Os motivos do embate entre Trump e o Brasil
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Siga noO presidente americano, Donald Trump, anunciou na quarta-feira (9) tarifas de 50% ao Brasil, o país que sofreria o maior impacto da nova rodada de tarifas dos Estados Unidos, sob uma justificativa política: defender Jair Bolsonaro.
O magnata republicano afirmou em uma carta que há uma "caça às bruxas" no Brasil contra o ex-presidente, julgado por uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Mas por que Trump mira o Brasil, um país que tem déficit comercial com os Estados Unidos?
– Bolsonaro: julgamento e lobby em Washington –
Se forem aplicadas, as tarifas ao Brasil entrarão em vigor a partir de 1º de agosto.
"Primeiro tentaremos negociar", mas se não houver resultados, haverá "reciprocidade", afirmou nesta quinta-feira (10) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à Record.
"O Brasil piscou agora no radar do Trump porque o julgamento do Bolsonaro está avançando e tem deputados republicanos que levaram o assunto para a Casa Branca", disse à AFP Leonardo Paz, cientista político da Fundação Getúlio Vargas.
O deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL/RJ), filho do ex-presidente, mudou-se há alguns meses para os Estados Unidos, onde faz lobby para que o governo de Trump pressione as autoridades brasileiras, inclusive os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgam seu pai.
Apontado por Lula como instigador da escalada, Eduardo Bolsonaro havia antecipado dias atrás, no X, que em breve seria conhecida uma "novidade vinda dos Estados Unidos" sobre o Brasil.
Jair Bolsonaro enfrenta um julgamento no STF por supostamente ter tentado impedir a posse de Lula após as eleições de 2022.
Se for considerado culpado, poderá ser condenado a até 40 anos de prisão.
O ministro do STF Alexandre de Moraes, a quem Bolsonaro chamou de "ditador", ordenou investigar se a campanha bolsonarista junto a Washington configura uma tentativa de obstrução do julgamento.
O chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, falou em maio sobre uma "grande possibilidade" de que os Estados Unidos sancionem Moraes.
Bolsonaro chama Trump de seu "amigo" e diz que ambos foram vítimas de "perseguição" judicial.
O conflito "afetará a imagem de Bolsonaro" e está ajudando na "mobilização da esquerda" no Brasil, disse à AFP uma fonte do entorno de Lula.
– "Razões não econômicas" –
Ao anunciar as tarifas, Trump afirmou que os Estados Unidos têm "déficit" comercial com o Brasil.
Mas os números oficiais brasileiros mostram um superávit contínuo dos EUA nos últimos 16 anos, que somou quase 284 milhões de dólares em 2024.
Os Estados Unidos são o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, depois da China e da União Europeia.
Trump anunciou tarifas para todas as exportações brasileiras aos Estados Unidos, cujos principais produtos são petróleo bruto (12%) e produtos semiacabados de ferro e aço (9,7%).
O Brasil importa principalmente motores e máquinas não elétricas (16%) e combustíveis (10%).
Como demonstração da preocupação empresarial brasileira, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pediu nesta quinta-feira uma reação "com serenidade" diante das "razões não econômicas" do anúncio de Trump.
– Brasil e a regulação digital –
Trump também mencionou em sua carta "centenas de ordens de censura secretas e ilegais contra plataformas de redes sociais norte-americanas" emitidas pela Justiça brasileira.
O Brasil promove políticas e leis para uma maior regulação da internet contra notícias falsas e discursos de ódio.
Na mesma linha defendida por Lula, o Supremo endureceu, em junho, a responsabilização das plataformas pelo conteúdo dos usuários, em um processo inédito na América Latina.
O ministro Moraes ordenou, em fevereiro, a suspensão no Brasil da rede Rumble, amplamente usada em ambientes conservadores americanos, por descumprir ordens judiciais.
A empresa processou o magistrado na Justiça dos Estados Unidos.
Moraes já havia ganhado destaque internacional em 2024, quando bloqueou temporariamente a plataforma X no Brasil até que acatasse ordens para remover contas acusadas de desinformação.
– A vitrine do Brics –
Além de um "aproveitamento ideológico" do caso Bolsonaro, no governo brasileiro atribui-se o ataque de Trump à "incomodação causada pela força do Brics", segundo a fonte próxima a Lula.
Em plena reunião do bloco no Rio de Janeiro, Trump ameaçou no domingo impor novas tarifas a países que se "alinhem" com o Brics.
O grupo evitou confrontar os Estados Unidos. Os maiores membros do bloco — China, Rússia e Índia — também não o fizeram individualmente.
Mas Lula disse que Trump se acha um "imperador".
Para além do tom presidencial, o Itamaraty negocia há meses, de forma discreta, com os Estados Unidos para evitar que as ameaças de Trump se concretizem.
ffb/rsr/mel/am