CAMINHO DA INCLUSÃO

Crianças com paralisia cerebral fazem caminhada ecológica em trilha na RMBH

No Dia Mundial da Paralisia Cerebral, jovens enfrentam desafios do terreno e vivenciam inclusão, cuidado e contato com a natureza em trilha ecológica adaptada

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A Trilha Mirante dos Feixos, em Nova Lima, na Grande BH, recebeu nesta segunda-feira (6/10) uma turma especial; crianças e adolescentes atendidos pela Associação Mineira de Reabilitação (AMR) participaram, pela primeira vez, de um percurso ecológico.

Entre desafios do terreno, estímulos da natureza e o uso de equipamentos adaptados, os participantes mostraram que limites podem ser vencidos quando inclusão, cuidado e contato com o ambiente natural caminham juntos. A atividade marcou o dia dedicado à conscientização sobre a paralisia cerebral e reforçou a importância de garantir oportunidades para que pessoas com deficiência vivam plenamente.

O percurso foi cuidadosamente planejado pelo Projeto Trilhas, em parceria com a Associação Mountain Bike BH, o C.A.S.A. e com apoio da Vale, garantindo acessibilidade, segurança e estímulos sensoriais oferecidos pela Reserva dos Feixos. Seis pacientes participaram -- cinco utilizando equipamentos adaptados (handbikes, Juliettes e triciclos) e uma criança com andador -- em um trajeto de aproximadamente 1 km, acompanhado por voluntários, fisioterapeutas e terapeutas da AMR.

O coordenador de guias do Projeto Trilhas, Guilherme Sette Câmara, explica que a trilha faz parte do Circuito Vale de Trilhas. Segundo ele, Nova Lima é conhecida pelo ecoturismo e possui muitas trilhas na região. “Trabalhamos em parceria com a Vale para incluir essas experiências no circuito. As trilhas em si não são adaptadas; o que fazemos é levar equipamentos que permitem as pessoas percorrê-las normalmente”, afirma.

O projeto utiliza handbikes, Juliettes e triciclos -- atualmente, dois triciclos, duas Juliettes e uma handbike e novos equipamentos, incluindo mais handbikes, estão previstos para aquisição. O custo médio de cada equipamento varia entre R$ 8 mil e R$ 9 mil.

Cada passeio conta com 12 voluntários capacitados, que auxiliam os participantes durante todo o percurso. Desde março de 2025, o projeto já realizou 47 saídas em diferentes trilhas, como Lagoa dos Ingleses, Mirante dos Feixos, Nacacos, Bacia Viva e Serra da Calçada, e planeja novas atividades conforme a aceitação do público.

A coordenadora do Trilha para Todos, Sandra Idrami, explica que o maior impacto do projeto é cognitivo e comportamental. Segundo ela, as famílias relatam que, após o contato com a natureza, o desenvolvimento das crianças e adolescentes melhora, aumentando a motivação e a disposição para enfrentar desafios. Além disso, o projeto serve como exemplo de turismo de acessibilidade, mostrando que experiências turísticas devem considerar a inclusão desde o planejamento até a execução.

O projeto busca unir inclusão social, contato com a natureza e incentivo ao desenvolvimento de pessoas com deficiência, mostrando que ecoturismo e acessibilidade podem caminhar juntos.

Viver a inclusão

A trilha não foi apenas um passeio; foi um momento de troca, descobertas e superação para as crianças e adolescentes da AMR e suas famílias. Everton de Alvarenga, de 5 anos, abriu o percurso, mostrando como o contato com a natureza e as atividades adaptadas ampliam possibilidades. 

Ruth Heloiza, mãe de Everton, contou que a experiência na AMR transformou a rotina do filho: “Fez um ano agora que ele está na AMR. O desenvolvimento dele é incrível. Só tenho a agradecer a tudo que eles vêm fazendo por nós. São muito especiais todo o trabalho, a dedicação, o carinho com as crianças. É muito bom, traz muita alegria pra gente.”

O início não foi fácil. Everton precisou se adaptar às terapias, mas o cuidado da equipe fez toda a diferença. Ruth acrescenta: “Ele teve algumas dificuldades para se adaptar, mas eles nunca desistiram dele. Esse cuidado com as crianças e com as famílias faz toda a diferença.”

