Falta de ônibus trava a vida noturna de BH
Dificuldade de acessar o transporte público no fim da noite e durante a madrugada complica a rotina de trabalhadores e leva a mudança nos planos de comerciantes
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Siga noSol Markes, gerente de 26 anos, trabalha em um hostel no bairro Floresta, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, até as 22h e precisa correr para pegar o ônibus a tempo para voltar para casa. Se acontecer algum contratempo, o próximo coletivo só passa depois de um intervalo de cerca de uma hora, quando as ruas estão mais vazias e a insegurança aumenta. Esta é a realidade da parcela da população que trabalha no período noturno e reclama da diminuição das viagens do transporte público, em especial depois das 23h.
Para entender a demanda, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMUR), lançou, em junho, a pesquisa “origem-destino” para mapear como os trabalhadores de bares, restaurantes, hospitais, supermercados e outros serviços se deslocam pela cidade depois das 21h. Os questionários poderão ser respondidos até domingo (31/8). Segundo o Executivo municipal, os dados serão usados para planejar melhor as linhas, horários e cobertura do transporte coletivo no período noturno.
Durante a pandemia de COVID-19, houve uma redução do número de viagens devido ao lockdown. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), mesmo com as linhas diurnas voltando ao normal, o período noturno seguiu com a diminuição, com muitas linhas parando de circular depois das 23h ou com grandes intervalos.
LETREIRO DESLIGADO
Sol, que também trabalha como atriz e produtora, afirma que o problema se agrava nos fins de semana, quando sai do trabalho à 1h. Ela conta que não há ônibus para levá-la para casa e precisa gastar em torno de R$ 20 no aplicativo de transporte: “É na base do Uber mesmo. Eu moro no bairro Sagrada Família, que é relativamente perto, e eu ainda passo dificuldade”.
A gerente ainda reclama que, depois das 22h, os ônibus circulam com o letreiro desligado e em alta velocidade, ignorando os passageiros. “Acaba que se você não tem o ‘macete’ do horário, a gente fica sem saber se realmente é nosso ônibus. Já aconteceu inúmeras vezes de eu perder o ônibus estando no ponto, no horário certo, por ele passar com o letreiro desligado”, relata.
Ao Estado de Minas, o subsecretário de Planejamento da Mobilidade da SMMUR, Lucas Colen, disse que, entre 0h e 4h nos dias úteis, são realizadas 517 viagens em 123 linhas do transporte. Nos fins de semana são 554 viagens em 124 linhas no mesmo período. Segundo ele, o itinerário do transporte noturno é parecido com o de 2019.
“Houve uma alteração da dinâmica da cidade após a pandemia, com surgimento de novos bares, fechamentos de outros, novos polos comerciais e centralidades aqui dentro do município. Escutando a câmara, a própria imprensa, setores de comércio e serviços aqui da capital, abrimos essa pesquisa que faz parte do projeto de melhoria do transporte coletivo noturno da prefeitura”, afirma Colen.
A pesquisa trabalha com dois questionários: um voltado para os trabalhadores e outro para os empreendedores. O subsecretário frisou a importância da participação dos dois grupos para o estudo e a assertividade das possíveis alterações.
BARREIRA PARA CONTRATAÇÃO
Na “capital dos bares”, a falta de transporte público durante a madrugada tem influência direta no horário de funcionamento dos estabelecimentos que, em grande parte, encerram as atividades por volta de meia-noite, encurtando a vida noturna de Belo Horizonte.
José Márcio Ferreira, proprietário do bar Barbazul, no bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital, há 35 anos, conta que tem dificuldade de encontrar funcionários que aceitem trabalhar até depois da meia-noite.
“Já tenho dificuldade de contratar em ambos os horários, mas de madrugada nem se fala. O meu bar deixou de ser noturno. Belo Horizonte perdeu muito a sua madrugada. Você vê que muitas casas já não funcionam 24 horas, aqueles que iam ter certa parte da madrugada já não vai mais”, reflete Ferreira.
Segundo o proprietário, a falta de opções de transporte público já aconteceu de funcionários atenderem os clientes correndo, já pensando no horário do ônibus se aproximando. Para evitar problemas no atendimento ao público, Márcio preferiu contribuir com parte dos custos com transporte por aplicativo para os trabalhadores que ficam até mais tarde.
“Se o cara passa um pouquinho do horário dele na madrugada, você acaba ajudando ele no Uber. É preciso que tenha um transporte mais eficaz e com menos risco. Não é só ter o ônibus, é ter segurança também”, relata.
