O Instituto René Rachou (IRR), mais conhecido como Fiocruz Minas, completa 70 anos nesta terça-feira (26/8). Atualmente, a instituição abriga 25 grupos de pesquisa, com cerca de 700 pessoas, entre pesquisadores e estudantes que circulam pelo prédio.
Destacando sua relevância científica, especialmente após a atuação durante a pandemia de COVID-19, a atual diretora, Cristiana Brito, que assumiu o cargo em 2025, comentou sobre as expectativas e desafios da instituição para os próximos anos.
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“Construí toda a minha carreira dentro da Fiocruz Minas. É um prazer enorme chegar agora no cargo máximo da instituição, de forma muito especial, exatamente no ano em que completamos 70 anos”, comemora. Cristiana Brito explica que para o futuro, a agenda da unidade segue firme em suas origens, com pesquisas voltadas para as doenças infecciosas e a busca por soluções que melhorem a vida das pessoas, especialmente das populações mais vulneráveis.
“Nosso principal desafio hoje é concretizar o desejo de ter uma sede maior, já que nosso prédio principal, inaugurado em 1955, tem limitações e espaço reduzido. A ideia é aumentar o espaço em até cinco vezes”, explica a diretora. A atual sede da instituição, localizada no Barro Preto, Região Centro-Sul de BH, tem cerca de 2.600m², e, segundo Cristiana, há planos de expansão, incluindo a compra de um imóvel de cerca de 1.000m².
O espaço atual não comporta completamente o número de pesquisadores nem a quantidade de equipamentos. Atualmente, são cerca de 700 pessoas circulando pelo prédio e 26 espaços laboratoriais. Por conta da extensão das pesquisas, que costumam ser de longo prazo, a diretora conta que um estudante pode chegar a ficar 10 anos na instituição. Além disso, os laboratórios precisam comportar, com segurança, os equipamentos complexos utilizados.
Papel crucial no SUS
A diretora também destaca que a Fiocruz é uma instituição vinculada ao Ministério da Saúde e desempenha um papel crucial no Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade desenvolve pesquisas voltadas para políticas públicas e atendimentos clínicos, contribuindo para o diagnóstico e tratamento de diversas doenças. Por exemplo, pacientes com leishmaniose são acompanhados nos ambulatórios do instituto, onde recebem diagnóstico e tratamento totalmente gratuitos, financiados pelo SUS.
Além disso, os projetos da Fiocruz Minas ajudam na avaliação de políticas públicas. Cristiana cita como exemplo estudos desenvolvidos por Rômulo Paes, responsável pelo desenho e implementação do sistema de monitoramento e avaliação do Programa Bolsa Família (MDS) e especialista em política, planejamento e gestão em saúde do IRR.
Segundo a diretora da Fiocruz Minas, a integração entre pesquisa e serviço público é estratégica: “Tudo que fazemos é pensando em demandas importantes para o SUS. Nosso trabalho impacta diretamente a saúde da população, seja com atendimento clínico, desenvolvimento de métodos de diagnóstico ou formação de profissionais para o sistema de saúde”.
Formação e capacitação
O instituto oferece dois programas de pós-graduação, abrangendo mestrado e doutorado: Ciências da Saúde e Saúde Coletiva. O IRR já formou 417 mestres e 301 doutores. Para Cristiana Brito, essa atuação educacional é fundamental: “Muitos de nossos egressos trabalham em universidades e faculdades, contribuindo diretamente para a formação de novos profissionais da saúde”. Cristiana também destaca a capacidade da pós-graduação de inserir profissionais no mercado de trabalho, principalmente em instituições públicas de pesquisa, universidades e órgãos governamentais.
Um levantamento recente realizado pela vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz incluiu egressos que passaram pela instituição entre os anos de 2013 e 2024. Do Programa de Ciências da Saúde, 191 egressos responderam ao estudo: 62,6% relataram aumento salarial após a pós-graduação. Antes do curso, 53% não tinham emprego, número que caiu para 30% após a conclusão.