Hoje, Everton participa de fisioterapia e esportes duas vezes por semana, mas fora da AMR a acessibilidade ainda é um desafio. Ruth explica: “Nem todos os lugares têm estrutura. Encontramos dificuldades em estacionamentos, falta de elevador, motoristas que não param para embarcar o cadeirante. Em alguns lugares, faltam brinquedos adaptados ou rampas de acesso. Então adaptamos atividades em casa, brincando com os irmãos. Ele gosta muito, e isso ajuda no dia a dia.”

Quando soube que participaria da trilha, ele se surpreendeu: “Gostou! No começo, ele assustou com o ônibus, mas quando chegou e viu os equipamentos coisas que nunca tinha visto , ficou surpreso e alegre. Acho que vai querer fazer mais vezes, com certeza.”

Mais à frente no percurso, Isabella Maria Batista Soares, de 13 anos, se preparava para acompanhar a experiência. Sua mãe, Cintia Soares Pereira Silva, acompanha de perto o desenvolvimento da filha, que frequenta a AMR duas vezes por semana: “Antes de ela ir para a AMR, ela ficava muito em casa. Depois que começou os atendimentos, ela desenvolveu bastante. Ela fez cirurgia no quadril, virilha, joelho e pé. Já está começando a dar passinhos e evoluiu bastante desde que entrou aqui.”

Cintia lembra que a rotina fora da AMR ainda traz desafios constantes de acessibilidade e preconceito: “No dia a dia, saímos mais para escola e consultas, mas ela fica bastante em casa. Quando vamos a festas ou passeios, é muito complicado. O pessoal, no geral, não respeita as necessidades das crianças com paralisia cerebral. Principalmente no transporte público, as pessoas acham que podem ocupar o lugar dela. Eu cheguei a parar de andar de ônibus por causa disso. Eu chorava muito quando chegava em casa, porque escutava coisas e me sentia frustrada.”

O encontro com a natureza trouxe um momento de inclusão e descoberta para Isabella: “É a primeira vez que ela participa de uma trilha. Ela ficou muito feliz quando soube. Dentro de casa ela recebe acolhimento e cuidados da AMR, mas na rua é outra realidade. Essa caminhada representa uma oportunidade de ela se sentir incluída, aproveitando a natureza e participando de algo que valoriza suas capacidades.”

Durante o percurso, era possível ver a expectativa nos olhos dos participantes e voluntários. O dia estava quente, mas cada parada para descansar e apreciar a vista se tornava uma oportunidade de observar pequenas conquistas.

Ao final, quando o grupo chegou ao topo, era possível perceber a satisfação, a alegria e o espírito coletivo, refletindo o esforço e a superação de cada um. Everton e Isabella, apesar das idades diferentes, compartilhavam da mesma experiência de explorar limites, descobrir novas possibilidades e viver a inclusão em primeira pessoa, mostrando que o contato com a natureza e o cuidado especializado podem transformar o cotidiano.

Segundo Guilherme Novy, integrante da AMR, a trilha proporciona estímulos visuais, olfativos, auditivos e táteis que colocam o corpo em estado de atenção saudável, estimulam a liberação de hormônios e reorganizam percepções. “Essa sobrecarga sensorial gera calma e foco, promovendo bem-estar psicológico e fisiológico”, explica.

Para Rafaela Moura, coordenadora de comunicação da AMR, experiências como essa demonstram que, quando se oferecem condições adequadas e se enxergam as potencialidades em vez das limitações, a inclusão social se torna possível. "Reabilitamos dentro da AMR para incluir na sociedade”, complementa.

O caminho não foi fácil

Já no topo da Trilha Mirante dos Feixos, é possível ver uma nova dupla celebrando a conquista: Vinicius Florêncio Martins, de 17 anos, e Maria Eduarda “Duda” Caldeira, de 15 anos. Cada esforço para subir degraus e enfrentar o terreno irregular agora se transforma em orgulho e alegria compartilhada. “Chegar até aqui foi muito cansativo, foi pesado, mas foi bom”, conta Vinicius, com os olhos brilhando de emoção.

“A sensação de ter terminado a trilha foi maravilhosa. A vista é muito boa, muito linda, e aqui é muito alto.” Duda, apesar de um pouco tímida diante do sol e do balanço do terreno, também se mostrou satisfeita com a experiência, especialmente pelo apoio do pai, Mauricio Caldeira, que acompanhou cada passo.

