CRIME BÁRBARO

Caso Alice: mulher foi agredida por dívida, mas violência indica transfobia

Mulher trans foi supostamente agredida de forma brutal por não pagar uma conta de R$ 22, mas a intensidade das lesões pode estar relacionadas a transfobia

Publicidade
Carregando...

Alice Martins Alves, mulher trans de 33, morta em decorrência de agressões sofridas no dia 23 de outubro, depois de sair sem pagar a conta de um estabelecimento na Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, pode ter sido vítima de transfobia. De acordo com a Polícia Civil (PCMG), responsável pelas investigações, os suspeitos de cometer o crime foram motivados por uma dívida de R$ 22, mas a intensidade das agressões pode ter sido gerada pelo preconceito.

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O ESTADO DE MINAS NO Google Discover Icon Google Discover SIGA O EM NO Google Discover Icon Google Discover

 

A PCMG confirmou, nesta sexta-feira (14/11), que Alice era frequentadora do estabelecimento, de nome não divulgado. A vítima relatou à polícia que sentia olhares diferentes, de caráter preconceituoso, quando ia ao bar. 

“É um local que ela já tinha o costume de frequentar, local que ela já era conhecida, que ela conhecia as pessoas ali e já havia revelado que sentia um certo preconceito de algumas pessoas, alguns olhares maldosos, alguns olhares preconceituosos. E ela estava ali, mas não saía há muito tempo. Ela estava reservada, era uma pessoa muito tranquila, mais tímida, uma pessoa sem nenhum prontuário criminal. Uma pessoa é formada em estética, uma pessoa muito tranquila, com a família muito acolhedora e muito presente na vida dela”, relata a delegada responsável pelo caso, Iara França.

Segundo a delegada, Alice foi incentivada pela própria família a sair para se distrair. Na investigação, foi identificado que é comum que clientes assíduos saiam sem pagar a conta e retornem em outro momento para quitar a dívida, prática realizada também por Alice. A PCMG esclareceu que no dia 23 de outubro, a mulher foi sozinha ao estabelecimento e consumiu bebida alcoólica.

“Ela já teria ido ao local e posteriormente se esquecido de pagar a conta devido ao adiantado da hora, ou em razão do consumo de bebida, e ela retornava ao local e quitava a conta. Então, nunca havia tido nenhum problema, não só contra ela, como o próprio estabelecimento disse que isso não era algo comum das pessoas irem embora e não voltarem. Geralmente as pessoas que eram frequentes ali, voltavam e pagavam a conta”, explica Iara. 

Após a agressão, Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Samu, sendo encaminhada para a UPA Centro-Sul.
Após a agressão, Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Samu, sendo encaminhada para a UPA Centro-Sul. Jair Amaral/EM/DA Press

No entanto, a vítima foi perseguida por dois funcionários. Os homens suspeitos, já identificados e investigados, foram atrás da mulher e, em local mais afastado, a intimidaram. Eles questionaram sobre a conta e ela afirmou ter pagado. Como ela estava sob efeito de bebida alcoólica, pode ter se confundido.

A resposta não foi bem vista para os suspeitos, que começaram as agressões, registrada em câmeras de segurança, em que captou gritos de socorro e insultos transfóbicos nos áudios. Conforme apuração da PCMG, Alice só não foi morta no mesmo dia, pois um motociclista parou no local para intervir. Ele, inclusive, foi ameaçado pelos agressores e, depois, acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e a Polícia Militar (PM), que registrou a ocorrência como lesão corporal.

Ela foi atendida, mas dispensada. Devido às fortes dores, ela procurou outro hospital no dia 26, em Contagem (MG). De acordo com a PCMG, somente no dia 5 de novembro Alice compareceu à Delegacia Especializada de Crimes de Intolerância e LGBTfobia, dando início às investigações.

Ela relatou aos policiais que demorou a procurar a unidade, pois sentia medo dos suspeitos e também por ter ficado envergonhada. Alice, inclusive, demorou a contar sobre a agressão para o próprio pai. Ela também relatou ter ficado com medo de não ser acolhida pelas instituições.

Nesse período, ela perdeu quase 10kg, pois não conseguia se alimentar direito por causa das dores. Somente no dia 8, em outro hospital, localizado em Betim (MG), foi constatada uma perfuração no intestino e ela precisou de internação. No entanto, em razão da gravidade das lesões, ela morreu no dia seguinte (9/11).

Na segunda-feira (10), o crime foi registrado como feminicídio, com possível motivação de transfobia. O caso está sob sigilo e, por isso, outras informações não foram divulgadas pela PCMG, além de que medidas cautelares foram tomadas.

Família abalada

O advogado da família, Tiago Lenoir, afirma que as agressões foram “extremamente violentas” e estão documentadas. Segundo ele, “esse espancamento foi registrado por câmeras de segurança” e há também “áudios que demonstram gritos de socorro e diversos insultos transfóbicos”. Lenoir relata que Alice só recebeu atendimento inicial porque, depois de desmaiar, “populares acionaram o Samu e a Polícia Militar”.

Para o advogado da família, caso fique comprovado que os responsáveis pelas agressões estavam a serviço do estabelecimento no momento da cobrança, isso já configura responsabilidade direta. Segundo ele, “a responsabilidade do estabelecimento comercial é objetiva”, pois “não existe em lugar nenhum do mundo, muito menos na legislação brasileira, cobrar uma dívida de R$ 22 através de um espancamento”.

Para ele, a prioridade agora é que os envolvidos sejam formalmente identificados, presos e responsabilizados. “É um assassinato cruel, bárbaro. Queremos que o inquérito termine o quanto antes para que essas pessoas respondam por homicídio”, afirmou. O advogado acrescentou ainda que vai aguardar a conclusão das investigações para definir eventuais medidas judiciais.

Sobre o pai da vítima, Edson Alves Pereira, o advogado relatou que ele está profundamente abalado. “O Edson está muito mal, muito abalado”, afirmou. Lenoir explicou que Edson ainda não prestou depoimento oficial. Segundo ele, a delegada responsável pelo caso pretende ouvi-lo, e a família aguarda para que o depoimento seja colhido formalmente.

Como foi o crime?

Alice foi atacada na madrugada de 23 de outubro. Segundo o boletim de ocorrência, registrado em 5 de novembro, a vítima havia identificado apenas um agressor, que seria um homem alto, branco e com cabelos castanhos escuros ou pretos. Ele vestia calça jeans e blusa preta. A mulher afirmou não conhecê-lo e relatou ter sido agredida de forma inesperada, sem motivo aparente.

Depois de ser agredida, Alice perdeu a consciência e foi socorrida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), sendo encaminhada à UPA Centro-Sul. Em 2 de novembro, ela foi levada de ambulância para o pronto-atendimento da Unimed, em Contagem (MG), onde exames apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo. Segundo o pai, ela passou os dias seguintes debilitada e com dores abdominais intensas.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

No sábado (8/11), os médicos identificaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas. Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas morreu devido a uma infecção generalizada.

Tópicos relacionados:

bh crime feminicidio lgbt policia trans transfobia

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay