Crescem os pedidos de pensão alimentícia em Minas Gerais
Com mais acesso à informação, cidadãos vão à Justiça em busca de seus direitos. Minas registra 87 novas demandas do tipo por dia
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Siga noMais do que uma responsabilidade dos pais, a pensão alimentícia é um direito dos filhos, assegurado por lei para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. Essa compreensão por cada vez mais pessoas tem levado ao aumento no número de pedidos na justiça: entre janeiro e maio deste ano, foram 13.257 requisições em Minas Gerais, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), média de 87 por dia, acima das 82 registradas em 2024.
Um desses casos é o da Luana Felipe Lemes, mãe de uma criança de 2 anos, que procurou a Defensoria Pública no ano passado para conseguir pensão alimentícia, que não recebia há bastante tempo. Ela conta que se separou do ex-companheiro quando o filho tinha apenas cinco meses.
“O problema não é ser mãe sozinha, é a falta de suporte por parte dele, não só financeiro. Toda criança precisa de um pai, mas ele abriu mão de ser pai. Pelo menos da parte financeira eu posso correr atrás, porque a situação aperta”, diz Lemes.
No primeiro momento, ela buscou acordo com o pai da criança. Eles compareceram ao Centro de Conciliação e Mediação, mas não chegaram a um consenso sobre o valor. A mediadora perguntou o valor que seria ideal, que para Luana seria de R$ 400 por mês. Entretanto, mesmo diminuindo para R$ 300, o homem não aceitou.
“Trabalho por conta própria e não tem como eu ter um emprego fixo porque meu filho ainda depende muito de mim, Então essa quantia ajudaria bastante, porque tem o plano de saúde, a natação e as coisinhas dele”, explica. Por solicitação de Luana, a Defensoria Pública ajuizou ação, que tem audiência marcada para setembro deste ano.
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O aumento em Minas segue a mesma tendência observada no Brasil, que registrou média de 1.562 processos diários relacionados ao pedido, com um total de 235.985 novos processos nos primeiros cincoo meses de 2025. São Paulo liderou o ranking, com 181.277 novas demandas em todo o ano de 2024, média de 496 por dia; seguido pelo Rio, com 53.551 casos e média de 146 processos diários no ano passado.
O advogado especialista em direito de família, Luiz Vasconcelos, acredita que o crescimento reflete um aumento de conscientização e acesso à informações sobre os direitos por parte da população. Graças à internet, uma pessoa pode contratar um advogado em qualquer lugar do Brasil e ingressar com ação, independentemente de onde o pai ou a criança estejam.
“Hoje é possível ter acesso à informação pela internet: você tem as redes sociais, blogs jurídicos, palestrantes, etc. Também é muito mais fácil acessar aquele serviço. Se antes a pessoa precisava se deslocar para a capital ou para a cidade mais próxima onde tinha um advogado, agora não precisa mais”, diz o especialista.
Vasconcelos aponta ainda que o judiciário passa por um processo de digitalização, facilitando o acompanhamento dos processos. Ele ainda lembra que a pandemia de COVID-19 afetou a vida financeira de incontáveis famílias, de modo que pessoas que antes não precisavam do auxílio de uma pensão se viram necessitadas dessa contribuição para criar os filhos.
Legislação
O direito à pensão alimentícia é assegurado pelos artigos nº 1.694 ao nº 1.710 do Código Civil e visa suprir as necessidades financeiras dos dependentes. Na maioria dos casos, a pensão é em favor dos filhos, sejam biológicos ou adotados, como uma obrigação legal de fornecer sustento financeiro para seu desenvolvimento, independentemente do atual estado civil dos pais.
“Quando falamos das crianças e dos adolescentes, temos uma presunção de que elas precisam de um cuidado e de um sustento, até por conta da idade mesmo. Quando a pessoa faz 18 anos, essa presunção deixa de existir. Isso não significa que ela perde o direito à pensão alimentícia, mas ela precisa provar que precisa”, explica o advogado.
