Às vésperas de completar 11 anos do homicídio do investigador da Polícia Civil Vandir Rodrigues Ferreira, o sargento da Polícia Militar Sandro Machado Vieira, acusado de ter matado o investigador a tiros, será julgado pelo Tribunal do Júri de Capelinha, no Vale do Mucuri, na quinta-feira (28/8). O crime aconteceu em 24 de setembro de 2014, na cidade de Malacacheta, na mesma região.
Familiares do investigador de polícia esperam que a justiça seja feita, e o sargento responda pela morte do ente querido, depois de tanto tempo de espera. A família reclama que o militar passou todo este tempo em liberdade e, em diversas oportunidades constrangeu os familiares do investigador que ainda vivem na cidade.
A autônoma Daniela Rodrigues, de 33 anos, é sobrinha de Vandir Rodrigues Ferreira. Ela mora em Belo Horizonte, mas vai viajar até o Vale do Mucuri para acompanhar o julgamento. A sobrinha conta que o tio morava em Teófilo Otoni e tinha ido passar o fim de semana na casa da mãe, em Malacacheta, quando o crime aconteceu.
Segundo a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Sandro Machado Vieira é acusado de ser o responsável pela morte do investigador Vandir Rodrigues Ferreira. Irmão da vítima, Reinaldo Rodrigues Ferreira também chegou a ser denunciado pelo crime de porte ilegal de arma, por pegar a arma que pertencia ao investigador para tentar defendê-lo. Em outubro de 2023, o juiz Cláudio Schiavo Cruz julgou extinta a punibilidade e o processo contra ele.
O sargento Sandro foi acionado para atender a uma ocorrência de perturbação do sossego, no Bairro Progresso, em Malacacheta. Ele foi até o local na companhia do também militar Arnaldo Camargos Santana, o sargento Santana.
Conforme a denúncia, quem pediu a averiguação foi Claudinei Souza de Jesus, também policial militar. Ele disse que o investigador da Polícia Civil era dono de um carro de cor prata que estava com som em alto volume, naquela noite.
Quando os militares chegaram ao local, o som do veículo já estava desligado. Eles se dirigiam até a casa do solicitante, Claudinei, quando se depararam com Vandir na rua, usando apenas uma bermuda.
De acordo com a denúncia, a diligência poderia ter terminado ali, já que o aparelho de som, objeto da solicitação, estava desligado quando os militares chegaram. Mas o investigador passou a questionar os militares, querendo saber o motivo de a viatura policial estar na porta da casa dele. Vandir perguntou se os policiais tinham sido acionados por Claudinei. Os dois já tinham desavenças anteriores.
Registro em vídeo
Os militares resolveram fazer o registro da ocorrência e o investigador foi alertado que, por questão de segurança, a diligência seria filmada. Os vídeos estão anexados ao processo. Segundo um relatório assinado pelo juiz Bruno de Souza de Viveiros, em maio deste ano, Vandir teria se exaltado quando perguntado sobre quem seria seu chefe direto. A partir daí, passou a questionar a condução dos militares e a filmagem dos acontecimentos.
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O investigador pediu que o irmão, Reinaldo Rodrigues Ferreira, fosse até a casa buscar sua arma. O sargento Santana ligou para seus superiores e para a chefia local da Polícia Civil pedindo orientações, mas Vandir, já exaltado, se aproximou de Claudinei e passou a questionar o sargento Sandro. Começa uma discussão entre eles. O sargento Santana se colocou entre Vandir e Claudinei para evitar o contato físico e uma possível violência.
No vídeo, Vandir questiona a atuação dos militares e sugere que haveria uma “armação” entre eles. O investigador se irrita com a filmagem e dá um tapa na câmera, quando o sargento Sandro focaliza o rosto do policial. É quando Vandir parte para luta corporal com o sargento Sandro. O sargento Santana foi socorrer o colega e ambos tentaram conter o investigador.
É quando Reinaldo, irmão da vítima, surge com a arma do policial, aponta para os militares e exige que eles soltem o irmão. Santana corre para trás da viatura, Claudinei deixa o local e alerta os presentes sobre a arma.
O sargento Sandro então saca sua arma, aponta para Reinaldo e exige que ele largue o armamento. Vandir tenta pegar a arma de Reinaldo. Segundo o relatório, os depoimentos divergem se ele chega a tomar ou não a arma do irmão. O sargento Sandro, ainda deitado, dispara em direção a Vandir, que é atingido seis vezes e morre no local.
Os disparos atingiram o lado esquerdo do tórax, a perna esquerda, a clavícula direita, o rosto e a perna direita. Duas testemunhas afirmam ter visto o sargento Sandro efetuar o último disparo com a vítima já deitada e indefesa, na região da cabeça.
Absolvição e recursos
A denúncia do MPMG foi recebida em 17 de dezembro de 2015. A defesa do sargento Sandro pediu a absolvição sumária do réu. Em alegações finais, o representante do MPMG pediu pela pronúncia do acusado, ou seja, que ele seja julgado pelo Tribunal do Júri, “ante comprovação da materialidade delitiva e indícios de autoria”. Também em alegações finais, a defesa do sargento pediu a improcedência da denúncia e a absolvição do acusado.
