por professar a fé cristã, sendo encontrados na Catacumba de Santa Ciríaca, em Roma. Na doação ao Caraça, recebeu o nome de Pio em homenagem ao papa Pio VI, que governava a Igreja na época. A relíquia compreende o corpo todo do santo, revestido de cera. Há um cálice contendo areia de seu túmulo e um pouco de sangue. Quem chega bem perto pode ver unhas e dentes do mártir.
O relicário esteve por muito tempo no altar barroco do lado esquerdo da igreja, como foi deixado por Irmão Lourenço. Na época da construção da atual igreja, a relíquia foi levada para a tribuna do lado esquerdo, onde se chegava por uma escada externa, em um dos corredores do claustro. “Finalmente, em1992, foi colocado sob o altar das Celebrações, com o objetivo de facilitar a visitação. Uma década mais tarde, a relíquia foi restaurada”, conta a bibliotecária do santuário, Kely Maria da Silva.
ENTRE A DEVOÇÃO
E A HISTÓRIA
Em sua segunda visita ao Caraça, Vânia Costa, moradora de Santa Luzia, na Grande BH, pôde ver o relicário de São Pio Mártir. Na primeira vez em que esteve no santuário, em 1989, era uma tarefa impossível. “Agora, sim, está bem visível. Muito emocionante contemplar a relíquia de um santo e conhecer sua história”, contou Vânia, que se declara católica praticante e devota de Nossa Senhora.
Mas o interesse em ver a relíquia não se restringe aos católicos. “Tem importância cultural e histórica”, ressalta o advogado Getter Ari Ulysses Santos, residente em Mandirituba (PR), Região Metropolitana de Curitiba. Ele também gostou de saber que a doação ocorreu no século 18, feita por um papa. “Mostra a importância do Caraça já naquele tempo, e as relações com a Santa Sé”, observou Getter, ao lado da namorada, Elaine de Fátima Mendes, empresária. Católica, Elaine admirou a relíquia, destacou a importância dela para a fé e rezou na Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens.
ITENS DE FÉ EM
DIFERENTES GRAUS
Para que o leitor entenda melhor a importância das relíquias católicas, o EM conversou com o padre Filipe Gouvêa, vigário episcopal para Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte. Ele explica que, antes de tudo, é preciso saber que esses itens representam um testemunho de fé, expressando crença e convicção cristã.
“As relíquias nos lembram uma pessoa, mártir ou santo, que viveu entre nós e testemunhou a fé – a tal ponto de entregar a vida ao Evangelho”, resume. O culto às relíquias, acrescenta, não ocorre apenas em relação aos santos, mas também àqueles em fase de canonização, a exemplo de servos de Deus, veneráveis e beatos.
Nem todas as relíquias são iguais: há três graus diferentes. A de primeiro grau, casos de Carlo Acutis e São Pio Mártir, diz respeito ao corpo ou fragmento de uma pessoa. “Pode ser também um pedaço de osso (em latim, “ex ossibus”), uma mecha de cabelo. A língua de Santo Antônio, preservada na Basílica Santo Antônio de Pádua, na Itália, também é relíquia de primeiro grau”, afirma o padre Filipe Gouvêa.
Já a relíquia de segundo grau se refere a uma vestimenta, objeto pessoal, um móvel, enfim, algo que tenha pertencido ao mártir ou santo. A de terceiro grau, por sua vez, trata de algum objeto que tenha tocado o corpo da pessoa que viveu em santidade. “Um pedaço de tecido, por exemplo. Fundamental é que testemunhem a fé de alguém que pensou sua vida junto a Deus”, detalha o líder religioso.
DE ONDE VEM
A TRADIÇÃO?
O culto às relíquias católicas começa por volta do ano 300, no Império Romano, quando os cristãos sofriam grande perseguição. Na época, buscava-se visitar os lugares sagrados, onde cristãos haviam sido martirizados, em que derramaram sangue sem negar sua fé. “Portanto, ao visitar uma relíquia na igreja ou outro local, não se deve pensar em milagre, mas, sim, em algo que representa a fé e as pessoas que lutaram por ela”, ressalta o vigário episcopal para Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, padre Filipe Gouvêa.
Caraça: UMA relíquia
TAMBÉM DA NATUREZA
No Caraça, além do conjunto histórico e religioso, onde sobressai o templo em que repousa a relíquia de São Pio Mártir, há a uma imensa riqueza ambiental para se admirar. Integrante da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, o complexo ocupa a categoria de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com mais de 12 mil hectares. Na região, há muitas variedades de orquídeas e vivem centenas de espécies de pássaros e de dezenas de mamíferos, universo reconhecido pelos naturalistas que visitaram a região, no século 19, entre eles o francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).
Conhecer o Caraça, onde funcionou até 1968 um dos colégios mais famosos do Brasil (destruído por incêndio em 1968), é também como mergulhar em um livro de história. As páginas dos primórdios do complexo citam a carta-patente, datada de 24 de abril de 1766, na qual o fundador, Irmão Lourenço de Nossa Senhora, recebe autorização do comissário geral da Terra Santa nos reinos de Portugal e suas conquistas, frei Manoel de São Carlos, para pedir esmolas e arrecadar dinheiro para a Ordem de São Francisco. Onze anos após chegar à região, Irmão Lourenço inaugurou uma pequena capela em estilo barroco, da qual restam dois altares, restaurados, nas laterais da igreja que se vê hoje.
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Hoje é Dia de celebrar
1) Programação da festa da padroeira de BH
Hoje, na Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem (Rua Sergipe, 175, Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul da capital)
Missas às 7h, 8h30, 11h, 13h, 15h (com a presença do padre Alexandre Fernandes e participação do movimento Mães que oram pelos filhos) e 18h
Às 12h30, bênção dos carros e dos viajantes. Na Praça Rio Branco (da rodoviária), recitação do terço (16h), seguida de procissão luminosa (17h).
2) Na Serra da Piedade, em Caeté, Grande BH
Às 11h30m, missa presidida pelo arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, em frente à ermida. A tradicional celebração reúne os participantes da Peregrinação das Juventudes ao Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade
3) Festa de Nossa Senhora da Saúde, em Lagoa Santa, na Grande BH
Missas às 5h, 6h, 7h30, 9h, 10h30, 12h, 13h30, 15h (seguida de procissão), 17h e 19h