Orçamento
A reportagem teve acesso aos dados de execução orçamentária da Fiocruz Minas. Os valores aprovados para cada ano precisam ser totalmente executados dentro do período e não ficam acumulados de um ano para outro. Entre 2020 e 2025, os gastos anuais da instituição foram: R$ 70,4 milhões (2020), R$ 141,3 milhões (2021), R$ 66,5 milhões (2022), R$ 47,6 milhões (2023), R$ 66,5 milhões (2024) e R$ 37,2 milhões até agosto de 2025, totalizando R$ 429,5 milhões.
A diretora ressaltou que o valor elevado de 2021 reflete diretamente os recursos destinados ao enfrentamento da pandemia de COVID-19. Atualmente, segundo Cristiana Brito, a área de Saúde do governo federal sofreu um contingenciamento de cerca de R$ 2,4 bilhões, dos quais R$ 102 milhões foram bloqueados da Fiocruz.
Cristiana destacou que o contingenciamento tem um impacto significativo nas pesquisas. “O que acontece é que precisamos fazer uma negociação diária com o Ministério da Saúde para liberação de recursos. A grande dificuldade é que não conseguimos planejar projetos de longo prazo, ficando sempre focados em resolver questões imediatas, como o pagamento das contas discricionárias”, explicou a diretora.
Para minimizar o impacto da redução de recursos, segundo ela, a Fiocruz Minas tem buscado captação externa, por meio de agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de emendas parlamentares, nas quais deputados federais destinam verbas à instituição.
Avanços científicos
Cristiana Brito ressaltou os avanços científicos e sociais da Fiocruz Minas nos últimos anos. Entre as principais conquistas, destaca a atuação durante a pandemia de COVID-19, quando, segundo ela, o instituto assumiu papel de liderança em pesquisas para diagnóstico da doença, atendimento a pacientes e disseminação de informações confiáveis à população.
Além disso, a instituição desenvolve atualmente projetos focados em saúde pública, como o estudo sobre os efeitos do desastre de Brumadinho na população local. Os participantes são acompanhados anualmente, desde 2021. Entre os aspectos avaliados estão o perfil de exposição a metais, condições de saúde física e mental, uso de serviços de saúde e saúde infantil.
Outro exemplo é o Projeto Navio, que oferece atendimento a comunidades ribeirinhas no Mato Grosso do Sul e no Paraná, com foco em arboviroses (grupo de doenças causadas por vírus transmitidos por artrópodes, especialmente mosquitos, como dengue, zika, chikungunya e febre amarela) e educação em saúde.
A Fiocruz Minas também atua no desenvolvimento de métodos de diagnóstico e tratamento de doenças como leishmaniose, malária e raboviroses. Cristiana Brito cita sua pesquisa voltada à transmissão de malária na região extra-amazônica (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Seu grupo estuda a transmissão da doença e desenvolve um kit de diagnóstico que será aplicado diretamente pelo SUS.
Ainda segundo a instituição, pesquisadores da Fiocruz Minas avançam também no estudo do uso de nanopartículas de óxido de ferro como terapia complementar para o câncer de mama. Os testes em camundongos mostraram que as nanopartículas impediram a multiplicação das células tumorais e reduziram a formação de metástases, ativando o sistema imunológico, especialmente células “natural killers” (NKs), e diminuindo células que favorecem a progressão do câncer. Apesar dos resultados promissores, os pesquisadores alertam que ainda são necessárias várias etapas antes da fase clínica em humanos.
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Na área de vacinas, o instituto, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolve a Spin Tech, a primeira vacina 100% brasileira. O imunizante protege contra um número maior de variantes do vírus da COVID-19 a um custo inferior para a saúde pública. De acordo com a UFMG, atualmente, a Spin Tech finalizou a fase 2 dos testes clínicos, o que significa que ela está a um passo de concluir seu ciclo da pesquisa até a aprovação dos testes em humanos.
Cristiana ressalta, por fim, que o IRR também mantém linhas voltadas a questões sociais contemporâneas. Um exemplo é o grupo Violências, Gênero e Saúde, da Fiocruz Minas, que concluiu, em 2024, uma série de formações antirracistas voltadas para trabalhadoras e trabalhadores da rede de atendimento às mulheres em situação de violência, em Belo Horizonte. A diretora também citou por último uma pesquisa de 2022, que avaliou a saúde de vítimas que sofreram com a divulgação não autorizada de imagens íntimas. n
Estagiária sob supervisão do editor Enio Greco