“Para que se determine o desaforamento, não é necessário que se tenha certeza da parcialidade dos jurados, mas apenas que pairem dúvidas fundadas quanto à imparcialidade”
Bianca Maria Spinassi
Juíza da comarca de Malacacheta
O juiz sumariante decidiu pela absolvição do réu. O Ministério Público recorreu e pediu a pronúncia do sargento. Em julho de 2018, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu dar provimento ao recurso do MPMG, cassando a decisão do juiz e pronunciando o réu, determinando assim, que o julgamento seja feito no Tribunal do Júri.
Espera por justiça
A sobrinha de Vandir diz que Claudinei morava na esquina da casa da avó dela. “Ele brigava com todo mundo, ninguém gostava muito dele. Implicava com os vizinhos. Na época, a dona da casa em que ele morava pediu para ele entregar o imóvel. Ele ia se mudar no mês seguinte”, relembra.
Sobre o sargento Sandro, ela ressalta que ele nunca ficou preso e é bem conhecido na cidade. Além disso, a espera pelo julgamento destruiu sua família. “Minha avó faleceu há três anos. Acho que por causa da angústia, ela acabou tendo um câncer. Quem mora na casa, atualmente, é meu tio, que teve um infarto no ano passado. Ele fica se remoendo porque não teve justiça. E fica vendo o suspeito, que intimida meu tio, debocha dele. Ele fica oprimido na cidade. Meu outro tio, que morava ao lado da minha avó, também morreu, doente”, descreve.
A sobrinha diz que a família espera que a justiça seja feita no caso da morte do tio. “Ele tinha 22 anos de Polícia Civil, nunca esteve envolvido em nada criminal. Foi morto por PMs despreparados, tomou seis tiros de .40. Não foi uma legítima defesa, como eles falam. Há 11 anos esperamos por isso (condenação), não ficou preso por um dia.”
Apesar de viver em Belo Horizonte, Daniela lembra que conviveu por muitos anos com o tio, que era irmão de sua mãe. “Ele veio pra cá fazer a prova da polícia e ficou morando com a minha mãe até conseguir passar e voltar para Teófilo Otoni. Era uma pessoa boa, trabalhador. (O sargento) o tirou da nossa família. Acabou com ela. Minha avó sofria, chorava todos os dias. Esperamos que tenha justiça”, afirma.
A defesa do sargento Sandro informa, em nota, que no julgamento de 28 de agosto serão apresentadas aos jurados todas as provas constantes nos autos que demonstram, “de forma clara e inequívoca”, sua inocência.
“Durante o júri, a defesa terá a oportunidade de expor detalhadamente os elementos probatórios que evidenciam a ausência de responsabilidade penal do acusado. Nosso compromisso é com a verdade real e com a Justiça. Confiamos que o Conselho de Sentença, diante das provas apresentadas, reconhecerá a inocência do sargento Sandro, pondo fim a uma acusação injusta”, afirmou o advogado Décio Queiroz.
Júri em outra cidade
Em março de 2023, a juíza Bianca Maria Spinassi, da comarca de Malacacheta, determinou o desaforamento do processo, ou seja, que o júri aconteça em outra comarca. Neste caso, a de Capelinha. “Por envolver policial militar e policial civil, em polos opostos, e porque a cidade de Malacacheta é uma comunidade pequena, o crime de homicídio teve grande repercussão, não só na comunidade local, mas mesmo em outras regiões, tendo sido noticiado, inclusive, em jornais de grande circulação”, disse a magistrada, em um trecho da decisão.
A juíza lembra também que o réu ainda atua como policial militar ambiental em Malacacheta, “onde é pessoa bastante conhecida e estimada, consoante se infere do abaixo-assinado de diversos moradores, declarando que ele nunca ofereceu perigo à comunidade local, que é pessoa conhecida, trabalhadora e muito querida no bairro onde reside com sua família”.
Além disso, a magistrada ressaltou que a esposa do réu já foi diretora de uma escola estadual na cidade e exerceu o cargo de vereadora, “tudo a indicar que ele e sua família são pessoas bastante influentes na comunidade”.
“Por certo, porque Sandro Machado Vieira é uma pessoa benquista, muitos de seus colegas e ex-colegas de farda comparecerão ao seu julgamento, com o intuito de lhe mostrar sua consideração e seu apoio, o que poderá vir a causar, nos jurados, uma indesejável pressão subliminar”, frisa a juíza em outro trecho da decisão.
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Ela termina destacando que todas essas considerações indicam que a imparcialidade dos jurados pode ser comprometida no julgamento do militar. “Por fim, registro que não estou afirmando que o Conselho de Sentença da Comarca de Malacacheta será parcial. Estou asseverando apenas que o Conselho de Sentença da Comarca de Malacacheta, neste caso, poderá perder a imparcialidade e, para que se determine o desaforamento, não é necessário que se tenha certeza da parcialidade dos jurados, mas apenas que pairem dúvidas fundadas quanto à imparcialidade, consoante assente entendimento jurisprudencial.”