Na contramão do Brasil, desmatamento da Mata Atlântica aumenta em Minas
Enquanto supressão do bioma diminuiu 44% em todo o território nacional, Minas Gerais registra aumento de 6%
compartilhe
Siga noMinas Gerais desmatou 2.041 hectares (ha) de Mata Atlântica somente no primeiro trimestre de 2025, o equivalente a 2.858 campos de futebol, segundo dados divulgados pelo SOS Mata Atlântica, por meio do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), nesta sexta-feira (26/9). Os dados representam um aumento de 6,1% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram desmatados 1.922 ha.
Leia Mais
O estado vai na contramão da tendência registrada no país para os três primeiros meses do ano, com uma queda de 42,3% na supressão do bioma, passando de 14 mil ha para 8 mil ha.
O crescimento em Minas acontece após dois anos de redução na destruição da Mata Atlântica em território mineiro. De 2022 para 2023, o estado apresentou uma diminuição de 12,8%, e em 2024 registou queda expressiva de 44.4%.
“Minas é um termômetro da Mata Atlântica no Brasil quando se trata de desmatamento, então, o aumento é um sinal de alerta. Minas já desmatou muito desse bioma e sempre vem de patamares muito altos. Precisamos tomar todas as medidas para evitar essa trajetória de aumento e passar a reduzir, porque nossa meta é chegar no desmatamento zero, e estamos bastante longe disso, infelizmente”, analisa Luis Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica.
Luis ainda explica que, no território mineiro, a supressão do bioma está concentrada em algumas regiões, como o Vale do Jequitinhonha, de forma que o combate a essa prática não é tão difícil. Ele diz também que a vegetação original é substituída, principalmente, por pasto e silvicultura, ou seja, plantio de eucalipto.
O diretor executivo explica que a área desmatada divulgada pelo sistema é a soma das áreas suprimidas legal e ilegalmente e que cabe às autoridades confirmar se houve crime ambiental e aplicar as medidas cabíveis.
Brasil
A Mata Atlântica abrange 15% do território nacional, está presente em 17 estados brasileiros e concentra 80% do PIB do país. Dessa área, apenas 12% da vegetação estão em bom estado de conservação
Segundo a SOS Mata Atlântica, o resultado positivo se refere apenas aos três primeiros meses do ano e é preciso cautela. No primeiro semestre de 2024, por exemplo, houve uma queda de 55%, mas o aumento dos cortes nos meses seguintes levou a um resultado de preocupante estabilidade no desmatamento total do ano.
“É ótimo notar uma trajetória de queda, porém a situação ainda é de alerta. A Mata Atlântica é o bioma mais devastado do Brasil, e cada hectare perdido compromete a biodiversidade e a qualidade de vida da população com um todo. Para virar o jogo, o país precisa implementar com rapidez o novo plano de combate ao desmatamento e encerrar o ciclo de ameaças legislativas à Lei da Mata Atlântica”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da organização.
Protegendo o bioma
O Ministério Publico de Minas Gerais também divulgou em sua sede em Belo Horizonte o encerramento da oitava edição da Operação Mata Atlântica em Pé, que fiscalizou 100 polígonos, com 4.206,70 hectares em área autuada e R$ 26.889.263,97 em multas aplicadas somente em Minas Gerais. Além disso, duas pessoas foram presas em flagrante; foram apreendidas uma escavadeira, uma carregadeira e duas motosserras. A operação foi coordenada nacionalmente pelo MPMG e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa).
“Minas Gerais é o estado que sempre se destaca. Pelo lado negativo, pela continuidade do desmatamento do Mato Atlântico em índices altos, pelo lado positivo, pela articulação dos seus órgãos de fiscalização do Ministério Público na resposta a esses ilícitos”, analisa afirma o promotor de justiça do Ministério Público do Paraná (MPPR) e coordenador nacional da operação pela Abrampa, Alexandre Gaio.
A ação de combate ao desmatamento atuou em 17 estados brasileiros, sendo oito da Região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), os quatro do Sudeste (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), os três do Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e dois do Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso do Sul).
Segundo os dados parciais divulgados ao fim da operação, ao todo, foram fiscalizados 12.327,42 hectares. De áreas desmatadas, foram arrecadados R$ 116.391.239,49 em sanções por infrações ambientais. “Os dados de quatro estados estão faltando: São Paulo, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Norte. Certamente, haverá um acréscimo nesses dados, mas eu friso que, só com o que a gente tem até agora, conseguimos superar toda a área focalizada no ano de 2024", afirma Gaio.
Segundo o promotor, em 2023, o desmatamento da Mata Atlântica em todo o Brasil reduziu cerca de 50% em relação a 2022. Gaio também explica que, no ano passado, dos 13.472 hectares desmatados, 2.800 ha decorreram de eventos climáticos extremos, especialmente no estado do Rio Grande do Sul.
Mais do que fiscalizar novas áreas desmatadas, outra frente de atuação da operação é retornar em áreas que já foram autuadas em embargos anteriormente para verificar se continuam respeitando o embargo e se a área está sendo regenerada conforme previsto. “É importante dizer que a Operação concentra esforços em regime de força tarefa, mas os órgãos de fiscalização continuam atuando durante todo ano”, diz Gaio.
Cada árvore importa
Por meio do Acordo de Paris, o Brasil tem o compromisso de zerar o desmatamento até 2023. Já o Plano de Ação Climática de Minas Gerais (PLAC-MG) prevê como um dos principais objetivos alcançar a neutralidade de emissões líquidas de gases de efeito estufa no território estadual até 2050.
Para além do código florestal, o bioma é protegido pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428 de 2006) e o define como Patrimônio Nacional. Também cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, proíbe o desmatamento de florestas primárias e cria regras para exploração econômica.
“A Malta Atlântica é o único bioma que tem uma lei específica sua para sua proteção. O desmatamento ali só é permitido em situações excepcionais, como situações de utilidade pública ou interesse social”, afirma Pinto.
O especialista explica que a destruição de uma floresta leva à extinção de espécies e compromete os recursos hídricos, a geração de energia elétrica, a produção de alimento e a saúde na medida em que animais são expulsos de seus habitats naturais e podem transmitir doenças para os humanos. A nível global, contribui para os avanços dos eventos climáticos extremos.
“Para nós, qualquer pedaço de Mata Atlântica que a gente perde, seja legal ou ilegal, faz muita falta”, declara. “Podemos mudar essa situação e sermos o primeiro lugar do mundo a reverter a destruição de uma floresta tropical. Então, há luz no fim do túnel, ela é possível e está ao nosso alcance. A gente sabe como fazer e tem condições para isso, inclusive em Minas Gerais”, completa.
Flexibilização da legislação
Na contramão da preservação ambiental está o Projeto de Lei 2.159/21, também conhecido como "PL da Devastação", com o objetivo de flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental. A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados em julho, com 267 votos favoráveis e 116 contrários.
Dentre os principais pontos do PL está a criação de um novo tipo de licenciamento ambiental, chamado de Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida mesmo se o empreendimento potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, e mineração de grande porte e/ou alto risco não teria mais que seguir as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
No dia 8 de agosto, o presidente Lula sancionou o projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional, com 63 vetos. Já na semana passada, o Congresso Nacional apresentou 833 emendas à Medida Provisória (MP) do Licenciamento Ambiental Especial. Com isso, não seria necessário que os parlamentares examinem os vetos em sessão conjunta e permitiria usar a MP como atalho para incluir novos dispositivos sem debate público ou controle social.