“Foi uma caminhada de quase um quilômetro até aqui. Muito difícil, desgastante, mas valeu muito a pena. A chegada no topo foi um desafio muito bom, e no final a Duda chegou aqui andando comigo. Valeu a pena demais”, relatou Mauricio.

No percurso, Vinicius enfrentou desafios físicos e sensoriais, mas o apoio de voluntários, terapeutas, colegas e familiares transformou cada obstáculo em aprendizado. “A trilha foi maravilhosa. Foi bom participar, mas eu queria ter mais atividade física, fazer exercício com braço e com as pernas. Ah, curti muito, curti muito a trilha. Muito cansativo, mas foi bom”, afirma.

Para Duda, a vivência trouxe momentos de diversão e incentivo à saúde. Ela pratica fisioterapia, natação, ecoterapia e atividades físicas em casa com o pai, além de frequentar a escola com adaptação e apoio da professora. "É muito bom ver como ela consegue se exercitar fora da AMR e se divertir com atividades físicas. A trilha é mais uma oportunidade para isso”, disse Mauricio.

Paralisia Cerebral: desafios e cuidado

A paralisia cerebral é a deficiência física mais comum da infância, afetando aproximadamente 17 milhões de pessoas no mundo. Trata-se de um grupo de desordens permanentes do desenvolvimento motor e da postura, causadas por lesão cerebral não progressiva que pode ocorrer durante a gestação, no parto ou até os dois primeiros anos de vida, muitas vezes relacionada à falta de oxigenação no cérebro.

CAs manifestações da condição variam de leves a graves e podem incluir: 

  • Problemas na marcha e hemiplegia (fraqueza em um dos lados do corpo);
  • Alterações no tônus muscular, como espasticidade (rigidez) e distonia (contração involuntária dos músculos);
  • Comprometimento cognitivo, na comunicação e na interação social;
  • Necessidade de cadeira de rodas em casos mais graves;
  • Possibilidade de convulsões. 

O grau de comprometimento depende da extensão do dano neurológico. Enquanto algumas crianças apresentam apenas pequenos déficits neurológicos, outras enfrentam limitações mais severas que exigem acompanhamento constante e cuidados especializados.

O tratamento e acompanhamento da paralisia cerebral exigem uma abordagem multidisciplinar. É fundamental a atuação de pediatras, ortopedistas, neurologistas, fisiatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. Além da reabilitação clínica, atividades adaptadas como trilhas ecológicas, esportes e lazer inclusivo são essenciais para promover desenvolvimento integral, inclusão social e qualidade de vida.

O dia 6 de outubro é dedicado ao Dia Mundial da Paralisia Cerebral, criado pelo movimento Cerebral Palsy Alliance em 2012. A data tem como objetivo conscientizar a sociedade, promover direitos e ampliar o acesso a oportunidades para crianças, adolescentes e adultos com a condição.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a paralisia cerebral é caracterizada por limitações permanentes no desenvolvimento do movimento e da postura, que podem impactar o perfil funcional da pessoa. O desafio do tratamento está em conciliar o acompanhamento médico especializado com ações que promovam a inclusão social e a prevenção ou minimização das complicações motoras e cognitivas, garantindo que os pacientes tenham pleno acesso às oportunidades de crescimento e participação na sociedade.

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A associação

Com mais de 61 anos de atuação, a AMR é uma instituição filantrópica e sem fins lucrativos que promove a reabilitação e inclusão de crianças e adolescentes com deficiência física e em situação de vulnerabilidade social. Reconhecida como referência nacional em atendimento interdisciplinar, a instituição adota uma abordagem centrada na família, integrando especialidades como fisioterapia, terapia ocupacional, esporteterapia, musicoterapia, odontologia, nutrição, psicologia e as áreas médicas de psiquiatria, neurologia e ortopedia.

Em 2024, a AMR realizou cerca de 70 mil atendimentos, beneficiando quase 500 crianças e adolescentes de Belo Horizonte e da Região Metropolitana.

Para quem quiser apoiar o trabalho da AMR e contribuir para que mais crianças e adolescentes com deficiência tenham acesso a atividades de reabilitação e experiências de inclusão, é possível fazer doações diretamente no site da instituição.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice

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