Fé, cultura e história. Na manhã deste sábado (15), Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, revive uma tradição bicentenária. Às 10 h, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, no Centro, teve início a “rasoura”, procissão ao som do toque fúnebre de sinos para reverenciar a memória dos irmãos e irmãs falecidos da Ordem Terceira do Carmo, fundada na cidade há 260 anos.

No cortejo, integrantes da irmandade levaram, no andor, a imagem de Nossa Senhora do Carmo devolvida à paróquia, em setembro do ano passado, após quase três décadas desaparecida. A peça do século 18 foi identificada num leilão e entregue pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à priora da Ordem Terceira do Carmo, Maria Dalila Dolabela Irrthum. O templo e o acervo sacro são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1938.

Antes da procissão, foi celebrada missa pelo titular da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, padre Wellington Eládio, também diretor espiritual da irmandade, e concelebrada pelo vigário paroquial, padre Rafael Novaes. Pela primeira vez participando da rasoura, padre Wellington destacou a importância da tradição de rezar pelos finados irmãos carmelitas. A Igreja do Carmo de Sabará é vinculada à Paróquia Nossa Senhora do Rosário. 

CORTEJO

Após sair do templo barroco, às 10h, o grupo de homens e mulheres carmelitas leigos, com opas e hábitos (vestes da associação), carregando também uma cruz coberta por um tecido roxo, circundou o templo e chegou ao cemitério, do outro lado da rua.

Irmãos e irmãos entoaram cânticos e fizeram suas orações no Cemitério do Carmo, construído em 1838, de uso exclusivo dos integrantes leigos da irmandade e mantendo um sistema de sepultamento diferente dos demais. “É como se fosse um prédio, com gavetas nas paredes”, contou o diretor de Patrimônio da irmandade, José Bouzas,, esclarecendo que antigamente os túmulos eram chamados de carneiros.

Segundo Bouzas, a “rasoura” ocorre sempre duas semanas após o Dia de Finados. “Fazemos no sábado mais próximo do dia 16”, disse o diretor de Patrimônio, explicando que todo dia 16 é sagrado para os carmelitas, pois remete a 16 de julho, data consagrada a Nossa Senhora do Carmo.

“A ‘rasoura’, palavra com significado de nivelado, plano, mostra que somos todos iguais, independentemente de ocuparmos, na irmandade, o cargo de prior, secretário ou tesoureiro”, ressaltou Bouzas, citando São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, e Ouro Preto, na Região Central de Minas, como cidades onde há irmandades carmelitas e, por isso, as "rasouras".

MEMÓRIA

Com coroa em filigrana de prata (não furtada), a imagem de Nossa Senhora do Carmo é atribuída ao português Francisco Vieira Servas (1720-1811), o qual trabalhou como entalhador e escultor em várias localidades mineiras no período colonial. Durante o período de desaparecimento da escultura, foi usada, durante a “rasoura”, uma peça de gesso.

Conforme registrou o Estado de Minas, houve uma bela festa de acolhida à imagem de Nossa Senhora do Carmo, na noite de 17 de setembro de 2024. A peça do século 18 foi entregue pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à priora da Ordem Terceira do Carmo, Maria Dalila Dolabela Irrthum, de 92 anos, sob toque de sinos, foguetório, salva de palmas e músicas entoadas pelo coro Flos Carmeli, em clima de muita emoção.

Com 38 centímetros de altura, esculpida em madeira e de grande beleza em policromia e douramento, o objeto de fé foi resgatado pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), após denúncia recebida via sistema Sondar (plataforma digital contendo bens mineiros.

A partir das informações, o MPMG instaurou procedimento investigatório para apurar a denúncia e adotar as providências necessárias para o resgate. Na época, ao entregar a escultura à priora, o coordenador da CPPC, promotor de Justiça Marcelo Maffra, disse que ela voltava "para o local de onde jamais deveria ter saído". Ele destacou a importância da participação da comunidade na preservação do patrimônio e seu papel como guardiã dos bens culturais.

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