Patrimônio e cinema: o que liga uma igreja no interior de Minas ao Oscar?
Brutalismo, mesmo estilo da Igreja das Romarias, na Serra da Piedade, e destaque com Oscar do filme "O brutalista", evidencia riqueza arquitetônica de Minas
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Siga noNatureza em estado bruto e arquitetura moderna no cenário de comunhão entre a montanha e o concreto. No topo da Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ergue-se a Basílica Estadual Nossa Senhora da Piedade – Padroeira de Minas Gerais, também conhecida por Igreja das Romarias. Construído em 1974 com projeto do arquiteto carioca Alcides Áquila da Rocha Miranda (1909-2001), o templo ganha um olhar também cinematográfico com a conquista do Oscar 2025 em três categorias pelo filme “O Brutalista”, dirigido pelo norte-americano Brady Corbet. A exemplo da monumental edificação retratada no longa, a basílica mineira também foi erguida no estilo brutalista, contemplando maciçamente concreto, aço e vidro.
Hoje, Dia do Patrimônio Nacional, o EM apresenta detalhes dessa construção de linhas geométricas, que se integra à natureza do entorno, mas contrasta com o singelo estilo colonial da vizinha Basílica Ermida da Padroeira de Minas Gerais, do século 18. Importante ressaltar que a preservação dos bens no Brasil tem à frente um belo-horizontino, considerado um dos expoentes da cultura nacional no século 20. O dia 17 de agosto, daí a homenagem ao patrimônio brasileiro, é a data de nascimento do advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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Contraste com Integração
No templo mais moderno da Serra da Piedade, o brutalismo se caracteriza pela imponência, ausência de adornos, forma pesada e geométrica e concreto bruto aparente, informa a arquiteta Daniela Duarte de Freitas Oliveira, da Arquidiocese de BH, à qual o santuário está vinculado. “Toda a estrutura é em concreto aparente, e a cobertura com telhas de cobre.”
Com apenas um pilar, o interior da basílica abriga três espaços. Na parte central, fica o local de celebração. De frente para o altar, há, do lado direito, área para banheiros e outra para as pessoas se abrigarem. Já do lado esquerdo, a entrada principal e o batistério. “Tudo se integra à natureza, nada compete com o entorno ou sobressai à ermida”, diz a arquiteta, em referência à vizinha capela do século 18, a menor basílica do mundo, onde está a imagem da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, atribuída a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).
Também da prancheta de Alcides Áquila da Rocha Miranda saíram os projetos do restaurante, da casa dos peregrinos e da lanchonete-loja, todos em áreas mais baixas em relação à ermida, chamada de “magnífica arquitetura divina” pelo segundo arcebispo de BH, dom João de Resende Costa (1910-2007).
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ASSIM NA TELA COMO NA SERRA
Vencedor do Oscar 2025 nas categorias melhor ator, para Adrien Brody, melhor fotografia e melhor trilha sonora original, “O Brutalista” conta a história de László Tóth, arquiteto judeu da Hungria que emigra para os Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em busca de vida nova, oportunidades, futuro. No início, nada são flores, até ele trabalhar no megaprojeto de construção de um prédio no estilo brutalista, o mesmo seguido na Igreja das Romarias, na Serra da Piedade, em Minas Gerais. A inspiração para o filme teria partido da edificação em concreto de um mosteiro beneditino, a Abadia de Saint John (foto acima), no estado de Minnesota, nos EUA.
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EM PAZ NAS ALTURAS
Considerado um dos principais pontos turísticos de Minas, com visita anual de cerca de 500 mil pessoas, o complexo cultural, histórico, natural e paisagístico da Serra da Piedade sempre atraiu a atenção da psicóloga Flávia Linhares, de Caeté. Ela gosta especialmente da Basílica Estadual Nossa Senhora da Piedade – Padroeira de Minas Gerais, a Igreja das Romarias. “Sempre venho aqui, sinto paz, tranquilidade. Devido ao concreto, muitos dizem que ela tem uma ‘frieza’, mas, pelo contrário, me sinto acolhida. Quanto à ermida, é mesmo a ‘magnífica arquitetura divina’”, destacou Flávia ao lado da mãe, Maria da Conceição Linhares, de 79 anos.
Com 2.040 metros quadrados, a edificação brutalista teve como engenheiro responsável José de Miranda Tepedino (1929-1994), e participação importante, como uma referência para Alcides Áquila, que trabalhou no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do arquiteto e professor belo-horizontino Ivo Porto de Menezes (1928-2024).
Segundo Daniela Oliveira, houve, em 1989, a instalação dos murais de cerâmica fosca que revestem as paredes com temas bíblicos, abordados nos evangelhos de Lucas, e executados pelo artista plástico Cláudio Pastro. Nove anos depois, foi entronizada a imagem de Nossa Senhora da Piedade, obra do artista plástico Léo Santana.
Um abraço natural
Nas fotos externas mostradas nesta reportagem, feitas com drone, é possível ver a integração da basílica com a paisagem, sem grandes contrastes. Os tons da rocha e da construção se harmonizam. Vindo de Três Marias, na Região Central, o empresário Bruno Vieira Bicalho, na companhia da esposa Edilaine e da filha Luiz Helena, gostou do que viu, certo de que cada monumento tem sua beleza. “Trata-se de um templo muito bem construído”, afirmou.
Então, vale voltar no tempo para entender mais sobre a importância dos dois templos católicos existentes no topo do maciço. Em 2017, ano da comemoração dos 250 anos de peregrinação à Serra da Piedade, veio de Roma o reconhecimento maior para a ermida do século 18 e a igreja de 1974. O papa Francisco elevou ambas à condição de basílica, conforme anunciou, em 18 de novembro de 2017, o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo.
A ermida passou a se chamar Basílica Ermida da Padroeira de Minas Gerais – Nossa Senhora da Piedade, e a Igreja das Romarias, Basílica Estadual Nossa Senhora da Piedade – Padroeira de Minas Gerais. “A Serra é o coração de Minas, pois reúne a fé católica, a riqueza ambiental, o solo rico em ouro e o conjunto do santuário”, disse dom Walmor, na época. Tombada pelo estado, Iphan e município de Caeté, a Serra da Piedade é ponto de partida e chegada do Caminho Religioso da Estrada Real (Crer), que liga o santuário da padroeira de Minas a Aparecida (SP).
O MIRANTE DA FÉ
Se os monges beneditinos retratados no filme “O brutalista” esperam mais visibilidade para o mosteiro norte-americano que inspirou o longa, com sérios problemas na estrutura, as duas basílicas da Serra da Piedade, a milhares de quilômetros, primam pelo cuidado. E têm uma vista espetacular, oferecendo um vasto panorama da Grande BH aos visitantes.
A qualquer momento, no alto, impossível não admirar a paisagem marcada pelas montanhas, rios, casario e estradas. A fama do lugar teria começado entre 1765 e 1767, de acordo com a tradição oral, depois da aparição de Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia na comunidade de Penha, a seis quilômetros da serra. No momento, a menina teria recuperado a fala.
O episódio tocou o coração do português Antônio da Silva Bracarena, então na colônia para ganhar dinheiro. Ele se converteu e decidiu dedicar sua vida à construção de uma capela no lugar onde ocorrera o milagre. O singelo templo dedicado a Nossa Senhora da Piedade começou a ser erguido em 1767 e, mais tarde, ganhou a imagem esculpida por um jovem de Ouro Preto, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
“A Serra é o coração de Minas, pois reúne a fé católica, a riqueza ambiental, o solo rico em ouro e o conjunto do santuário”
Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de BH