Para estabelecer os termos da pensão, os envolvidos podem fazer um acordo extrajudicial, no qual entram em consenso sobre o valor e o dia do pagamento. O documento deve ser homologado judicialmente.
Caso não haja consenso, o solicitante deve dirigir-se ao foro do Tribunal de Justiça de sua região, sozinho ou representado por um advogado ou defensor público. Lá, deverá ser comprovado o parentesco com a criança e indicados dados básicos, como residência, profissão e qual sua renda. Para garantir o direito aos filhos menores de idade, é dispensada a produção prévia de provas da necessidade da pensão para subsistência.
Também podem requerer o direito na justiça pais, mães ou ex-cônjuges que não tiverem meios para se sustentar, e filhos maiores de idade que sejam portadores de necessidades especiais ou incapacidades.
Vasconcelos explica que, devido à estrutura patriarcal da sociedade em que vivemos, na maioria dos casos em que há separação dos pais, a criança fica sob tutela da mãe, cabendo ao pai o pagamento da pensão. Porém, mães também podem ser responsáveis pelo pagamento do auxílio caso o filho more com o pai.
Valores
Atualmente, não há um valor ou porcentagem fixa dos ganhos para se estabelecer a pensão alimentícia. Apesar do nome, Luiz frisa que o auxílio não visa somente sanar as necessidades com a alimentação da criança, mas também outros aspectos essenciais para seu desenvolvimento.
“Muita gente acha que pensão alimentícia é para custear apenas o que se vai comer e fica fazendo conta mesquinha para dar valores baixos para a feira, diz que aquilo é suficiente. Só que a gente tem outras questões que devem ser inseridas em uma pensão, como educação, transporte, vestimenta e outras contas. Então são questões básicas que devem ser ponderadas dentro do cálculo da pensão”, afirma o advogado.
Para estabelecer o valor a ser pago/recebido, a Justiça analisa as necessidades do beneficiário, os gastos mensais com ele e a capacidade financeira do responsável pelo pagamento. É levado em consideração a proporcionalidade do salário, ou seja, se uma das partes tem uma renda muito superior, deve contribuir com uma parte maior do custeio da criança.
Além disso, tem aumentado o debate acerca do trabalho invisível realizado pelas mulheres ao cuidarem da casa e dos filhos. Isso vem sendo cada vez mais levado em consideração na hora de fixar um valor. “O homem trabalha e estuda enquanto a mulher está cuidando do filho e não pode fazer isso. Aí a gente começa a ver no judiciário essa briga de uma fixação de um valor maior com uma forma de compensação, não só baseada nesse critério da renda, mas também pensando que quem mais cuida do filho deveria, de certa forma, ser pelo menos 'recompensado' por isso.”
Prisão
De acordo com o CNJ, o único caso aplicável de prisão civil por dívida é a do inadimplente de pensão alimentícia. Depois de notificado, o devedor tem três dias para pagar a pensão. O não-pagamento, mesmo que por um mês, pode ser punido com detenção de um a quatro anos e multa no valor de um a 10 salários mínimos.
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“É medida realmente de conexão: ou você paga ou você será preso. Esse caráter da prisão é relevante diante da urgência que é uma pensão alimentícia. Se você não paga, você ameaça a sobrevivência de alguém: é uma feira que deixa de ser feita, uma escola que não é paga ou um tratamento médico que deixa de ser feito”, argumenta Vasconcelos, que aconselha que se busque falar com o devedor e chegar a um acordo, usando todas as formas extrajudiciais para resolver o problema.
Para ele, é preciso ter um certo grau de tolerância e não pensar no judiciário como a primeira opção. Em casos que o pagamento atrasa recorrentemente, o advogado lembra que, caso o mau pagador seja um trabalhador CLT, é possível solicitar na justiça o desconto da pensão diretamente do salário. n