Aposentada dá vida nova a brinquedos e semeia sorrisos em BH
Há 10 anos, voluntária recicla objetos doados ou garimpados no lixo para presentear crianças carentes. Bonecas, carrinhos, tudo é recriado para os pequenos
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Uma boneca sem perna resgatada do parapeito de um córrego agora dança nos braços de uma menina. Um carrinho sem rodas descartado no lixo voltou a disputar corrida “pilotado” por um menino. O que essas histórias têm em comum? Passaram pelas mãos de Wanda Lúcia de Paiva, de 48 anos, que há uma década recolhe brinquedos usados, os conserta com criatividade para distribuí-los em praças, creches e hospitais da capital. A ação ganha força no Dia das Crianças, mas ocorre ao longo do ano, movida pelo desejo de resgatar sorrisos e memórias da própria infância.
Aposentada há 18 anos devido a problemas renais e lúpus, Wanda era voluntária na Creche das Rosinhas, no Bairro Serra, Região Centro-Sul de BH, quando teve a ideia, em 2015. Convivendo com crianças que chegavam para tomar sopa carregando brinquedos quebrados, percebeu que era a hora de agir.
“Uma levava uma boneca sem braço, outra, com a roupinha ruim. Aquilo me tocou. Comecei a pedir brinquedos novos, mas vinham poucos e não eram suficientes. Aí tive a ideia de começar a pegar brinquedos que estavam abandonados nas ruas, os levava para casa, lavava, arrumava, embalava em saquinhos plásticos e distribuía. Foi assim que tudo começou”, recorda.
Em seu ateliê improvisado em um quartinho na sua casa, usando ferramentas simples, cola, tecidos e peças reaproveitadas, Wanda exercita a criatividade para alegrar a vida de crianças. Carrinhos sem rodas recebem peças reaproveitadas de outros. Bonecas com pernas bambas ganham reforço de meias e cola. Bolas furadas servem de fonte para retirar válvulas e salvar outras. “Às vezes pego uma peça de um e encaixo em outro. No final, o brinquedo parece novo”, explica.
A rotina de entrega é simples. A aposentada coloca os brinquedos no carro, anda pela cidade e para em um lugar onde haja crianças. “Pergunto se querem brinquedos usados, mas reformados, e logo se forma uma fila. Quando abro o porta-malas, os olhos brilham. É a melhor parte. A carinha deles vale todo o esforço”, descreve emocionada.
Aquilo que começou como um gesto improvisado se transformou em missão de vida. Durante uma década, o trabalho manual e artesanal de Wanda já permitiu a reforma e distribuição de mais de 400 brinquedos, levando alegria para meninos e meninas. A retribuição vem em sorrisos.
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A motivação de Wanda vem das lembranças da infância. “Quando eu era pequena, sonhava em ter uma boneca bonita, mas meu pai não tinha condições (de comprar). Prometi a mim mesma que, quando pudesse, faria isso por outras crianças”, conta.
O desejo virou compromisso. Hoje, cada brinquedo recuperado é uma forma de reescrever a própria história e oferecer aquilo que ela mesma não pôde ter. A aposentada garante que, ao entregar uma boneca, um carrinho ou uma bola, a sensação é de realização dupla: “Eles ficam felizes em receber, e eu fico ainda mais feliz em dar”.
HISTÓRIAS QUE MARCAM
Entre tantas entregas ao longo dos anos, algumas se tornaram inesquecíveis para a aposentada. Uma dessas histórias envolve Ângela, uma menina cadeirante que recebeu uma boneca pequena, parecida com a Barbie, há dois anos. Até hoje ela guarda o presente com muito carinho. “Toda vez que a vejo, ela sempre me diz: ‘Eu amo essa boneca que você me deu’. Isso não tem preço”, conta Wanda.
Outra lembrança é a boneca Angélica encontrada abandonada sobre o parapeito de um córrego em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. "Ela estava jogada sem uma perna. Arranjei uma outra perninha para ela, colei, e ficou linda. Quando a entreguei, a menina ficou encantada. É a prova de que nada precisa ser descartado se ainda pode gerar felicidade.”
Embora os brinquedos sejam o foco, Wanda também doa roupas infantis e adultas. Todas são higienizadas e chegam passadas e embaladas. “Às vezes a criança não pode brincar, mas ganha uma blusinha, um vestidinho, e já se sente especial. É tudo feito com amor, sempre limpinho e organizado”, reforça.
A dedicação é tanta que, para algumas famílias, Wanda se tornou referência de apoio. Além dos presentes, ela entrega cestas básicas e roupas em ocasiões especiais. “Tem gente que já me espera, sabe que vou aparecer. E eu faço questão de voltar, porque sei que um pequeno gesto pode mudar o dia de alguém.”
DESAFIOS E SONHOS
Todo o trabalho é feito por Wanda sozinha. Não há equipe, associação formal ou apoio financeiro. Por isso, a aposentada admite que enfrenta limitações, mas não desanima. “Gostaria de receber mais brinquedos novos, porque a procura é grande. Mas, enquanto eu tiver forças, vou continuar reformando os usados. Eles também têm muito valor.”
Seu maior sonho é ampliar a iniciativa para alcançar ainda mais crianças. “Quero um dia poder doar brinquedos e roupas novas em grande quantidade. Mas, até lá, sigo feliz em transformar o que chega até mim em algo especial”, projeta.
Para Wanda, não se trata apenas de um objeto. Pequenas atitudes, como doar um brinquedo usado, podem transformar vidas. “Doar um brinquedo reformado pode parecer pouco, mas muda o dia de uma criança. Representa carinho, esperança, e pode até inspirar quem recebe a ser solidário também.
Ela acredita que pequenos gestos fazem a diferença. “Hoje as pessoas pensam muito no celular, na correria. Se esquecem do próximo. Precisamos resgatar a amizade, o companheirismo. Ser mais solidários. É isso que tento passar.”
COMO AJUDAR
Interessados em doar brinquedos novos ou usados em bom estado podem entrar em contato com Wanda, em qualquer dia do ano, por meio do telefone (31) 99192-5121. Mesmo peças quebradas podem ser úteis para reaproveitamento. “O importante é doar de coração. Eu me encarrego de transformar e levar até quem precisa”, garante.
Às vésperas de mais um Dia das Crianças, Wanda já tem 145 brinquedos prontos para serem entregues. Eles vão parar em praças, bairros, creches e hospitais, todos higienizados, reformados e embalados com muito amor e cuidado.
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Para ela, o projeto é mais que um voluntariado: é um propósito de vida. Apesar das dificuldades, o sonho de Wanda é poder doar cada vez mais, inclusive brinquedos novos, para ampliar o alcance da ação. Até lá, segue firme em sua missão de dar nova vida ao que poderia ser descartado. “Cada brinquedo tem uma história. Quando eu reformo e passo adiante, ele começa uma nova vida. Só faço a ponte entre essas crianças”, reflete.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho