Casa de empresário é alvo de busca e apreensão
PF cumpriu mandados no condomínio de luxo, que, segundo as investigações, pode estar ligado ao mistério da origem da 2ª maior pedra do tipo achada no país
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Siga noA residência do empresário Oswaldo Borges da Costa Netto, de 53 anos, mais conhecido como Wado Borges, foi alvo de um mandado de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) como parte da investigação sobre a origem do segundo maior diamante do Brasil. A pedra preciosa de 647 quilates foi apreendida em 27 de agosto, em Belo Horizonte, como mostrou com exclusividade reportagem do Estado de Minas publicada em 2 de setembro.
A ação policial na casa do suspeito ocorreu na última quarta-feira (24/9), às 6h, no condomínio de luxo em que vive com a família, em Nova Lima, na Grande BH. Ele não estava em casa no momento. A reportagem apurou que, na semana seguinte à apreensão do diamante, Wado teria viajado para a França e em seguida para a China.
Um dia depois dessa ação policial, como mostrou a edição de ontem do EM, a PF cumpriu mais dois mandados de busca e apreensão nos municípios mineiros de Coromandel e de Nova Ponte, ambos no Alto Paranaíba. A reportagem apurou que o alvo em Coromandel seria um homem conhecido no mercado de pedras preciosas e que é suspeito de ter agido como intermediário no suposto desvio do diamante.
Em Nova Ponte, o endereço vasculhado pelos policiais federais também é residencial. Segundo apurado pelo EM, o município é o mesmo de origem de garimpeiros que trabalham na mineração de diamantes do Rio Araguari.
A empresa Diadel Mineração Ltda. foi quem revelou a existência do segundo maior diamante do Brasil, ao afirmar que a extração se deu em seu garimpo no Rio Douradinho, em Coromandel. A pedra foi registrada no Relatório de Transações Comerciais (RTC) do Cadastro Nacional de Comércio de Diamantes (CNCD), em 29 de maio de 2025.
Contudo, a PF investiga se a verdadeira origem da pedra preciosa foi uma extração legal no Rio Araguari, em Araguari, no Triângulo Mineiro, pertencente à Carbono Mineração. A suspeita é de que o diamante possa ter sido furtado e desviado.
A gema foi apreendida pela PF e pela Agência Nacional de Mineração (ANM), e o empresário Wado Borges também se tornou um dos alvos da investigação. Reconhecido comerciante de diamantes em Minas Gerais, Wado é tido como comprador do diamante e aparece em diversas imagens de redes sociais com a pedra gigante em mãos, antes da apreensão. Há informações de que ele próprio teria levado a pedra para a ANM, de táxi, no dia da apreensão, na capital mineira.
O diamante foi apreendido justamente no dia em que a pedra preciosa estava prestes a receber o último selo do Certificado do Processo Kimberley (CPK), documento indispensável para sua exportação.
Participaram da ação agentes da ANM de Brasília e da Polícia Federal devido a suspeitas de furto e desvio da gema rara. Irregularidades e crimes envolvendo a pedra estão sendo investigados em um processo administrativo confidencial da agência e em uma investigação da PF.
RUMORES NO MERCADO
Fontes do mercado informaram que representantes de um comprador da Bélgica, sediado na cidade de Antuérpia, estavam no Brasil para negociar com Wado Borges nos dias em que o diamante receberia o lacre do CPK.
Vídeos circulam nas redes sociais, inclusive nos perfis pessoais de Wado Borges, nos quais ele aparece de posse da gigantesca pedra preciosa. Há registros do comerciante em diversas situações, como a bordo de seu avião, sobrevoando a cidade de Coromandel, em uma mesa assinando documentos com a gema à sua frente, e até mesmo um vídeo mostrando a pesagem do segundo maior diamante do Brasil.
A documentação entregue pela Diadel Mineração à ANM inclui a nota fiscal de venda e o pedido de exportação (CPK), sugerindo que pagamentos foram efetuados. No entanto, com a apreensão da pedra preciosa, esses valores teriam de ser devolvidos.
Há rumores no mercado de diamantes de Coromandel – entre garimpeiros e negociantes – de que parte do valor combinado pela gema não foi pago. Isso teria causado insatisfação e ameaças, que se intensificaram com a apreensão do pedra.
Nesse contexto, um novo vídeo circulou nas redes sociais levantando ainda mais suspeitas sobre Wado Borges. A filmagem mostra o empresário em uma pista de pouso, falando ao telefone atrás da asa de seu avião monomotor com a hélice ligada. Três caminhonetes cercam a aeronave, e atrás delas é possível ver um homem que parece ser um policial militar.
A narração é feita por um homem que sai de uma das caminhonetes e se posiciona do lado oposto da asa. Ele faz várias acusações contra Wado, enquanto filma o piloto e o passageiro, que o narrador identifica como sendo o filho de Borges. Este último cobre o rosto para não ser visto. A reportagem não localizou nenhuma ocorrência relativa ao fato.
A reportagem procurou Wado Borges e deixou recado ofertando espaço para posicionamento em seis empresas na qual ele é sócio, mas sem nenhum retorno. A esposa dele também foi procurada por meio de aplicativo de mensagens, com a mesma oferta, mas também não respondeu.
Wado Borges tem uma reputação estabelecida no mercado internacional como um conhecido negociante e comprador de diamantes de alto valor no Brasil, com uma extensa rede de clientes. Muitos vendedores de gemas procuram Wado, porque acreditam que, ao negociar com ele, estão vendendo diretamente para o mercado global, algo que ele vem fazendo há bastante tempo.
Ele tem um profundo conhecimento dos procedimentos de exportação e frequentemente atua como intermediário em vendas para empresas estrangeiras, auxiliando a evitar a dupla tributação.
A aparição repentina de Wado com o diamante, sem que houvesse um leilão ou que outros compradores brasileiros fossem consultados, gerou suspeitas no mercado. Negociadores brasileiros afirmaram que não foram procurados para a compra, o que é incomum para uma gema de tamanha importância.
Normalmente, uma descoberta desse porte resultaria em um leilão para inflacionar o valor do diamante e assegurar a melhor proposta. A estimativa de preço de venda entre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões também chamou a atenção, pois é considerado um valor muito inferior ao que a pedra poderia alcançar no mercado.
Especialistas calculam que a gema poderia valer facilmente R$ 50 milhões. Essa grande diferença de preço, somada à falta de publicidade na negociação, sugere uma tentativa de fechar o negócio rapidamente, possivelmente antes que pudessem surgir questionamentos sobre a origem da pedra. O fato de a divulgação ter sido discreta e amadora para uma descoberta de tal magnitude também causou estranheza, pois não atrairia investidores para a operação minerária onde o diamante foi extraído.
APARENTE LEGALIDADE
A principal suspeita investigada é se a pedra foi, de fato, furtada e transferida de Araguari para Coromandel para “esquentar” sua documentação na Diadel Mineração, conferindo-lhe uma aparente legalidade por meio de um garimpo lícito. Não se sabe se Wado é apenas um comprador que desconhece essas suspeitas ou se teria agido previamente e utilizado a Diadel para o esquema.
Fundada em 2004, a Diadel Mineração tem como sócio-administrador, desde 2024, o empresário Carlos César Manhas, de 63 anos. Manhas é uma figura bem conhecida no setor de diamantes em Coromandel e estaria ligado a grupos de israelenses que atuam no mercado internacional de pedras preciosas.
Em 2002, Manhas foi detido pela PF em Rondônia, junto com um grupo de brasileiros e israelenses, por posse de 44 diamantes e uma ametista. As pedras seriam oriundas da Reserva Indígena Roosevelt, pertencente aos Cinta-Larga, uma área onde a mineração é proibida.
O empresário foi condenado por receptação de bem pertencente à União, com a acusação de facilitar o comércio ilegal de diamantes para compradores estrangeiros, especialmente israelenses, com quem ele manteria conexões até os dias de hoje.
A investigação da PF e da ANM também se dedica a rastrear todas as pessoas que tiveram contato com o diamante. Isso inclui desde os garimpeiros que supostamente encontraram a gema até possíveis compradores e intermediários, visando identificar seus vínculos de trabalho, valores recebidos e comprovar sua localização nos dias da suposta extração.
“DIREITOS VIGENTES”
Por meio de nota de seu sócio-administrador, Carlos Manhas, a Diadel Mineração repudiou as suspeitas e reiterou sua propriedade e licitude. Destacou ser uma empresa regularmente constituída, com “histórico consolidado de descobertas de diamantes de grande porte” e possuir licenciamentos e direitos vigentes.
A empresa revelou que “no dia da descoberta, representantes da (ANM), acompanhados de profissionais especializados, estiveram presentes no local, inclusive na frente de lavra, para atestar oficialmente o achado. Este fato comprova, de forma inequívoca, que o diamante foi extraído na área da Diadel e é legítima propriedade da empresa”.
A reportagem procurou a ANM para saber sobre a presença de agentes, mas a agência reguladora do setor não confirmou. “Os processos de Certificação Kimberley são de natureza sigilosa, sendo vedado qualquer fornecimento de dados sobre seu andamento. A Agência possui competência para adotar medidas acautelatórias administrativas quando necessário, conforme previsto na legislação;
Qualquer ação da ANM é pautada pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios da Administração Pública”, informou por meio de nota.
Segundo a Diadel Mineração nunca houve qualquer relação com a empresa responsável pela denúncia que resultou na apreensão do diamante, a Carbono Mineração, que ainda não se pronunciou sobre o caso.