A Polícia Federal (PF) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) investigam as pessoas que podem ter tido contato com o segundo maior diamante do Brasil desde que foi alegadamente extraído pela Diadel Mineração no Rio Douradinho, em Coromandel, no Alto Paranaíba. Também estão no foco das apurações integrantes da Carbono Mineração, de Araguari, no Triângulo Mineiro. Há suspeitas de que o garimpo do Triângulo seja a verdadeira origem da pedra preciosa.
Além de levantar se há suspeitos , essa verificação procura identificar se as versões sobre a localização das pessoas e suas atitudes nos dias posteriores ao encontro da pedra correspondem à realidade e se podem ser confirmadas por testemunhos ou atividades lastreadas em registros críveis.
O diamante de 646,78 quilates foi retido pela PF e a ANM no momento em que passava pelo lacre do Certificado do Processo Kimberley (CPK), em 27 de agosto de 2025, como revelou com exclusividade a reportagem do Estado de Minas. O lacre do CPK é a última etapa antes de a gema poder ser exportada.
A identificação das pessoas envolvidas no achado deve ser feita em até dois meses. É um dos mais importantes aspectos, pois chega até a identificação dos garimpeiros que localizaram a pedra durante a mineração e que, por isso, precisam ter contrato com a empresa e sustentar que estavam no local de extração no dia e hora.
Isso porque o processo produtivo é feito a mão. Há operadores de máquinas, e no processo final um trabalhador responsável recolhe manualmente as pedras de diamantes. A polícia quer saber quem são essas pessoas e quais as suas relações de trabalho ou comerciais com a Diadel Mineração e a Carbono Mineração. E também se é possível comprovar por testemunho ou registros rastreáveis que estavam na lavra no dia em que alegam ter descoberto o segundo maior diamante do Brasil.
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No caso dos trabalhadores e garimpeiros que atuam na Carbono Mineração, a investigação procura saber se há relações com a Diadel Mineração ou com os compradores da pedra preciosa. Se algum fator pode ligar garimpeiros, funcionários ou intermediários dos dois locais, algum vínculo ou atividade em comum, comunicação feita entre eles, recebimento de valores, transações entre os investigados e o cruzamento das histórias.
Em todos os casos, as versões de localização nos dias dos fatos precisam ser confirmadas e confrontadas com testemunhos e registros. O mesmo vai ocorrer com a relação e rastreamento das pessoas que estiveram envolvidas com a guarda do diamante desde a sua mineração. Essa checagem confere com quem esteve a pedra, por quanto tempo e em quais locais.
A Polícia Federal em Brasília disse que “não compartilha qualquer informação sobre investigações em curso. O que for passível de divulgação será feito em momento oportuno no site da corporação”. A ANM informou que acompanha a situação com rigor, atuando em conformidade com os princípios administrativos para assegurar a lisura do processo. Por razões de segurança e para a proteção de todos os envolvidos, os detalhes permanecem sob sigilo”. Também a Superintendência Regional da Polícia Federal em Minas Gerais informa que “não fornece informações sobre investigações em andamento.
A Carbono Mineração, apontada como a possível origem do diamante, ainda não se manifestou. A Diadel Mineração e seu sócio-administrador foram procurados e não se posicionaram. A consultoria que faz as movimentações do CPK para a Diadel informou não ter autorização para comentar sobre o caso.
A reportagem do EM mostrou ontem que entre os elementos centrais da investigação estão registros fotográficos com metadados, testemunhos técnicos e as relações da mineradora que apresentou a pedra, a Diadel Mineração. A investigação considera essenciais os registros de pesagem do diamante. As empresas produtoras precisam manter controle diário de produção, incluindo fotografias da gema e de sua pesagem ainda na mina.
Esses arquivos contêm metadados capazes de indicar data, hora e até coordenadas geográficas da captura das imagens, o que pode comprovar a real extração. Em caso de dúvida, os equipamentos usados — câmeras, celulares e computadores — podem ser apreendidos para recuperação dos dados.
Também foram exigidas planilhas mensais de produção com informações detalhadas do local de extração, dia, hora e registros de pesagem com a assinatura do responsável técnico. A localização da cava é ponto-chave: testemunhos e vídeos apontam que o garimpo da Diadel em Coromandel estaria paralisado ou em funcionamento irregular. Até o momento, a empresa mostrou apenas montes de cascalho antigos, com vegetação incompatível com a versão de que o diamante teria sido retirado em maio.
Os investigadores buscam verificar se o volume de cascalho processado condiz com o declarado e com as condições físicas do local. Cortes recentes ou antigos, erosão, sedimentos de rio e crescimento de vegetação são fatores analisados para validar a versão da extração. A pesagem e a assinatura do responsável técnico também são avaliadas, já que podem tanto indicar fraude quanto confirmar a legalidade do processo.
O controle semestral feito pela ANM por meio do Certificado do Processo de Kimberley é sustentado pelo diário de mina, documento em que a empresa declara produção e volumes processados com aval de um responsável. Esse profissional pode ser chamado a depor caso surjam indícios de inconsistência entre registros e realidade do garimpo.
A Diadel Mineração foi criada em 2004 e pelo menos desde 2024 tem como controlador o empresário Carlos César Manhas. O controlador chegou a ser condenado anteriormente por receptação de diamantes de uma reserva indígena e é conhecido por suas conexões com o mercado internacional, especialmente com negociadores israelenses.
INCONSISTÊNCIAS
Há várias inconsistências na trajetória do diamante. A venda de uma gema de tal magnitude, avaliada em dezenas de milhões de reais, ocorreu sem alarde. Negociadores brasileiros não foram contatados, contrariando a prática de mercado que buscaria múltiplas ofertas para maximizar o lucro por meio de um leilão.
A transação teria sido fechada por um valor entre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões, enquanto estimativas de especialistas apontam que o diamante poderia valer até R$ 50 milhões. A publicidade mínima e o preço abaixo do mercado sugerem uma tentativa de concluir o negócio rapidamente, antes que questionamentos sobre a procedência da pedra pudessem surgir.
Outro fato que intriga os investigadores é a atividade da mina da Diadel em Coromandel. Relatos locais indicam que a operação era intermitente e foi paralisada logo após o anúncio da descoberta. O procedimento costumeiro na mineração seria o oposto: intensificar os trabalhos na área na esperança de encontrar mais gemas de grande valor, delimitando a jazida.
A reação da empresa após a intervenção da PF e da ANM também foi considerada suspeita. Em 27 de agosto, quando a gema foi retida, a Diadel protocolou a desistência do Certificado do Processo Kimberley (CPK). Embora a ANM afirme oficialmente que o processo não foi concluído e que não houve desistência, o registro do ofício de cancelamento no sistema da agência indica um recuo estratégico.
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A medida pode ter sido uma tentativa de evitar que a certificação fosse formalmente negada pelas autoridades, o que impediria a exportação e tornaria as irregularidades mais evidentes. Com a pedra apreendida e um prazo de 60 dias para apresentar uma vasta documentação comprobatória, a situação da mineradora se complica.
O caso reforça os níveis de controle rigorosos exigidos pela ANM no processo de certificação Kimberly, onde as exigências do processo podem impedir fraudes que neste caso, se confirmadas, seriam um dos maiores casos do Brasil.