Lucas Mateus Pereira Ramos, de 26 anos, é copeiro no Barbazul e termina o expediente por volta de 1h30. Ele mora em Contagem, na Grande BH, e vai trabalhar de metrô. Pra voltar, usa parte do dinheiro do vale-transporte para pagar o Uber moto e completa com parte do salário. O profissional afirma que, se pudesse, pegaria ônibus para não ter que “gastar do próprio bolso”.
RETOMADA DO MOVIMENTO
A presidente da Abrasel-MG, Karla Rocha, afirma que a situação vivida por José Márcio Ferreira é a mesma de muitos outros proprietários de bares e restaurantes em BH e região metropolitana. “Antes da pandemia a gente não tinha problema de contratação e hoje, de segunda a quinta, a gente é obrigado a fechar à 1h. A conexão de horários com o transporte metropolitano também não bate, então se a pessoa sair da cozinha 15 minutos atrasada, já não consegue pegar o ônibus”, diz.
Segundo Rocha, o baixo número de viagens noturnas impacta também o turismo em Belo Horizonte. Ela aponta a contradição de um lugar com o título de “capital dos bares” e de “cidade criativa da gastronomia” onde os estabelecimentos fecham cedo. “Se queremos uma cidade mais segura, uma cidade viva, com as pessoas na rua, temos que ter um mínimo, que é a mobilidade urbana. Isso é ruim para uma cidade que vem trabalhando tanto o turismo”, analisa.
A mobilidade urbana noturna foi tema de uma audiência pública realizada pela Comissão de Mobilidade Urbana, Indústria, Comércio e Serviços. O subsecretário Colen diz que, com o resultado do estudo, pode haver mudanças nos itinerários, criação de novas linhas ou ajustes nos horários das linhas já existentes de acordo com a demanda.
O projeto de melhoria do transporte noturno também prevê a melhoria da segurança. Entre as possibilidades estudadas está a melhoria da iluminação nos pontos de ônibus, partidas em pontos diversos para que o passageiro possa aguardar a viagem dentro do veículo, aumento do monitoramento por câmeras e pela Guarda Municipal e o agrupamento de pontos para que as pessoas não fiquem isoladas.
OUTROS PÚBLICOS
Visando entender outros públicos, a previsão é de que a coleta de dados seja ampliada para outros públicos em agosto, como hospitais e universidades. Muitos estudantes também dependem de ônibus para voltar para casa depois das aulas, como é o caso de Izabelle Clara Braga Ferreira, de 23. Ela trabalha como analista jurídica durante o dia e frequenta as aulas de graduação em direito à noite em uma instituição no centro de Belo Horizonte.
A jovem conta que prefere sair mais cedo da aula para conseguir pegar o ônibus antes de 23h. Com isso, perde explicações dos professores a fim de garantir sua segurança: “Os horários são bem ruins, então eu saio um pouco mais cedo para não ficar muito tempo esperando o ônibus. O ponto é sempre escuro e, às vezes, não tem muitas pessoas, então dá medo. Prefiro até evitar de ficar lá”.
Outro público que depende do transporte noturno são os trabalhadores de shoppings. Salvador Ohana, presidente do Sindilojas-BH, aponta que muitos dos colaboradores moram na região metropolitana, como Sabará, Ibirité e Nova Lima, e que quando há necessidade de pegar mais de um ônibus, os horários nem sempre batem.
Ohana aponta que épocas festivas, como o dia dos pais que se aproxima, também deveria receber reforço nas viagens, para beneficiar tanto os lojistas quanto os clientes. “Para quem trabalha com moda masculina ou com presentes, depende muito desse período, porque é o segundo Natal, né? Então é muito importante melhorar a locomoção para que o colaborador tenha condição de fazer boas vendas e ganhar mais nesse período”, diz.
Ohana conta que o Sindilojas-BH tem divulgado a pesquisa em todos os grupos de empresários e já enviou mais de 15 mil e-mails. “Tomara que respondam. Estamos aguardando pelo menos uma quantidade relevante para que a prefeitura se mobilize e realmente faça essa mudança que a cidade precisa. Aquele empresário que não responder, depois não adianta reclamar, né?”, argumenta.
SERVIÇO
Pesquisa Origem-Destino
Questionário para trabalhadores do horário noturno pode ser respondido no site da Prefeitura de BH, até domingo (31/8), neste endereço:
https://prefeitura.pbh.gov.br/desenvolvimento/melhoria-do-transporte