A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu que a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira tinha ciência que seu marido, que confessou ter matado o gari Laudemir de Souza Fernandes, usava sua a arma de fogo pessoal. A servidora foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, por ceder seu armamento a terceiros. Ana Paula está afastada do cargo desde 13 de agosto, por motivos médicos.


A arma que Renê tinha acesso foi usada no homicídio. De acordo com a corporação, os exames periciais realizados entre duas munições apreendidas no local do crime tiveram compatibilidade com a pistola calibre .380 apreendida na casa da servidora pública. O artefato é de uso particular da mulher, e está apreendido desde então.

Nessa quinta-feira (28/8), Ana Paula foi substituída no Comitê de Ética em Pesquisa da Academia da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), em meio a um afastamento da servidora por licença médica. Conforme o ato, assinado pela delegada-geral da Polícia Civil Yukari Miyata, a servidora foi substituída por uma professora. A publicação não deixa claro se a mudança é definitiva.

Da esquerda para direita: delegados Adriano Soares, Saulo Castro, Álvaro Huertas, Evandro Radaelli e Matheus Moraes

Polícia Civil/ Divulgação

Desde 11 de agosto, a Corregedoria da PCMG instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida em relação ao uso de sua arma pessoal no possível crime. Na ocasião, segundo repassado à imprensa pelo porta-voz da corporação, o delegado Saulo Castro, a servidora afirmou que o marido não tinha acesso aos dois artefatos. Além disso, a delegada disse que não tinha nenhuma informação em relação ao crime em que o companheiro foi preso por suspeita de participação.

Ana Paula foi nomeada membro titular do Comitê  de Ética em Pesquisa da Academia da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais em 23 de agosto de 2024, quando o grupo foi criado com a finalidade de “desenvolvimento profissional e técnico-científico dos servidores da PCMG”, além de defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.

Fascínio por armas

Renê foi indiciado por homicídio qualificado - por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima-, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo. Durante coletiva de imprensa, o delegado responsável pelo caso, Evandro Radaelli, explicou que além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que ele possui "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento o concedia. 

Radaelli explica que durante análises feitas no aparelho celular do investigado foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas. Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre.

Como foi o crime

O prestador de serviços da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) trabalhava, junto com outras quatro pessoas, na Rua Modestina de Souza, por volta das 8h55, quando a motorista do caminhão, uma mulher de 42 anos, parou e encostou o veículo para que uma fila de dez carros pudessem passar. A via de mão dupla, segundo relato de testemunhas, fica próximo da Avenida Tereza Cristina. Em determinado momento, o último veículo, identificou um carro, modelo BYD da cor cinza, teria enfrentado dificuldades para passar pelo caminhão e, por isso, a motorista e um dos garis teriam indicado ao motorista que o espaço seria suficiente.

Em seu depoimento à Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), a condutora do caminhão de coleta, identificada como Eledias Aparecida Rodrigues, afirmou que enquanto recebia as instruções dos funcionários, o motorista do BYD pegou uma arma preta, fez movimento para engatilhar a arma e apontando para ela disse: “Se você esbarrar no meu carro eu vou dar um tiro na sua cara, duvida?”.

Diante das ameaças feitas à colega, uma segunda testemunha afirmou que os demais trabalhadores tentaram acalmar o suspeito e pediram que ele seguisse seu caminho. Mesmo assim, segundo o boletim de ocorrência, o homem desembarcou com a arma em punho, deixando o carregador cair. Ele então o recolocou, manobrou a arma e efetuou um disparo em direção à vítima. Laudemir chegou a ser socorrido e encaminhado para o Hospital Santa Rita, no Bairro Jardim Industrial, em Contagem, mas faleceu.

Imagens de câmera de segurança flagraram o momento em que o gari saiu correndo já ferido. Na gravação é possível ver o momento que o carro que seria do investigado, vira na rua em que o caminhão de coleta estava parado. O veículo então para por um segundo, segue em frente e os demais que estavam atrás passam a dar ré e sair da via. Na sequência, dois garis saem correndo e um deles coloca a mão na região do abdômen e cai no chão. Ele é amparado por um colega que segura sua cabeça. 

O que disse o investigado?

Em um primeiro momento, Renê negou que teria cometido o crime e passado pela Rua Modestina de Souza, no Bairro Vista Alegre, Região Oeste de BH, na manhã de 11 de agosto. Ele chegou a dizer que saiu de casa, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na região metropolitana, direto para o trabalho em Betim, também na Grande BH. No entanto, o álibi foi derrubado pelas investigações que obtiveram imagens nítidas do carro do suspeito e dele guardando a arma de sua esposa, delegada da PCMG, em uma mochila. 

Após a divulgação das gravações, na última segunda-feira (18/8), o investigado, em novo depoimento, confessou que estava no local e disparou a arma da esposa. Conforme registrado no termo de declaração da oitiva, pela PCMG, Renê afirmou que essa teria sido a primeira vez que pegou a pistola .380, de uso particular da mulher. Ainda segundo a nova versão, ele teria feito isso para se proteger por “estar indo para um local perigoso” e por não conhecer o caminho. A arma, então, seria “para proteção”.

Durante o caminho para o trabalho, Renê teria encontrado um congestionamento causado pelo caminhão de coleta de lixo. Segundo ele, a motorista deixou que os carros à sua frente passassem, mas ao chegar na sua vez fechou o trânsito. Ele, então, teria gritado “Meu carro é largo, não vai passar” e a funcionária, do ângulo em que estava, viu a arma dentro do carro e alertou os coletores: “Ele está armado!”.

Em resposta a isso, Renê contou que um gari veio em sua direção, dizendo que ameaçar uma mulher era fácil, “quero ver fazer isso com um homem”. Ele confessou que após a suposta ameaça, saiu do carro, com a arma em mãos, e apontou para o chão, momento em que o gari recuou. Conforme o relato, o suspeito levantou a arma de fogo e, ao perguntar se o gari queria “resolver na mão”, a arma disparou. Ele afirmou que não tinha intenção de matar ninguém e sim “atirar para o alto”. 

Renê também alegou que não imaginava que o disparo atingiu Laudemir e imaginava poder responder judicialmente “no máximo” por porte ilegal de arma de fogo. Ele disse que só soube do assassinato ao ser abordado pela Polícia Militar de Minas Gerais, na tarde do crime.

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O que acontece agora?

  • O resultado das investigações e indiciamento do suspeito serão enviados ao Ministério Público de Minas Gerais;
  • Após o recebimento dos documento, o MPMG tem até dez dias para denunciar, ou não, o indiciado à Justiça;
  • Além dos crimes relatados na conclusão do inquérito o MPMG pode acusar o homem por outros delitos;
  • A delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira vai continuar afastada, por motivos de saúde;
  • A Corregedoria da PCMG continua as investigações administrativas contra a servidora.
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